A memória coletiva marcará 2011 como o ano em que as pessoas tomaram as ruas de diversos países em uma onda de mobilizações e protestos sociais: um fenômeno que começou no norte da África, derrubando ditaduras na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen; estendeu-se à Europa, com ocupações e greves na Espanha e Grécia e revolta nos subúrbios de Londres; eclodiu no Chile e ocupou Wall Street, nos EUA, alcançando no final do ano até mesmo a Rússia. Das praças ocupadas por acampamentos às marchas de protesto nas avenidas das principais metrópoles, emergiu uma consciência de solidariedade mútua que resultou em toda sorte de material multimídia sobre o movimento na internet, amplamente compartilhado nas redes sociais.
Para o jornalista, doutor em Ciências Sociais e blogueiro, Leonardo Sakamoto, o que muita gente ainda não percebeu é que tais ferramentas não são utilizadas para a mera descrição dos fatos, mas sim para a construção e reconstrução da realidade: "Quando a pessoa atua através de uma dessas redes, não reporta simplesmente. Inventa, articula, muda. Vive".
Inspirada por essa campanha colaborativa, a Boitempo lança, em parceria com a revista eletrônica Carta Maior, a coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas, a qual reúne artigos de pensadores críticos deste novo momento da política global em que a voz das ruas passa a ocupar o cenário. O livro será vendido a preço de custo, graças à colaboração dos autores e ilustradores, que cederam os direitos autorais para tornar a obra mais acessível e condizente com a proposta do movimento. Imbuídos não só da lucidez da crítica, mas também da esperança e da paixão pelo engajamento, os textos apresentam alguns consensos, como a certeza do declínio geral do capitalismo; a percepção de uma nova solidariedade social; e a análise da ausência, até o momento, de uma definição estratégica dos movimentos de ocupação.
Apesar de Tariq Ali dizer que saber contra quem se luta é um importante começo, Slavoj Žižek é bem categórico ao afirmar que não basta saber o que não se quer, é preciso saber o que se quer. O povo, de acordo com ele, sempre tem a resposta, o problema é não saber a pergunta.
A identificação da desigualdade social, da riqueza e do poder de 1% da população mundial contra os 99% já está clara de acordo com João Alexandre Peschanski. Giovanni Alves acredita que é essencial um programa coerente para a formação de um novo movimento de organização de classe que junte o proletariado e o precariado, mas a conclusão de Vladimir Safatle sobre o programa reformista e regulacionista do capitalismo é categórica e controversa: "a época em que nos mobilizávamos tendo em vista a estrutura partidária acabou".
No hemisfério norte, Immanuel Wallerstein e Mike Davis comemoram 2011 como um bom ano para a esquerda, enquanto David Harvey defende a importância da união dos corpos no espaço público. Com foco no Oriente Médio, Emir Sader analisa a Primavera Árabe, em que a necessidade de organizações políticas é ainda maior dada a presença dos movimentos fundamentalistas e de uma interferência militar direta da OTAN e dos EUA.
O caso brasileiro, abordado no texto de Edson Teles, ainda não teve movimentos da mesma magnitude que os de outros países, mas possui a peculiaridade de mobilizar setores da juventude e de excluídos sociais. Tais grupos foram alvo, em 2011, de uma sistemática repressão policial, desde as marchas da maconha em São Paulo e a entrada de tropas de choque na USP até a expulsão dos moradores do Pinheirinho e os projetos higienistas no centro das capitais.
A extrema-direita, que revelou em 2011 a sua face mais explícita, no massacre na Noruega, também cresce. A troika (União Europeia, FMI e Banco Europeu) dita ordens de mais austeridade e todos os governos as seguem. Ao que tudo indica, o duro inverno do hemisfério norte será seguido por uma primavera politicamente quente em 2012, colocando na ordem do dia o debate sobre a natureza e a evolução dos novos movimentos políticos que floresceram em 2011. Poderá a indignação se tornar revolução?