"O Partido de Wall Street teve seu tempo e falhou miseravelmente. Como construir uma alternativa a partir de sua ruína é tanto uma oportunidade imperdível quanto uma obrigação que nenhum de nós pode ou deveria jamais procurar evitar." É com essa máxima que o geógrafo acadêmico mais citado do mundo, David Harvey, inicia seu novo livro, O enigma do capital: e as crises do capitalismo, o primeiro de sua autoria a ser lançado pela Boitempo Editorial.
Harvey parte da análise da crise do subprime imobiliário de 2008 para demonstrar que, apesar de seu alcance e tamanho, ela não difere das crises passadas. Para tanto, o autor estuda as condições necessárias para a acumulação do capital e utiliza rigoroso arsenal teórico ao expor o papel fundamental que as crises têm na reprodução do capitalismo e os riscos sistêmicos de longo prazo que o capital representa para a vida no planeta.
Riscos sistêmicos estes, inerentes ao capitalismo de livre mercado, que os economistas não foram capazes de compreender quando a crise estourou e até hoje parecem não ter ideia do que são ou do que fazer com eles. "Quando os políticos e economistas especializados parecem tão inconscientes e indiferentes à propensão do capitalismo a crises, quando tão alegremente ignoram os sinais de alerta a seu redor e chamam os anos de volatilidade e turbulência iniciados nos anos 1990 de "a grande moderação", então o cidadão comum pode ser perdoado por ter tão pouca compreensão em relação ao que o atinge quando eclode uma crise e tão pouca confiança nas explicações dos especialistas que lhe são oferecidas", afirma o autor.
Nem sempre, porém, houve essa cegueira generalizada entre os economistas. Segundo Harvey, nos primeiros anos do capitalismo, economistas políticos de todos os matizes se esforçaram para entender os fluxos do capital, mas nos últimos tempos se afastaram do exercício de compreensão crítica para construir modelos matemáticos sofisticados, investigar planilhas e analisar dados sem fim. Qualquer concepção do caráter sistêmico desses fluxos foi perdida sob um monte de papéis, relatórios e previsões.
Com uma capacidade analítica singular, Harvey dirige-se de forma didática e acessível ao leitor pouco familiarizado com o jargão econômico ou marxista, sem ser simplista. Por meio da construção detalhada de cada conceito, torna a leitura gradativamente mais complexa na medida em que uma maior articulação é necessária para explicar a dinâmica do fluxo do capital, seus caminhos sinuosos e sua estranha lógica de comportamento, tarefa fundamental para explicar as condições em que vivemos atualmente.
O enigma do capital: e as crises do capitalismo desnuda as razões para o fracasso da sociedade de "livre mercado", jogando por terra o argumento de que a crise financeira mundial, que começou em 2008 e está longe de acabar, não tenha precedentes. "Tento restaurar algum entendimento sobre o que o fluxo do capital representa. Se conseguirmos alcançar uma compreensão melhor das perturbações e da destruição a que agora estamos todos expostos, poderemos começar a saber o que fazer", conclui o autor.