Nos últimos dois séculos, a filosofia ocidental se desenvolveu à sombra de G. W. F. Hegel, com cada nova geração tentando escapar de sua influência, em vão. Obra-prima de Slavoj Žižek, um dos filósofos mais ambiciosos da atualidade, Menos que nada retoma o legado hegeliano e apresenta um desenvolvimento sistemático de sua filosofia. O idealismo absoluto de Hegel tornou-se uma espécie de bicho-papão, obscurecendo o fato de ele ser o filósofo dominante da histórica transição à modernidade - período com o qual nosso tempo guarda espantosas semelhanças. Hoje, à medida em que o capitalismo global se autodestrói, iniciamos uma nova transição. Nesse contexto, Slavoj Žižek defende em seu maior e mais importante livro teórico, publicado pela Boitempo, não só o retorno a Hegel, filósofo dominante da transição histórica, mas também a repetição e a superação de seus triunfos e limitações, por meio da interação com o antifilósofo Jacques Lacan. Para Žižek, a psicanálise e a dialética hegeliana redimem-se mutuamente, desvencilhando-se da pele a qual estão acostumadas, aparecendo em uma forma nova, inesperada. Tal abordagem permite ao mais pop dos filósofos diagnosticar nossa condição atual e também se engajar em um diálogo crítico com os eixos essenciais do pensamento contemporâneo - de Martin Heidegger à Alain Badiou, da física quântica às ciências cognitivas.
Žižek também faz uma releitura de toda a história da filosofia ocidental, em uma narrativa que perpassa o núcleo da relação entre Hegel e Marx. No entanto, a premissa que sustenta a tese deste livro, afirma ele na Introdução, é descaradamente hegeliana: "aquilo a que nos referimos como o continente da ‘filosofia’ pode ser visto como algo que se estende, tanto quanto quisermos, ao passado ou ao futuro, mas há um momento filosófico único em que a filosofia aparece ‘enquanto tal’ e que serve como chave - a única chave - para lermos toda a tradição anterior e posterior como filosofia (da mesma maneira que Marx afirma que a burguesia é a primeira classe na história da humanidade posta como tal, tanto que é somente com o advento do capitalismo que toda a história torna-se legível como história da luta de classes)". Esse momento, para o filósofo esloveno, é o idealismo alemão, delimitado por duas datas: 1787, ano em que foi publicada a Crítica da razão pura, de Kant, e 1831, ano da morte de Hegel, um período de poucas décadas que representou uma concentração impressionante de intensidade do pensamento. "Nesse curto intervalo, aconteceram mais coisas que nos séculos ou até milênios de desenvolvimento ‘normal’ do pensamento humano. Tudo que aconteceu antes pode e deve ser lido de maneira descaradamente anacrônica como a preparação para essa explosão, e tudo que aconteceu depois pode e deve ser lido exatamente assim: como um período de interpretações, reviravoltas, (más) leituras críticas do idealismo alemão", afirma Žižek.