“A matéria nacional é nossa tarefa histórica.” Assim insiste nosso maior crítico literário marxista na entrevista que abre esta edição da Margem esquerda. Aos 84 anos, Roberto Schwarz é categórico: mesmo em um cenário de aguda desagregação social como o nosso – sepultados o desenvolvimentismo ingênuo e os sonhos de socialismo em um só país – a formação do Brasil segue sendo nosso problema fundamental, quase como uma “herança maldita”. Em conversa com Fabio Mascaro Querido, ele discute os rumos da tradição crítica brasileira na atualidade, e fala sobre aspectos pouco conhecidos de sua trajetória. O dossiê de capa aprofunda o mergulho nas contradições da “matéria brasileira” (para usar a expressão consagrada pelo crítico), em um conjunto de ensaios das novas gerações da teoria crítica. Reunido por Tiago Ferro, o quarteto investiga, retrabalha e testa alguns dos insights da obra schwarziana em confronto com a atualidade política do país.
Christian Dunker abre a seção de artigos fazendo uma sintomatologia do Brasil pós-eleições, e esquadrinha os desafios e armadilhas da tarefa de “desbolsonarizar” o país. Na sequência, as afinidades eletivas entre a crítica weberiana à burocracia capitalista moderna e a crítica anarquista são objeto de ensaio de fôlego de Eleni Varikas e Michael Löwy. Fechando a sessão, Fabio Luiz Barbosa dos Santos mede a temperatura política da América Central em um ensaio sobre os paradoxos da dominação imperial em um regime de crise estrutural do capital.
A discussão sobre o país ganha corpo, gênero e raça em um segundo dossiê da revista, este sobre conservadorismo neoliberal no Brasil de Bolsonaro. Coordenada por Maria Lygia Quartim de Moraes e Maria Lucia Barroco, a seção faz um balanço das políticas públicas dos quatro últimos anos de desgoverno e procura diagnosticar as origens, desdobramentos e fissuras do neoconservadorismo brasileiro em três estudos feministas. Assinado pelo artista plástico baiano Juraci Dórea, com curadoria e comentário de Francisco Klinger Carvalho, o ensaio visual que atravessa as páginas da edição acrescenta outra camada à reflexão sobre os impasses da brasilidade.
Lamentavelmente, o último semestre trouxe grandes perdas para o pensamento crítico mundial. Nesta edição, prestamos nossa homenagem a Jean-Luc Godard através das palavras cortantes do cineasta e psicanalista Tales Ab'Sáber, João Sette Whitaker Ferreira escreve sobre a unidade entre trabalho intelectual e militância política na vida e obra de Mike Davis; e Ricardo Antunes faz um relato comovente sobre o legado humano e teórico do economista François Chesnais. Por fim, Flávio Wolf de Aguiar presta seu tributo ao ensaísta e poeta Hans Magnus Enzensberger, que também nos deixou em 2022, ao traduzir e comentar alguns de seus versos para a seção poesia.
A nova edição dos escritos de Marx e Engels sobre a Guerra Civil nos Estados Unidos são objeto de resenha de Lindberg Campos. Os livros mais recentes de dois dos mais importantes marxistas brasileiros da atualidade, Ricardo Antunes e Alysson Leandro Mascaro, são comentados por Murillo van der Laan e Marcos Bloise, respectivamente. Por fim, Leonardo Foletto registra a importância da publicação do primeiro livro de McKenzie Wark no Brasil.