O Brasil vive o governo mais obscurantista, regressivo, autoritário, antipopular e antinacional desde a ditadura militar implantada em 1964, na qual se inspira. A Margem Esquerda avalia esse curto momento de crises, contradições e tensões acirradas. O dossiê publicado, sob coordenação do especialista em direito político e econômico Luiz Felipe Osório, dissipa as incertezas que turvam o olhar imediato do contexto nacional, evidenciando o cerne da conjuntura brasileira, fundamentalmente imersa na dinâmica internacional.
Esta edição brinda-nos com ensaios voltados à crítica do momento atual em quatro atos. Pela visão da política, com Alysson Leandro Mascaro e a leitura das formas sociais, a partir da crise brasileira e (também) mundial determinada pela forma-valor e pela forma política, além de sobredeterminada pela forma jurídica. Pelo foco da economia, com Leda Maria Paulani e a concepção da sobreacumulação, explicando as fases da economia brasileira interfaceada à mundial. Pela lente das relações internacionais, com Celso Amorim e a percepção do estadista e estrategista, apontando para as particularidades do Brasil e da América Latina enquanto periferia sistêmica perante os Estados Unidos e para a marcha da insensatez que nos leva a uma política externa eivada de um idealismo multilateral e subserviente. Pelo prisma militar, com João Quartim de Moraes e a investigação minuciosa da racionalidade fardada, do caráter militar do poder ditatorial no Brasil e no Cone Sul e do atual arranjo entre farda e toga, muito menos excepcional do que se pensa.
A revista traz ainda uma entrevista com a economista portuguesa naturalizada brasileira Maria da Conceição Tavares. Em longa conversa com Luiz Felipe Osório e Maurício Metri, professor de economia política internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela fala de sua trajetória, das parcerias intelectuais, das suas leituras e de como, apesar do atual cenário, continua apostando na democracia e no socialismo.
Em diálogo com o dossiê, os artigos dos cientistas políticos marxistas Joachim Hirsch e Victor Wallis situam em perspectiva global e histórica a assim chamada crise atual da democracia, colocando em xeque as reações liberais à ascensão do populismo de direita na atualidade, ao passo que o filósofo do direito Carlos Rivera-Lugo se dedica a mapear as diversas manifestações do fenômeno na difícil conjuntura latino-americana. A seção de artigos traz ainda uma extensa contribuição da socióloga estadunidense Patricia Hill Collins, que reflete, em diálogo com a filósofa brasileira Sueli Carneiro, sobre a relação entre conhecimento e empoderamento no feminismo negro; um tocante ensaio do sociólogo Fabio Mascaro Querido sobre as trajetórias cruzadas de dois grandes intelectuais de nosso tempo – Michael Löwy e Roberto Schwarz; e um inspirado relato do sociólogo britânico Michael Burawoy – amigo e executor literário de Erik Olin Wright –, sobre o legado desse importante marxista norte-americano recentemente falecido.
Para a seção de homenagem, Miguel Vedda oferece uma comovente recordação de Carlos Eduardo Jordão Machado, o Cadu, que nos deixou em agosto de 2018. Ainda no rol dos tributos, Luiz Bernardo Pericás seleciona e traduz as palavras de Julio Antonio Mella, cujo assassinato completou noventa anos em janeiro.
O artista da vez é o pintor, desenhista, escultor, cenógrafo, ensaísta e videomaker Nuno Ramos. A obra escolhida pelo nosso editor de imagens Sergio Romagnolo foi a série de performances “Aos vivos”, três peças que foram apresentadas simultaneamente aos debates eleitorais de 2018 para a presidência e que aconteceram no Galpão do Folias (04/10), na Casa do Povo (21/10) e no IMS/São Paulo (26/10).
A questão do engajamento no debate sobre arte e política é o tema que atravessa a resenha de Lindberg S. Campos Filho sobre a primeira edição brasileira dos Ensaios sobre Brecht, de Walter Benjamin. As demais notas de leitura são assinadas por Deni Alfaro Rubbo, Gabriel Brito e Ana Garcia. Os poemas que encerram este Número, escolhidos pelo nosso editor de poesia Flávio Aguiar, revelam uma faceta ainda pouco apreciada de um dos maiores líderes revolucionários do século XX. Transparecem nos poemas do cárcere de Ho Chi Minh, que em setembro completa cinquenta anos de morte, ao mesmo tempo “a dura situação dos prisioneiros, imersos na solidão e na infestação de doenças e piolhos, e o estro poético que, apesar dela, não esmorece”.