Com recursos cada vez mais escassos, universidades e instituições de pesquisa são a nova face da crise no Brasil. A busca desenfreada por resultados reflete a lógica neoliberal, colocando em risco o ensino público superior na pátria autointitulada “educadora”. Para lançar luzes sobre as adversidades que vêm impactando a academia, aqui e no mundo, o sociólogo Marco Aurélio Santana organizou o Dossiê deste Número de Margem Esquerda. São quatro artigos que indicam perspectivas no desdobramento dessa intrincada questão. Roberto Leher, reitor da UFRJ, articula as relações entre a crise da universidade e a crise do capital. Para ele, a iminente falência das instituições de ensino superior provém das transformações do capitalismo, cuja mercantilização estrangula as universidades públicas. O sociólogo britânico Michael Burawoy analisa as crises que rondam as universidades do globo, em meio ao processo de Introdução da mercantilização na produção e na circulação de conhecimento. Já os professores Ruy Braga e Alvaro Bianchi, da USP e da Unicamp, respectivamente, discutem a articulação entre a precarização e a privatização resultantes do desenvolvimento da mercantilização da universidade pública brasileira, enquanto o organizador do Dossiê e a socióloga Maria da Graça Druck abordam a crise das universidades federais através do processo de terceirização de suas atividades-meio e da degradação do trabalho daí decorrente.
E se o assunto é crise, não poderia faltar à Margem Esquerda um olhar sobre a política atual. O filósofo do direito Alysson Leandro Mascaro empreende arguta análise política num ensaio que trata de um ponto crucial no momento, o direito. Leia aqui o artigo integral de Alysson Mascaro, "Crise brasileira e direito".
“Igualdade substantiva e democracia substantiva”, artigo de István Mészáros, expõe a proposta de democracia associada a igualdade. Para o indispensável filósofo húngaro, o problema das determinações substantivas refere-se a uma mudança fundamental de uma sociedade futura que, para tornar-se historicamente sustentável, precisa ter a igualdade como princípio norteador. Nesse ensaio, ele marxianamente aposta numa concepção do metabolismo social radicalmente diferente no porvir, sem a qual a humanidade não sobreviverá.
Sobre democracia também se debruça outro filósofo do direito, Mozart Silvano Pereira, ao tratar da teoria jurídico-política de Jürgen Habermas. Já o texto do sociólogo João Alexandre Peschanski aborda apontamentos de Marx em relação às instituições do socialismo. Anotações esparsas do Manifesto Comunista e de Crítica do Programa de Gotha são sistematizadas e problematizadas para contribuir com uma teoria do pós-capitalismo, em diálogo com correntes marxistas pouco conhecidas no Brasil.
É o marxista universal György Lukács quem assina o texto publicado na seção Clássico. Trata-se da Introdução a Jovem Hegel. Escrito em 1938 e só publicado dez anos depois, o livro foi a primeira inflexão lukacsiana rumo a uma postura teórica ontológica e afirmativa da centralidade do trabalho e marca o distanciamento do autor em relação a sua produção intelectual dos anos 1920, em especial História e consciência de classe.
O Comentário traz a transcrição de uma apresentação do professor cubano Aurelio Alonso sobre a obra Che Guevara y el debate económico en Cuba, do historiador brasileiro Luiz Bernardo Pericás, laureada na ilha com o Prêmio Ezequiel Martínez Estrada da Casa de las Américas em 2014.
Na seção Memória, o jornalista Florestan Fernandes Jr., em um relato emocionado e carregado de indignação, relata a doença, o corporativismo médico, a reação da família e os últimos momentos de vida de seu pai, o sociólogo militante Florestan Fernandes.
E foi para homenagear outro grande militante da esquerda brasileira que escolhemos, para a seção de entrevistas, o jornalista carioca Milton Temer. Oficial da Marinha cassado em 1964, militou no Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi deputado estadual e federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e um dos fundadores do Partido Socialismo e Liberdade (PSoL). Em depoimento a Gilberto Maringoni e a mim, falou sobre sua trajetória política e pessoal, intrinsecamente vinculadas, em um roteiro movimentado que explica muito do atual momento das esquerdas.
O espanhol Julio Plaza (1938-2003) é o artista da vez. Construiu parte de sua carreira no Brasil, dedicando-se a intersemiótica, multimídia e videotexto. “Com uma posição crítica ao mercado e circuito da arte, sempre questionando as estruturas à sua volta, foi pioneiro em conseguir que a pesquisa artística fosse reconhecida pelas agências de fomento”, explica Sergio Romagnolo, editor de imagens desta revista.
“Poema”, de António Agostinho Neto (1922-1979) – líder do Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA), primeiro presidente do país após a Independência e um dos mais importantes escritores angolanos – compõe a seção de poesia, cuja curadoria e texto de apresentação é uma vez mais do professor de literatura e tradutor Flávio Aguiar.
Com palavras de Giovanni Alves, prestamos tributo a Vito Gianotti, italiano que escolheu o Brasil para viver e nos deixou em julho deste ano. Operário, dirigente sindical e educador, coordenou com sua companheira, Cláudia Santiago, o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), importante centro de comunicação popular e sindical do país. A ele dedicamos esta edição.