Guia de leitura | O capital no Antropoceno | ADC48#

O capital no Antropoceno
Kohei Saito

Guia de leitura / Armas da crítica #48

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Quem é João Quartim de Moraes?

João Quartim de Moraes nasceu em 1941, em São Paulo. Formou-se em filosofia e em direito na Universidade de São Paulo (USP). Em 1982, defendeu seu “doctorat d’État” na Fundação Nacional de Ciência Política da Academia de Paris.

Foi professor de filosofia na USP (1965-1969), na Universidade de Paris 8-Vincennes (1971-1979) e na Unicamp (1982-2006). Após aposentar-se como professor titular, tornou-se professor colaborador na Unicamp. Atualmente é pesquisador sênior do CNPq.

Publicou livros e artigos no Brasil e na Europa nas áreas de história da filosofia antiga, teoria política, materialismo, marxismo e instituições brasileiras. Lênin: uma introdução é sua primeira obra pela Boitempo.

“A teoria é cinzenta, mas a árvore da vida é eternamente verdejante”.

GOETHE

Aos que ousam subverter a ordem

É fundamental, neste momento de neoliberalismo consolidado, rememorar a vida e a obra de Vladímir Ilitch Lênin. No centenário de sua prematura partida, estudar e reivindicar suas ideias e práticas é dar vida e nova energia aos que ousam subverter a ordem. Em seu tempo, Lênin enfrentou dilemas que são, ainda hoje, os mais decisivos para o movimento comunista internacional, como a articulação entre estratégia e tática, a centralidade do poder, a caracterização do imperialismo e a natureza do Estado.

Em Lênin: uma introdução, o leitor entra em contato com a biografia política de Lênin numa linguagem ao mesmo tempo precisa e empolgante. Ao longo de 144 páginas, acompanhamos o despertar de sua consciência crítica com a execução de seu irmão mais velho, seu relacionamento conjugal, as adversidades enfrentadas na escrita de suas primeiras obras, as idas e vindas da vida partidária. O volume culmina com a apresentação dos principais embates teóricos e práticos em que se envolveu, as diversas intervenções no “calor do momento” e, especialmente, seu papel de líder da Revolução de 1917.

Juliane Furno

Assessora especial da presidência do BNDES e professora da Faculdade de Economia da UERJ.

“Uma característica da capacidade intelectual de Lênin era estar permanentemente voltado para as exigências imediatas da situação concreta, mas, sempre que necessário, concentrar esforços para aprofundar os pressupostos teóricos de questões importantes em debate.”

JOÃO QUARTIM DE MORAES

[LÊNIN: UMA INTRODUÇÃO, p.58]

Anos de formação

Vladímir Ilitch Uliánov nasceu em 10 de abril de 1870 na cidade de Simbirsk, que, quando ele morreu, em 1924, passou a se chamar Ulianovsk, em sua homenagem. Simbirsk está às margens do Volga, a noroeste de Samara e a sudeste de Kazan, as duas cidades onde fez seus estudos secundários e universitários. Sua mãe, Maria Aleksándrovna Uliánova, sobrenome de solteira Blank, descendia de emigrantes alemães estabelecidos na região do Volga desde meados do século XVIII. Seu pai, Ilia Uliánov, era um respeitado pedagogo e inspetor escolar.

A infância de Vladímir, ou Volodia para os familiares, foi a de um garoto alegre, que gostava de jogos agitados, fazia longos passeios com os amigos e, conforme as estações, nadava ou patinava. Sem dúvida estimulado pelo pai, era muito estudioso, acumulando distinções escolares e desenvolvendo precocemente a inteligência. O ambiente cultural era propício à leitura dos clássicos russos e dos revolucionários críticos do tsarismo, como Nikolai Tchernichevski, autor da novela O que fazer?, que o impressionou a ponto de inspirar-lhe o título de uma de suas obras fundamentais.

[LÊNIN: UMA INTRODUÇÃO, p.12]

“Desde o início de sua militância junto ao proletariado fabril, quando ainda não adotara o nome célebre com o qual passou à posteridade, ele fez valer, além de traços de caráter que são bem conhecidos (integridade moral, rigor intelectual, inteira dedicação à causa pela qual lutava), uma capacidade exemplar de comunicação, que não provinha de dons retóricos ou ‘carismáticos’, mas de meticuloso e paciente trabalho de formação e de discussão com os trabalhadores.

JOÃO QUARTIM DE MORAES

[LÊNIN: UMA INTRODUÇÃO, p.7]


Da centelha surgirá a chama

A criação de um periódico com a ambição de circular em toda a Rússia ocupou os esforços de Vladímir Ilitch logo que se instalou em Munique, em julho de 1900, onde Nadiéjda Konstantinovna, ao fim de sua pena administrativa, encontrou-o algumas semanas depois. O nome Iskra (Fagulha ou Centelha), adotado para a nova publicação, sugeria a propagação incendiária das ideias revolucionárias.

A editoria reuniu também o trio dos principais intelectuais marxistas da primeira geração, Georgi Plekhánov, Vera Zasulitch e Pavel Axelrod, e dois dirigentes da segunda, Julius Martov e Aleksandr Potressov (1869-1934). Assinando seus artigos com o pseudônimo V. Lênin, Vladímir Ilitch não poderia imaginar que entraria nos anais da história mundial com seu novo nome.

[LÊNIN: UMA INTRODUÇÃO, p.33]

“A elaboração teórica de Lênin apoiava-se em três fontes: a crítica marxista da economia burguesa, as lições do movimento operário e socialista europeu e a experiência da construção do Partido Bolchevique nas condições próprias da Rússia.

JOÃO QUARTIM DE MORAES

[LÊNIN: UMA INTRODUÇÃO, p.8]

Os anos de reação à Grande Guerra

Até 1914, predominava no movimento social-democrata a convicção otimista de que o curso objetivo da história social conduziria à vitória do socialismo. A revolução socialista, dialeticamente contida na lógica do desenvolvimento capitalista, irromperia de sua plenitude.

Lênin partilhava desse otimismo, sem cair, entretanto, no determinismo econômico reducionista. Nunca perdeu de vista a complexidade do movimento histórico e o caráter contraditório de suas manifestações políticas. O desencadeamento de uma guerra imperialista de dimensão mundial, sem alterar sua confiança na marcha da humanidade para o socialismo, evidenciou a barbárie intrínseca ao capitalismo desenvolvido. […]

A barbárie intrínseca à civilização burguesa metropolitana, que se exibia em toda sua ferocidade nas guerras coloniais, transpôs sua fúria destrutiva para os campos de batalha do continente europeu, transformados em imensos charcos sangrentos e putrefatos.

[LÊNIN: UMA INTRODUÇÃO, p.77-79]

Leitor infatigável e extremamente rápido, Vladímir Ilitch não era dado a improvisos: consultava atentamente os estudos relativos aos temas de seus artigos e livros. Em se tratando de assuntos econômicos, apoiava seus argumentos e suas teses no exame rigoroso das informações estatísticas disponíveis. Sempre atento aos fatos, reelaborava suas conclusões teóricas quando o curso do movimento histórico o exigia.

JOÃO QUARTIM DE MORAES

[LÊNIN: UMA INTRODUÇÃO, p.9]

A revolução democrática

Quanto mais uma guerra se prolonga, mais destruição, fome e desalento ela provoca. Extremamente rude, o inverno de 1916-1917 agravava o sofrimento da população. Em  22 de fevereiro, um movimento grevista eclodiu no complexo fabril Putilov, em Petrogrado. No dia seguinte, uma grande manifestação de mulheres, em sua maioria operárias têxteis, clamando por pão e pela paz, percorreu as fábricas em greve. A repercussão foi ampla, estendendo-se pela capital.

Choques violentos com forças policiais levaram os manifestantes mais decididos a atacar postos de polícia para se armar. No dia 25, cerca de 250 mil trabalhadores tinham entrado em greve. O tsar ordenou que a força militar de Petrogrado suprimisse à bala a mobilização popular. O sangue correu. Mas os soldados do Regimento Pavlovsky, recusando-se a atirar no povo, voltaram suas armas contra os oficiais. Os demais regimentos da capital se juntaram ao levante. No dia 2 de março, o tsar abdicou.

[LÊNIN: UMA INTRODUÇÃO, p.87]

“Muitos historiadores salientam o caráter espontâneo da revolução de fevereiro. Com certeza, a iniciativa das massas foi decisiva do começo ao fim da revolta. Mas, salvo a entendê-la de modo demasiado estreito, como ação coletiva não planejada previamente, a noção de espontaneidade leva em conta a memória coletiva das lutas sociais.

JOÃO QUARTIM DE MORAES

[LÊNIN: UMA INTRODUÇÃO, p.87]

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A insurreição de outubro

Na noite de 24 de outubro, milhares de guardas vermelhos e de soldados revolucionários ocuparam postos-chave da capital: quase todas as pontes do rio Neva, os correios e os telégrafos, as estações de trem, a central telefônica, a central elétrica, o Banco do Estado etc. Do Instituto Smolny, aonde chegara à noite, Lênin assumiu a coordenação das operações, junto com o Comitê Militar Revolucionário.

Na manhã de 25, redigiu um comunicado aos “cidadãos da Rússia”, emitido em nome do Comitê Militar, em que anunciava: “O governo provisório foi destituído. O poder de Estado passou para as mãos do órgão do Soviete dos deputados operários e soldados de Petrogrado, o Comitê Militar Revolucionário, que está à frente do proletariado e da guarnição de Petrogrado”. Anunciavam-se também as quatro medidas que correspondiam aos anseios mais fortes da população: proposta de paz, abolição dos latifúndios, controle operário da produção e governo dos sovietes.

[LÊNIN: UMA INTRODUÇÃO, p.95]

Encarar de frente a realidade, focalizar o olhar no âmago das questões, traços característicos de sua inteligência, não excluíam uma leve ironia, como no conselho que deixou para renovar o aparelho de Estado: ‘primeiramente, nos instruir; em segundo lugar, nos instruir ainda mais; em terceiro lugar, nos instruir sempre’. Partindo do homem que abalou o mundo, o elogio do esforço pelo conhecimento vincula exemplarmente o combate revolucionário às luzes da inteligência.”

JOÃO QUARTIM DE MORAES

[LÊNIN: UMA INTRODUÇÃO, p.131]

Leituras complementares

Baixe os conteúdos complementares do mês em PDF!

Este mês trazemos um capítulo de Reconstruindo Lênin, biografia intelectual escrita por Tamás Krausz, a apresentação de José Paulo Netto à obra O desenvolvimento do capitalismo na Rússia e um capítulo de Lênin, de György Lukács.

Clique nos botões vermelhos abaixo para fazer o download!

Tamás Krausz

Quem foi Lênin?


José Paulo Netto

A questão agrária na ordem do dia


György Lukács

O Estado como arma

Vídeos

Este mês trazemos o lançamento antecipado do livro com João Quartim de Moraes, Lígia Osório e Juliane Furno, além da aula de Quartim no I Curso Livre Lênin e de Marly Vianna apresentando a vida do revolucionário russo.

Para aprofundar…

Compilação de textos, podcasts e vídeos que dialogam com a obra do mês.

Reconstruindo Lênin: uma biografia intelectual, de Tamás Krausz

O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, de Vladímir Lênin

Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, de Vladímir Lênin

O Estado e a revolução, de Vladímir Lênin

Cadernos filosóficos, de Vladímir Lênin

O que fazer?, de Vladímir Lênin

Imperialismo, estágio superior do capitalismo, de Vladímir Lênin 

Democracia e luta de classes, de Vladímir Lênin

Manifesto comunista/ Teses de Abril, de Friedrich Engels, Karl Marx e Vladímir Lênin

Lênin, de György Lukács

Rádio Boitempo: Acervo Boitempo #8 | O marxismo de Lênin, com Marly Vianna, jul. 2023.

Revolushow: #119 – Memórias de Lênin, com Zamiliano, Cauê Goulart e Marcelo Bamonte, jul. 2021.

Revolushow: #76 – O pensamento de Lênin, com Diego Miranda, Samara Marino e Giovana Arada, jun.2020.

Ontocast: #61 – Estratégia e tática em Lênin, com Hian Sousa, Ricardo Pazello e Pedro Pistelli, maio 2022.

Revolushow: #85 – O jovem Lênin, com Diego Miranda, Gabriel Landi, Tânia Padilha e Gabriel Lazzari, ago. 2020.

Revolushow: #19 – Reconstruindo Lênin, com Diego Miranda, Samara Marino e Giovana Arada, jun. 2020.

Feminismo e marxismo: #72 – Feminismo em Lênin, com Diana Assunção, Lina Handam e Simone Ishibash, out. 2021.

A biografia intelectual de Lênin, com Valerio Arcary, TV Boitempo.

Lênin: 150 anos de um líder revolucionário, com Virgínia Fontes, Jones Manoel e Fábio Palácio, TV Boitempo.

Por que Lênin hoje?, com Marly Vianna, TV Boitempo.

Tutaméia analisa legado de Lênin, com João Quartim de Moraes, Tutaméia TV.

A teoria da revolução em Lênin, com Augusto Buonicore, TV Boitempo.

O Estado e a Revolução, com Antonio Carlos Mazzeo, TV Boitempo.

Lênin, o Estado e Revolução, com Tariq Ali, TV Boitempo.

O pensamento de Lênin, com Tariq Ali, Virgínia Fontes e Marly Vianna, TV Boitempo.

Lênin: vida e obra, com Tamás Krausz, Sofia Manzano e Valerio Arcary, TV Boitempo.

Lênin para ler, assistir, ouvir e revolucionar“, Blog da Boitempo, set. 2024.

Um leninismo para o século XXI“, por Valerio Arcary, Blog da Boitempo, jan. 2024.

Lênin: para uma teoria política da autodeterminação“, por Ronaldo Tadeu de Souza, Blog da Boitempo, fev. 2023.

Lênin contra a passividade“, por João Quartim de Moraes, Blog da Boitempo, jul. 2022.

O legado de Vladimir Lenin: uma entrevista com Tariq Ali“, Jacobin, abril 2021.

O pensamento político de Lênin“, por Florestan Fernandes, Lavra Palavra, maio 2021.

Lênin continua insuperável“, por Virgínia Fontes, Blog da Boitempo, maio 2020.

Lênin e a teoria do Estado proletário“, por Marly Vianna, Blog da Boitempo, jul. 2017.

A edição de conteúdo deste guia é de Isabella Meucci e as artes são de Mateus Rodrigues.