3. O advento da legislação trabalhista (1930-1933): a posição dos industriais
OS 50 (E TANTOS) ANOS DO(S) GOLPE(S) CONTRA A CLASSE TRABALHADORA
POR JORGE LUIZ SOUTO MAIOR
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Especial de Jorge Luiz Souto Maior, para o Blog da Boitempo.
Confira o sumário completo aqui.
Como decorrência da crise de 29, a legislação trabalhista, no contexto do projeto de uma produção capitalista, é criada no governo Vargas. Um dos argumentos utilizados para tentar destruir a eficácia da legislação foi o de que ela “não corresponderia a um movimento de baixo, oriundo da movimentação operária (….), mas do Estado”1.
O interessante é que essa construção retórica de que a legislação trabalhista teria sido uma outorga do Estado foi desenvolvida por teóricos da “Revolução de 30”, como Oliveira Viana2, para atrair méritos para a classe política então no poder, dando ênfase à versão de que com a nova ordem a questão social deixava de ser um “caso de política”.
Paradoxalmente, a mesma noção da outorga, desenvolvida como propaganda getulista, foi utilizada, décadas mais tarde – e ainda hoje –, pela própria classe dominante industrial, para atacar a legislação trabalhista, procurando vincular essa interferência ao caráter fascista do governo Vargas. E mesmo os trabalhadores, influenciados pelas teorias anarquistas, vendo a legislação trabalhista como uma forma de roubar-lhe a consciência revolucionária, assumiram a leitura da outorga em seu sentido negativo, fragilizando a sua identidade com a legislação trabalhista.
Importa compreender que a ampliação da legislação trabalhista a partir de 1930 ligou-se ao projeto de implementação do modelo de capitalismo industrial, sendo que este é dependente de uma classe operária que se submeta ao trabalho fabril e esta submissão muito mais facilmente se atinge por meio das contraprestações fornecidas pela legislação, que, ao mesmo tempo, serve ao propósito de organizar o processo produtivo, criando a previsibilidade de condutas do trabalhador na medida em que seus direitos são exigíveis quando atendidos os requisitos fáticos do trabalho contínuo.
O advento de direitos aos trabalhadores não supera a lógica da supremacia do empregador sobre o empregado, que busca seu fundamento no direito de propriedade, tendo a legislação reafirmado esse poder, fazendo integrar ao rol de obrigações do empregado as previsões dos já existentes regulamentos de empresa.
Como explicado por Adalberto Paranhos:
Em síntese, a disciplinarização do trabalho, entendida no seu sentido mais amplo – desde a definição de regras claras para regerem o regime fabril até a articulação da legislação sindical à legislação trabalhista e previdenciária –, era a palavra de ordem. Expressava, à perfeição, uma das preocupações dominantes do Governo Vargas há no imediato pós-30, cujo fim era o controle político das classes trabalhadoras. Sem isso, como era admitido oficialmente, emergiram graves problemas para a preservação da “ordem social” e para o “progresso econômico” do Brasil. Na verdade, embora os governantes não concordassem que os pratos da balança da intervenção estatal no mercado de trabalho pendiam mais para um lado, disciplinar o fator trabalho era “um pensamento pelo capital”. Sua contrapartida, porém, incluía, como requisito imprescindível, não só a “concessão” de direitos como a integração – em posição subordinada – das classes trabalhadoras urbanas às estruturas do poder estatal3.
A partir de 1930, várias foram as leis trabalhistas publicadas, culminando, em 1943, com a CLT. Mas, o advento dessa legislação estava ligado, precisamente, à intenção de organização dos fatores de produção para desenvolvimento do modelo capitalista, sendo que no aspecto do trabalho seria importante o seu disciplinamento, que se daria pela contrapartida de direitos, mas não direitos que fossem, efetivamente, aplicados, tanto que em maio de 1932, no auge da edição da nova legislação, foi editado o Decreto n. 21.396, instituindo as Comissões Mistas de Conciliação, no âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio com o fim específico de difundir a ideia de conciliação para a solução dos conflitos coletivos entre empregados e empregadores, ao mesmo tempo em que limitava a criação dessa instituição aos municípios ou localidades onde existissem sindicatos ou associações profissionais de empregadores ou empregados organizados de acordo com a legislação vigente, ou seja, atrelados ao Estado, prevendo o recurso à arbitragem, caso as partes não chegassem a um acordo ou a avocação para o próprio Ministério, para solução do conflito, se uma das partes, ou as duas, não aceitassem a instituição da arbitragem.
Na mesma linha de priorizar a conciliação, o Decreto n. 22.132, de 25 de novembro de 1932, cria as Juntas de Conciliação e Julgamento, também no âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, para a solução de conflitos individuais, também limitando o acesso aos empregados vinculados aos sindicatos reconhecidos pelo Estado.
Nesse contexto, nem mesmo os sindicatos dos trabalhadores, então existentes, assumiram a importância da legislação trabalhista advinda, acusando-a de fascista, ainda mais considerando a necessidade de atrelamento do sindicato ao Estado. Em 1931, a Federação Operária de São Paulo assim pronunciava:
Considerando que a lei de sindicalização (….) visa a fascistização das organizações operárias (….); considerando que o Estado carece de autoridade para interpretar fielmente as necessidades dos trabalhadores e, por consequência, o espírito de luta existente, entre os produtores e os detentores dos meios de produção, e que a sua ingerência neste caso, por parte do Estado, terá sempre um caráter partidário de classe (A Burguesia); (….) A Federação Operária resolve: a) não tomar conhecimento da lei que regulamenta a vida das associações operárias; b) promover uma intensa campanha nos sindicatos por meio de manifestos, conferências, etc., de crítica à lei; c) fazer, mediante essa campanha de reação proletária, com que a lei de sindicalização seja derrogada.4
A intenção da nova legislação é clara: atrair os trabalhadores ao projeto nacionalista, mas sem afrontar os empresários, ao mesmo tempo em que se utiliza a legislação como forma de ataque ao comunismo e, de forma mais direta, aos operários estrangeiros.
Atendidos esses pressupostos, os industriais, que antes atacavam a legislação trabalhista, alteram sua postura e passam a admitir a relevância da legislação trabalhista, com ressalvas, é claro. De todo modo, compreendem o quanto ela pode ser importante para levar adiante o projeto de industrialização, ainda mais porque, ao contrário do período anterior, o Estado, por meio do Ministério do Trabalho, propõe-se a permitir que o industriais, por meio de suas associações, opinassem acerca dos projetos de lei, “e sempre que possível insistirá em obter soluções consensuais”5.
Nesse contexto, “O. P. Nogueira ignora a marcante linguagem liberal das análises anteriores. Sua exposição se arruma e desenvolve em termos de considerações técnicas, versando sobre a relação entre intensividade do trabalho e produtividade do trabalho e produtividade, racionalização da jornada de trabalho custos de produção e potencialiade da demando do mercado interno”6.
A FIESP chega mesmo a reconhecer que a legislação consistiria “num cometimento útil e imprescindível ao atual estágio da civilização brasileira, que custa a crer já não fosse objeto de preocupação dos nossos estadistas”7, chegando mesmo a destacar “o calor e o ingente esforço” implementado pelo Ministro do Trabalho para criar a legislação trabalhista, “cuja finalidade é dar amparo aos trabalhadores”8, ainda que mantendo algumas divergências quanto ao alcance das medidas.
Essa mudança de postura, no entanto, é mais estratégica do que real. De plano, embora concordassem com a importância da legislação, argumentavam que não teriam condições de arcar com os custos decorrentes de sua aplicação e, por isso, solicitaram, expressamente, a prorrogação “tanto extensa quanto possível” de sua entrada em vigor, o que somente foi superado em 1932.
Isso se deu, no entanto, mediante um novo acordo entre o governo e os industriais, que implicou na ineficácia concreta da legislação. Conforme relata Werneck Vianna:
Na verdade, as duas partes cederam. Os empresários, ao aceitar a legislação social, o governo pela tolerância que mostrou quanto às faltas cometidas por aqueles contra suas disposições. A boa vontade do Ministério do Trabalho em relação ao empresariado paulista foi a ponto de delegar sua atividade fiscal ao Departamento do Trabalho do Estado, órgão subordinado à Secretaria da Agricultura. Por esse mecanismo, as classes dominantes de São Paulo passaram a controlar a implementação das leis trabalhistas, o que diz bem da eficácia da nova fiscalização.9
Interessavam-se, verdadeiramente, na parte da legislação que mantinha os sindicatos sob forte controle. De fato, o regime corporativo encontrou solidariedade no seio industrial. Aceitam a legislação “sob a condição de que os sindicatos não invadam a arena social” e, assim, rejeitam o instituto da negociação coletiva, que segundo os empresários poderia submetê-los a serem explorados pela “classe operária organizada sindicalmente”10. A negociação coletiva, portanto, não teve vida real, mesmo que regulada, por Decreto desde 1931, tendo sido referida na Constituição de 1934 e referendada na Carta de 37.
Curioso é que, tempos depois, na década de 70/80, o ataque à legislação trabalhista vai se valer da crítica ao corporativismo, utilizando o argumento, que, originariamente, foi trazido na propaganda varguista, de ter a legislação se constituído uma dádiva do Estado. Ou seja, a resistência à legislação trabalhista se pôs, então, pelo argumento da origem corporativa, de índole fascista da legislação, resumindo-a à CLT, criada em 1943, durante o Estado Novo, vendo na CLT “uma cópia da Carta del Lavoro”.
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Próximo capítulo: “4. A Constituição de 34 e a mobilização dos trabalhadores”
Capítulo anterior: “2. Trabalho na República Velha: a resistência da classe dominante“
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NOTAS
[1]. VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 112.
[2]. Segundo Luiz Werneck Vianna (ob. cit., p. 361 – nota de rodapé n. 1), “foi Oliveira Viana quem propôs e consagrou a tese, sustentando que a legislação do trabalho teria resultado de ‘outorga generosa dos dirigentes políticos e não de uma conquista realizada pelas classes trabalhadoras”.
[3]. PARANHOS, Adalberto. O roubo da fala: origens da ideologia do trabalhismo no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2007, pp. 16-17.
[4]. Apud Munakata, K.A., A legislação trabalhista no Brasil, p. 26
[5]. VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 216.
[6]. VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 216.
[7]. Apud VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 219.
[8]. Apud VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 219.
[9]. VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 222.
[10]. VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 221.
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