“A verdadeira dor” e as tragédias das quais descendemos
Imagem: Divulgação
SEM SPOILERS
Por Cauana Mestre
O filme A verdadeira dor, roteirizado, dirigido e estrelado por Jesse Eisenberg, é inspirado em uma experiência pessoal. Sua família deixou a Polônia em 1939 e, muitos anos depois, ele foi até lá para conhecer a antiga casa familiar e o campo de concentração que existia a menos de cinco minutos de distância, o campo de Majdanek.
No filme, Eisenberg interpreta David, descendente de poloneses que decide visitar a cidade onde viveu sua avó, sobrevivente do Holocausto. Ele viaja com seu primo-irmão, Benji, vivido pelo ótimo Kieran Culkin, que ganhou Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel.

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A dinâmica entre os dois é responsável pelo humor e pela emoção do filme. David é obsessivo, atarefado, correto e deixa esposa e filho em casa para fazer a viagem. Benji é caótico, sensível, intenso e não deixa ninguém, mas parece ser o tempo todo deixado para trás. Eles viajam em grupo e, enquanto David tem dificuldades para se conectar com as pessoas, sempre preocupado com a organização, os horários e a civilidade, Benji tem uma doçura difícil de ignorar; sua intensidade é magnética até desembocar em uma grande tendência à destruição.
Os dois passeiam pela história familiar compartilhada enquanto visitam a História coletiva desse passado sombrio que a gente sabe que nunca pode deixar passar. É nesse movimento entre o singular e o plural que viajamos para relembrar uma verdade que nos custa muito admitir: a experiência de família é única, e ninguém no mundo carrega uma história igual à nossa, mesmo que compartilhe os mesmos familiares, a mesma cidade, a mesma tragédia.

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O psicanalista francês Jacques Lacan certa vez disse que ter uma família é ter que lidar com um desejo que não é anônimo. Na melhor das hipóteses somos recebidos no mundo por alguém que nos deseja uma vida — e isso pode ser, a um só tempo, um tesouro e um fardo.
David e Benji são personagens únicos, mas que carregam certo traço universal. Não somos todos errantes diante da História que nos inclui e também daquela que construímos? Não estamos, todos nós, escrevendo e reescrevendo nossas memórias e, assim, registrando e recontando a história daqueles que nos antecederam? E a tragédia da qual descendemos, tem ela o poder de traçar nosso destino ou somos inteiramente responsáveis pelo caminho que desenhamos?
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Eisenberg e Culkin têm belíssimas atuações, mas é impossível não sinalizar a maestria de Culkin que, ao longo do filme e principalmente na cena final (uma das mais devastadoras do cinema), tem a capacidade de nos tocar intensamente. Seu olhar no último take ficará para sempre comigo junto de uma frase que ele não precisou dizer para que eu escutasse: seja gentil, você nunca sabe, nunca mesmo, aquilo que o outro está enfrentando.
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Cauana Mestre é psicanalista, mestre em Literatura pela UFPR.
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