A pedagogia socialista de Nadiéjda Krúpskaia

Nos 156 anos de Nadiéjda Krúpskaia, conheça alguns fundamentos de sua pedagogia revolucionária. Leia trecho de "A educação ambiental anticapitalista: produção destrutiva, trabalho associativo e agroecologia", de Henrique Tahan Novaes

Imagem: WikiCommons.

Por Henrique Tahan Novaes

Fundamentos da escola do trabalho emancipado

No início do século XX, a Rússia era um dos países onde mais se debatia a contribuição de Karl Marx para uma “revolução social” e uma “revolução educacional”. D. Lepechinsky, de uma geração anterior aos revolucionários de 1917, Nadiéjda Krúpskaia, Anatóli Lunatchárski, Moiseiy Pistrak, Viktor Shulgin, Anton Makarenko, Blonski são alguns dos nomes que debateram intensamente a particularidade da sociedade russa (e, portanto, da educação russa) e as propostas socioeducacionais de Karl Marx.

Diversos intelectuais caracterizam o período de 1900 a 1917 como um período de intenso florescimento da crítica à educação capitalista, e da necessidade de construção de uma teoria educacional para uma possível revolução na Rússia. Como veremos mais à frente, muitas das ideias desenvolvidas na fase anterior à revolução foram postas em prática com a Revolução Russa.

A Revolução Russa tornou-se, desse ponto de vista, o marco histórico mais importante do século XX, a ponto de Eric Hobsbawm determinar os marcos do século XX em função da Revolução Russa e de sua implosão em 1989-1991.1

É possível dizer que a pedagogia comunista possui alguns fundamentos que iremos caracterizar brevemente neste capítulo: a) o de constituir a escola única do trabalho, centrada na emancipação do trabalho; b) a politecnia; c) a autodireção; d) o sistema de complexos temáticos; e e) o ensino da história na perspectiva do materialismo dialético.

Mas qual o objetivo da escola do trabalho? Poderíamos resumir dizendo que era o desenvolvimento intelectual, político, politécnico, físico e estético dos trabalhadores da sociedade comunista em construção. Para os defensores dessa pedagogia, assim como para Marx, livre das amarras da propriedade privada dos meios de produção, e assumindo o controle social do trabalho tendo em vista a emancipação da humanidade, é possível que os seres humanos se desenvolvam no trabalho.

[…]

Resumidamente, é possível afirmar que a sociedade capitalista da era industrial criou a educação capitalista, principalmente através da construção de sistemas educacionais estatais. Com a Primeira Revolução Industrial e o surgimento do modo de produção especificamente capitalista, os proprietários dos meios de produção precisaram criar sistemas educacionais duais: um para as massas trabalhadoras, e outro para as burguesias e os gestores-tecnocratas que comandam a produção-acumulação de capital. A Inglaterra e a França, berços da Revolução Industrial, foram os primeiros países a criar sistemas educacionais duais.

Em linhas gerais, a sociedade de classes criou uma educação para os filhos da burguesia e as classes médias diferente da educação dos trabalhadores, isto é, a sociedade de classes capitalista criou distintos papéis na produção para os trabalhadores e para os capitalistas e seus gestores. Já é possível adiantar que, para os pedagogos soviéticos, essa educação não permite o desenvolvimento intelectual, político, politécnico, artístico e físico dos trabalhadores, condenados a trabalhar em troca de um salário.

Acreditamos que o pilar fundamental da pedagogia soviética é a luta pela emancipação do trabalho e o papel da escola nesse processo. No plano teórico, estava em jogo a necessidade de construção de uma sociedade não mais baseada na exploração do trabalho, tendo em vista o que Marx chamava de “autogoverno pelos produtores livremente associados”.

[…]

Se o complexo de formação-qualificação não deve mais servir para perpetuar a sociedade de classes, qual é então o papel da escola na formação para e no trabalho?

No que se refere ao trabalho, é possível depreender que, para os pedagogos soviéticos, a formação se dá no trabalho e para o trabalho emancipado. Nesse sentido, o trabalho é educativo (é uma agência formativa). Em outras palavras, há uma atenção especial da pedagogia soviética ao papel da escola na construção do trabalhador coletivo e em sua contribuição para a construção do trabalho emancipado. Para os pedagogos soviéticos, era possível e necessário preparar para o trabalho coletivo desde muito cedo, aprendendo a cooperar para construir um novo país e uma nova sociedade, a superar a dualidade do sistema escolar, para que todos possam se desenvolver no trabalho.

[…]

Para os pedagogos soviéticos, a compreensão na teoria e na prática dos principais ramos da indústria era um desafio para a Rússia revolucionária. Para eles, todos os trabalhadores têm que ter uma ideia geral – vale insistir, na teoria e na prática – dos principais ramos da produção. Segundo Krúpskaia, as crianças e os jovens trabalhadores devem familiarizar-se com as técnicas modernas.2

Krúpskaia questiona em que consiste o conteúdo da educação politécnica. Para ela:

“seria um erro pensar que esse conteúdo se reduz apenas à aquisição de uma determinada quantidade de habilidades ou a diferentes habilidades artesanais, como acreditam outros, ou apenas ao ensino das modernas e mais altas formas das técnicas. O politecnismo é um sistema global na base do qual está o estudo da técnica nas suas diferentes formas, tomadas em seu desenvolvimento e em todas as suas mediações. Isso inclui o estudo das “tecnologias naturais”, como Marx chamava a natureza viva, e a tecnologia dos materiais, bem como o estudo dos meios de produção, os seus mecanismos, o estudo das forças motrizes – energética. Isso inclui o estudo da base geográfica das relações econômicas, o impacto dos processos de extração e processamento nas formas sociais do trabalho, bem como o impacto destas em toda a ordem social.”3

Krúpskaia acredita que:

“a escola politécnica diferencia-se de uma escola profissional por ter o centro de gravidade na compreensão dos processos de trabalho, no desenvolvimento da capacidade de unir num todo único teoria e prática, na capacidade de compreender a interdependência dos fenômenos conhecidos, enquanto que o centro de gravidade da escola profissional passa pela capacitação dos estudantes em habilidades de trabalho.”4

Notas

  1. Eric Hobsbawm, A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991) (trad. Marcos Santarrita, São Paulo, Companhia das Letras, 1996). ↩︎
  2. Nadezhda Krupskaya, A construção da pedagogia socialista (trad. Luiz Carlos de Freitas e Roseli Salete Caldart, São Paulo, Expressão Popular, 2017). ↩︎
  3. Idem, p. 150-151. ↩︎
  4. Ibidem, p. 153. ↩︎


A educação ambiental anticapitalista: produção destrutiva, trabalho associativo e agroecologia, de Henrique Tahan Novaes
O livro apresenta as ideias mais importantes sobre agroecologia, produção associada, ecossocialismo e pedagogia socialista no Brasil e no mundo, juntamente com práticas de movimentos sociais, enfatizando o trabalho do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST.

Com uma visão abrangente, o autor explora diferentes práticas ecorrevolucionárias, aborda os cercamentos de terra ocorridos ao longo do século XX e XXI, traz como referência autores importantes como Karl Marx e István Mészáros e entrelaça a importância da educação agroecológica em um processo de transformação da sociedade: “A síntese resultante é única em sua fundamentação na luta pela própria terra, combinada com uma visão ampla da mudança ecológica e social revolucionária”, escreve John Bellamy Foster no prefácio da obra.

“Ao articular a crise do capital e as formas atuais de socialismo comunal, a partir de Mészáros, Henrique Tahan Novaes contribui para o resgate das utopias socialistas, igualitaristas e coletivistas modeladoras dos processos de ruptura nos últimos dois séculos e inscritas nos conflitos sociais do tempo presente, especialmente por meio da agroecologia, da cooperação e da educação para além do capital.”
Maurício Sardá de Faria

“Este livro atualiza debates marxistas sobre a questão ambiental e apresenta os desafios do MST na construção de uma transição agroecológica que enfrente as barbáries de nosso tempo.”
Fabiana Scoleso

“Em um país talhado por séculos de escravização e expropriação, este livro é uma real contribuição sobre o trabalho no campo. Aqui o autor recupera o conceito vital de trabalho associado (Marx), que, por ser coletivo e social é o único capaz de efetivamente demolir o edifício do capital.”
Ricardo Antunes

***

Henrique Tahan Novaes é docente da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Marília, e foi coordenador da pós-graduação em educação de 2022 a 2024. Além de A educação ambiental anticapitalista, publicado pela Boitempo em 2025, é autor dos livros Mundo do trabalho associado e embriões de educação para além do capital (Lutas Anticapital, 2018), O fetiche da tecnologia – a experiência das fábricas recuperadas (Expressão Popular, 2007) e Reatando um fio interrompido – a relação universidade movimentos sociais na América Latina (Expressão Popular, 2012), que foram também publicados em inglês, espanhol e italiano.


Deixe um comentário