Cultura inútil | Aqui na terra já não se joga bom futebol
(Na música “Meu caro amigo”, de 1976, Chico Buarque cantava como se fosse o trecho de uma carta enviada a um amigo no exterior, falando da ditadura que nos ferrava. Mas começa assim: “Aqui na terra, tão jogando futebol/ Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll” – era um tempo ruim, mas ainda tínhamos futebol e música, samba principalmente)
Foto: WikiCommons.
Por Mouzar Benedito
Dá tristeza ver o futebol brasileiro hoje!
Este ano o mundial de clubes da FIFA irá estrear um novo formato, com 32 times de todas as partes do mundo, no formato do campeonato de seleções, e o Brasil é o país que terá mais times na disputa: Palmeiras, Flamengo, Botafogo e Fluminense. Beleza, não? Inglaterra, Alemanha, Argentina e outros países de futebol brilhante ficaram para trás. Mas, será que um desses brasileiros vai chegar à final? Eu gostaria muito, mas do jeito que a coisa vai, com base nas últimas disputas internacionais dos nossos times e nossa seleção, pode ser que nenhum passe nem da fase de grupos. Pena! Saudade dos tempos que a gente torcia com gosto e conhecia os jogadores.
Resolvi publicar frases sobre o que chamavam de “viril esporte bretão” — nesse ponto, melhorou, as mulheres brasileiras estão jogando bem melhor do que os homens, o “viril” perdeu o sentido —, não só o exaltando (essas são dos “bons tempos”), mas também as classificadas como “folclóricas”. Algumas, já muito manjadas, preferi deixar de lado.
Bom… começo as frases pelas de Neném Prancha, apelido de um roupeiro e massagista do Botafogo, chamado Antônio Franco de Oliveira. Ficou célebre por suas filosofadas engraçadas sobre futebol. Algumas delas:
“Jogador de futebol tem que ir na bola com a mesma disposição com que vai num prato de comida. Com fome, para estraçalhar.”
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“Pênalti é tão importante que quem devia bater é o presidente do clube.”
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“O mais importante é o principal, o resto é secundário.”
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“O futebol é muito simples: quem tem a bola ataca; quem não tem, defende.”
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“Bola tem que ser rasteira, porque o couro vem da vaca e a vaca gosta de grama.”
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“Jogador bom é que nem sorveteria: tem várias qualidades.”
Agora vamos às de outros…
Baiaco (craque do Bahia, que não participou de um jogo contra o Vitória por estar machucado): “Comigo ou sem migo, o Bahia ganha”.
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Garrincha (falando do gol contra o Chile, na copa de 1962): “A bola veio para a esquerda e eu não chuto bem de esquerda, mas não dava pra trocar de pé. Então chutei de esquerda fazendo de conta que era de direita”.
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Garrincha, de novo (depois do final da Copa de 1958, na Suécia): “Mas por que todo mundo está chorando? Não ganhamos o jogo?”
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João Pinto (português, ex-jogador do Porto que não sabia usar o pé esquerdo, mas marcou um golaço com um chute de canhota): “Chutei com o pé que estava mais à mão”.
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João Pinto, de novo: “O meu clube estava à beira do precipício, mas tomou a decisão correta: deu um passo à frente”.
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Vicente Matheus: “Jogador atual tem que ser igual pato, que é ao mesmo tempo aquático e gramático”.
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Vicente Matheus, de novo: “O Sócrates é invendável e imprestável”.
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Valdomiro (ponta do Internacional de Porto Alegre, depois de ganhar uma caixa de cerveja, prêmio que a Antarctica dava ao melhor jogador em campo): “Quero agradecer à Antarctica pela caixa de Brahma que ela me deu”.
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Dario Peito de Aço: “Não me venha com problemática que eu tenho a solucionática”.
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Patrick Funk (jogador alemão): “A esquerda é semelhante à direita, só que do outro lado”.
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Didier Deschamps (ex-jogador e treinador francês): “No futebol, como na vida, não podemos ter apenas arquitetos, devemos ter também pedreiros”.
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Barroso (apelido de um colega de time, que jogava peladas comigo na Cidade Universitária de São Paulo, depois de entrar de sola em um atacante adversário que ficou fazendo embaixadas diante dele): “Ele ficou petecando na minha frente. Petecou, eu quebro”.
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Sócrates: “Segundo Maquiavel, é melhor ser temido do que ser amado. Mas é uma escolha que a seleção não precisa fazer. Ela é temida e amada. Temida pelos adversários e amada por quem ama futebol”.
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Eduardo Galeano: “No futebol, a habilidade é muito mais importante do que a forma e, em muitos casos, a habilidade é a arte de transformar limitações em virtudes”.
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Galeano, de novo: “Existem algumas cidades e vilarejos no Brasil que não têm igreja, mas não há nenhuma sem campo de futebol”.
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Albert Camus: “Na verdade, o pouco de moral que conheço, aprendi nos campos de futebol e nos palcos de teatro, que continuarão sendo minhas verdadeiras universidades”.
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Gramsci: “O futebol é o reino da lealdade humana exercida ao ar livre”.
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Julius Boros (estadunidense, jogador profissional de golfe): “Na hora que você pega na bola, se você não sabe o que fazer com ela, tente outro esporte”.
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Di Stefano (argentino que foi um dos maiores craques do futebol espanhol): “Jogamos como nunca e perdemos como sempre”.
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Otto Rehhagel (ex-jogador alemão): “Às vezes você perde e às vezes os outros ganham”.
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Steffen Baumgart (ex-jogador e técnico alemão): “O jogo só acaba quando o árbitro apita e eu paro de gritar”.
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Sepp Herberger (jogador e treinador alemão, falecido em 1977): “A bola é redonda, o jogo dura noventa minutos e todo o resto é apenas teoria”.
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Gyula Lóránt (jogador e treinador húngaro, falecido em 1981): “A bola é redonda. Se fosse quadrada seria um cubo”.
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Bill Shankly (jogador e treinador escocês): “O futebol não é uma questão de vida ou de morte. É muito mais importante que isso”.
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Millôr Fernandes: “O futebol é o ópio do povo e o narcótico da mídia”.
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Jardel (cearense que jogou no Grêmio, no Porto e em outros times): “Clássico é clássico, e vice-versa”.
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Nelson Rodrigues: “Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos”.
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Carlos Drummond de Andrade: “Futebol se joga no estádio? Futebol se joga na praia, futebol se joga na rua, futebol se joga na alma”.
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Papa Francisco: “O futebol pode e deve ser uma escola para a construção de uma ‘cultura do encontro’, que permita a paz e a harmonia entre os povos”.
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Josef Hicherberger (ex-jogador austríaco): “Treinamos apenas os nossos pontos fortes, por isso o treino de hoje foi concluído após 15 minutos”.
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Pelé: “Se eu pudesse, me chamaria Edson Arantes do Nascimento Bola. Seria a única maneira de agradecer o que ela fez por mim”.
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Pelé, de novo: “Futebol é música, dança, harmonia. E não há nada mais feliz do que uma bola quicando”.
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Pelé, mais uma vez: “Você tem que deixar o futebol a tempo, antes que ele te abandone”.
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George Best (ex-jogador da Irlanda do Norte, falecido em 2005): “Maradona bom, Pelé excelente, George melhor”.
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Gesualdo Bufalino (escritor italiano): “Um sociólogo é alguém que vai a uma partida de futebol para observar os espectadores”.
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José Coutinho: “Quando Mané Garrincha jogava futebol, valia dizer: Deus escreve certo por pernas tortas”.
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Thomas Hitzperger (antes do jogo da seleção alemã contra a Suécia, na Copa de 2018): “Os suecos são como os trinta e poucos anos na discoteca: ficam atrás e esperam para ver se alguma coisa acontece”.
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Bob Marley: “Se eu não tivesse me tornado cantor, teria sido jogador de futebol… ou revolucionário. Futebol significa liberdade, criatividade, significa dar liberdade à inspiração”.
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Churchill: “Os italianos perdem jogos de futebol como se fossem guerras, e perdem guerras como se fossem jogos de futebol”.
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Enzo Bearzot (jogador e treinador italiano falecido em 2010): “Devido à entrada de grandes patrocinadores no cenário do futebol, parece que o dinheiro mudou as traves”.
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Michel Platini: “O futebol deve permanecer humano”.
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Quiterinha (ex-técnico de um time de Itajubá-MG): “Se a gente marcar um gol no início do jogo e não deixar eles marcarem nenhum, a gente ganha”.
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Cristiano Ronaldo: “Meu professor sempre me disse para deixar a bola em paz, porque o futebol nunca me daria nada para comer”.
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Cristiano Ronaldo, de novo: “O futebol é uma questão de ciclos. Se você ganhou tudo com um time, você precisa mudar”.
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Algum técnico de um time de Porto Feliz-SP, cujo nome não me lembro: “Quando a bola bate no travessão e volta, o goleiro fica perdido. Então, faça assim: chute no travessão pra bola voltar pra você, e aí aproveite que o goleiro estará perdido e chute no gol”.
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Eugene McCarthy (ex-senador gringo): “Estar na política é como ser treinador de futebol. Você tem que ser inteligente o suficiente para entender o jogo e estúpido o suficiente para pensar que é importante”.
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Franz Beckenbauer: “O resultado não mudará muito, a menos que alguém marque um gol”.
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Johan Cruiff: “O futebol é simples, mas é difícil jogar de forma simples”.
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Cruiff, de novo: “O futebol se joga com a cabeça. Se você não tem cabeça, só as pernas não são suficientes”.
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Cruiff, mais uma vez: “É melhor perder com suas ideias do que com as ideias de outra pessoa”.
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José Mourinho: “Quem só sabe de futebol não sabe nada de futebol”.
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Mourinho, de novo: “Não sou o melhor do mundo, mas não acho que exista alguém melhor do que eu”.
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Pep Guardiola: “Não há nada mais perigoso do que não correr riscos”.
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Lionel Messi: “Eu me preocupo mais em ser uma pessoa boa do que ser o melhor jogador do mundo”.
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Maradona: “Em campo não se luta com armas, mas com a bola”.
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Maradona, de novo: “Corro, luto, mas acima de tudo converso com a bola para entreter as pessoas”.
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Andreas Möller (ex-meio campo da seleção alemã): “Sou sempre muito autocrítico, até comigo mesmo”.
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Lukas Podoski (jogador polonês): Temos que arregaçar a cabeça – e as mangas também”.
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Alessandro Del Piero (ex-jogador italiano): “A estética importa, mas o melhor remate é aquele que leva ao gol: mesmo que seja mau ou sujo, desde que seja gol”.
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Erma Bombeck (humorista estadunidense): “Quando um homem assiste a três jogos de futebol consecutivos, ele deveria ser declarado legalmente morto”.
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Lei de Murphy: “O árbitro sempre foi comprado pelo outro lado”.
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Gino Meneghetti (o grande ladrão que só roubava dos ricos): “Vem um sujeito de calcinha, dá um pontapé numa pelota e fica milionário. Isto é absurdo. O outro fica rico dando um murro na cara do outro. São espetáculos que para mim (…) o governo apoia, uma nova política para distrair o povo, como em Roma”.
Historinhas de futebol…
O juiz Bola Nossa
Você já imaginou um juiz de futebol torcedor fanático por um clube? Existem uns enrustidos, que roubam para um time, mas fingindo que são honestos.
Em Belo Horizonte existiu um árbitro que não escondia sua preferência pelo Atlético Mineiro. O nome dele era Alcebíades Magalhães Dias, e o apelido era Cidinho.
Existem muitas histórias sobre como ele apitava a favor do Atlético, mas a mais conhecida foi num jogo do seu time contra o Botafogo do Rio, em Belo Horizonte, em 1949.
Numa dividida, a bola saiu pela lateral e os jogadores Afonso, do Atlético, e Santo Cristo, do Botafogo, discutiam de quem seria a lateral.
Cidinho, o juiz, falou para o Afonso:
— Bola nossa! É nossa, Afonso. É bola nossa.
Por causa disso ficou conhecido como Juiz Bola Nossa ou Cidinho Bola Nossa.
Goleiro folgado
O segundo time da Esportiva Nova Resende tinha um goleiro meio ruim, mas gozador, chamado Zé Cocão por causa da cabeça enorme. Para provocar adversários, alguém levava para ele uma cadeira, uns óculos e um jornal. Punha a cadeira no meio do gol, sentava nela, colocava os óculos e fingia estar lendo o jornal.
Já imaginaram isso hoje em dia? Seria massacrado não só por jogadores adversários, mas também pela imprensa esportiva, que não tem mais humor. Aliás, consideram dribles brincalhões como ofensas inaceitáveis, portanto, Garrincha seria inaceitável atualmente.
Todo grosso tem seu dia de Pelé
Esse era um ditado que funcionava. De vez em quando, um perna de pau tinha uns rompantes de craque e arrasava. Lembro-me de dois deles, do “segundão” (segundo time) da Esportiva Nova Resende, muito grossos, que tiveram um “dia de Pelé”.
Siriaco era um lateral-direito que só sabia dar uns chutões pra frente. Um dia, o goleiro entregou a bola pra ele, na entrada da área, e ele não chutou. Saiu driblando todo mundo, de cabeça baixa, só olhando a bola, até o gol adversário. Driblou até o goleiro, mas não olhava pra frente. Prensou a bola contra a trave e ficou chutando sem nem olhar pro gol. Acabou que a bola espirrou pra fora e ele não marcou. Quer dizer, poderia ter feito um gol de placa, como Pelé, mas na hora H perdeu seu momento de glória.
Já Cabeça de Vaca jogava no ataque, mas nunca marcava gol. Era muito ruim de pontaria. Numa tarde chuvosa, no campo de terra cheio de barro, pegou a bola fora da área e marcou um golaço, um chute indefensável no ângulo. Todo mundo ficou pasmo. Dali a pouco, outra bola fora da área, outro chutaço e gol belíssimo. Terminado o primeiro tempo fui falar com ele. Contou que não queria marcar os gols. O campo não tinha alambrado e muita gente assistia aos jogos perto do gol. O Elias, um desafeto dele, estava lá, de pé, de roupa branca, a uns cinco metros do gol:
— A bola estava bem suja de barro e eu queria acertar o Elias, sujar a roupa dele. Errei as duas vezes. Não conta pra ninguém, tá?
***
Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em coautoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2021, Editora Limiar). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente.
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