Cultura inútil | Em defesa dos bons loucos e das boas loucuras
Detalhe do quadro “A extração da pedra da loucura”, de Hieronymus Bosch (WikiCommons).
Por Mouzar Benedito
Algumas pessoas me acham meio doido, mas não se compara ao que pensavam no meu tempo de criança. Tive meningite aos cinco meses de idade, num surto que pegou muita gente, e tinha aquela história de que quem teve meningite, se não morrer, fica louco. Aproveitei bem a fama. Uma das coisas que fazia até uns oito anos de idade era chutar a canela de adultos que me enchessem o saco. E tinha um chute bom, com uma botina de bico duro. E tudo ficava por conta da meningite.
Além disso, convivi com muitos “mudos”, como chamavam na minha terra pessoas desvalidas, “loucas” e até uns mudos mesmo. Lá eles tinham respeito e boa aceitação. Tanto que juntavam-se aos “mudos” locais aqueles que andam de cidade em cidade pequena, sendo maltratados. Chegavam em Nova Resende, eram bem tratados e paravam lá. Alguns iam morar em casinhas de fundo que lhes eram oferecidas, outros iam para o asilo, que os tratava com dignidade também. Assim, numa cidade com pouco mais de dois mil habitantes, pelo menos uns trinta “mudos” andavam pelas ruas, cada um com uma característica. E eu gostava deles.
Uns falavam uma palavra desconhecida e ela entrava na moda. O Badi, por exemplo, tinha esse apelido porque era mudo e só balbuciava um som parecido com isso, mas um rapaz, o Ivo, disse que escutou com atenção o Badi e concluiu que ele, na verdade, falava “adioba”, mas a gente não ouvia direito. Adioba, segundo o Ivo, era uma palavra que significava qualquer coisa que a gente quisesse dizer, inclusive cumprimentos como bom dia, boa tarde e boa noite. Então em vez de fazer esses cumprimentos, dizia “adioba” em qualquer horário, e pegou. Um falava adioba, e outro respondia: adioba.
O Tião Galo corria de uma esquina a outra, batia os braços no corpo como se fossem asas e cantava como galo. O João Gravatá tinha medo de maria-mole. A Furupa almoçava cada dia numa casa: na hora do almoço entrava em qualquer casa, sentava-se à mesa e almoçava com a família, qualquer uma que fosse, até do prefeito. Eu gostava de vê-la comer: traçava colheres de pimenta malagueta. Ah… e ai de quem lhe negasse o direito de almoçar com sua família: ficava malvisto na cidade.
Uma vez, ainda criança, fiz uma piada de mau gosto gozando o Oscar Lobisomem e levei um esporro memorável do meu pai, que me deu uma verdadeira aula sobre os desvalidos. Aprendi e nunca mais fiz uma coisas dessas. Agora tenho tido contato com um pessoal da luta antimanicomial e fico me lembrando disso tudo.
Acho que certas pessoas com problemas psiquiátricos graves precisam sim de tratamentos, mas não de hospícios. Caras como o que matou o Glauco e seu filho são perigosos, sim. E têm que ter um tratamento adequado. Não num hospício, que parece mais um depósito de gente. Em alguns, havia pessoas que por qualquer motivo passavam a vida toda trancafiadas, convivendo com a violência de alguns internos e de parte dos funcionários. Certos hospícios ficaram famosos, como o de Barbacena (MG), o Raul Soares (de Belo Horizonte) e o Juqueri (SP).
Existem ainda hoje “clínicas” que internam pessoas por motivos fúteis e as tratam com violência e crueldade. Esse pessoal da luta antimanicomial criou o Prêmio Carrano de Luta Antimanicomial e Direitos Humanos, inspirado na vida e na luta do paranaense Austregésilo Carrano Bueno, que, por fumar maconha, foi internado pelo pai em lugares de deixar qualquer um louco, no mau sentido. Carrano narrou sua experiência no livro Canto dos Malditos, que inspirou o filme Bicho de Sete Cabeças.
Bom… espichei demais. Coletei frases sobre loucos e loucuras, e aí vão elas.
Aristóteles: “Nunca existiu uma grande inteligência sem uma veia de loucura”.
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Marguerite Yourcenar: “Creio que quase sempre é preciso um golpe de loucura para se construir um destino”.
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Stephen Hawking: “O problema das pessoas inteligentes é que elas parecem loucas para as pessoas burras”.
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Heitor Moniz: “De vez em quando sopra na humanidade o vento da loucura. Há um grande entusiasmo coletivo. Os povos sublevam-se, tomam as armas, fazem a revolução”.
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Oscar Wilde: “Os loucos às vezes se curam, os imbecis nunca”.
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Oscar Wilde, de novo: “Para recuperar a sua juventude, você só precisa repetir suas loucuras”.
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Carlito Maia: “Mineiro não fica louco, piora”.
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Franco Basaglia: “A sociedade, para ser civilizada, deveria aceitar tanto a razão como a loucura”.
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Akira Kurosawa: “Em um mundo louco, apenas as pessoas loucas são sensatas”.
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Simone Weil: “Só os loucos e os pobres com absoluta clareza de visão comtemplam a verdade do mundo e captam todo o seu esplendor”.
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Marlene Dietrich: “Se existe um ser supremo, ele deve estar louco”.
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Provérbio turco: “Para o louco, todo dia é de celebração”.
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Provérbio francês: “Ricos e loucos fazem o que querem”.
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Che Guevara: “Ser jornalista e não ser louco é uma contradição genética”.
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Ray Bradbury: “A loucura é relativa. Depende de quem trancou quem em qual jaula”.
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John Dryden: “Há na loucura um prazer que só os loucos conhecem”.
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G. K. Chesterton: “Louco não é o homem que perdeu a razão. Louco é o homem que perdeu tudo, menos a razão”.
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Chesterston, de novo: “Os homens que realmente acreditam em si mesmos estão todos em asilos de loucos”.
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André Gide: “As coisas mais belas são ditadas pela loucura e escritas pela razão”.
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André Suares: “A loucura é o sonho de uma única pessoa. A razão é, sem dúvida, a loucura de todos”.
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Samuel Johnson: “O amor é a sabedoria dos loucos e a loucura dos sábios”.
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Carlo Dossi: “Os loucos abrem os caminhos que depois emprestam aos sensatos”.
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André Breton: “Passarei a minha vida a provocar as confidências dos loucos. São pessoas de uma honestidade escrupulosa e cuja inocência encontra um igual em mim”.
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Pavlov: “Se eu raciocinar logicamente, isso significa apenas que não sou louco, mas isso não prova de forma alguma que estou certo”.
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Shakespeare: “O louco, o amoroso e o poeta estão recheados de imaginação”.
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Shakespeare, de novo: “Enquanto houver um louco, um poeta e um amante, haverá sonho, amor e fantasia. E enquanto houver sonho, amor e fantasia, haverá esperança”.
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Shakespeare, mais uma vez: “Misture um pouco de loucura com a sua prudência: é bom ser bobo no momento certo”.
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Sêneca: “Se me apetece rir de um louco, não preciso ir procurar muito longe; rio de mim mesmo”.
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Marquês de Maricá: “Divertimo-nos com os doidos na hipótese de que não o somos”.
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Honoré de Balzac: “O louco e o escritor são homens que veem um abismo, e nele caem”.
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Michel Foucault: “De homem a homem verdadeiro, o caminho passa pelo homem louco”.
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Foucault, de novo: “A psicologia nunca poderá dizer a verdade sobre a loucura, pois é a loucura que detém a verdade da psicologia”.
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Luigi Pirandello: “Vocês sabem o que significa encontrar-se diante de um louco? Encontrar-se diante de alguém que sacode dos alicerces tudo o que vocês construíram dentro de si, em torno de si, a lógica, a lógica de todas as suas construções”.
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Henry F. Amiel: “O que é a loucura? É a ilusão elevada à segunda potência”.
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Cazuza: “Nós ouvimos rock e somos loucos, eles destroem o mundo e são normais”.
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Bob Marley: “Me chamam de louco porque fumo maconha e de gênio quem construiu a bomba atômica”.
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Raul Seixas: “Prefiro ser louco, em um mundo onde os normais constroem bombas”.
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Friedrich Nietzsche: “Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura”.
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Albert Einstein: “Tenho uma pergunta que às vezes me tortura: estou louco ou os loucos são os outros”.
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François La Rochefoucauld: “Quem vive sem loucura não é tão sábio quanto pensa”.
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Anatole France: “Preferi sempre a loucura das paixões à sabedoria da indiferença”.
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Eugène Ionesco: “Pensar contra a corrente de seu tempo é heroico; dizê-lo é uma loucura”.
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Robin Williams: “A cada um de nós, só é dada uma pequena dose de loucura. E você não deve perdê-la”.
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Arthur Conan Doyle: “Sempre há pessoas malucas. Seria bem chato um mundo sem elas”.
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Heinrich Heine: “A verdadeira loucura talvez não seja outra coisa que a sabedoria que, cansada de descobrir as vergonhas do mundo, tomou a inteligente resolução de tornar-se louca”.
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Jean Cocteau: “O limite extremo da sensatez é o que o público batiza de loucura”.
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Fernando Pessoa: “A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela, e ela ser pequena, é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser gênio”.
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Florbela Espanca: “Afinal, quem é que tem a pretensão de não ser louca?… Loucos somos todos, e livre-me Deus dos verdadeiros ajuizados, que esses são piores que o Diabo!”.
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Kurt Cobain: “As maiores loucuras são as mais sensatas alegrias, pois tudo o que fizermos hoje ficará na memória daqueles que um dia sonharão em ser como nós: loucos, porém felizes”.
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Salvador Dalí: “Só há uma diferença entre um louco e eu. O louco pensa que é sadio. Eu sei que sou louco”.
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Mark Twain: “Vamos considerar que estamos todos loucos, isso explicaria como somos e resolveria muitos mistérios”.
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Erasmo de Rotterdam: “A vida humana, como um todo, é apenas um jogo, o jogo da loucura”.
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Erasmo, de novo: “O homem sábio refugia-se nos livros dos Antigos e aprende abstrações frias; o louco, ao se aproximar das realidades e dos perigos, adquire, na minha opinião, o verdadeiro bom senso”.
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Erasmo, mais uma vez: “Cada momento da vida seria triste, fastidioso, insípido, aborrecido, se não houvesse prazer, se não fosse animado pelo tempero da loucura”.
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Edgar Allan Poe: “A ciência não nos ensinou ainda se a loucura é ou não o mais sublime da inteligência”.
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Molière: “É coisa admirável que todos os grandes homens tenham sempre alguma lufada, algum pouquinho de loucura mesclado com sua ciência”.
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Carl Gustav Jung: “No fundo, não descobrimos no doente mental nada de novo ou desconhecido: encontramos nele as bases de nossa própria natureza”.
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Voltaire: “Somos todos malucos. Quem não quer ver malucos, deve quebrar os espelhos”.
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Nise da Silveira: “Só os loucos e os artistas podem me compreender”.
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Heinrich Heine: “A verdadeira loucura talvez não seja mais do que a própria sabedoria que, cansada de descobrir as vergonhas do mundo, tomou a inteligente resolução de enlouquecer”.
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Horácio: “Mistura um pouco de loucura à tua sabedoria”.
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William Blake: “Se o louco persistisse em sua loucura, se tornaria sábio”.
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Calderón de la Barca: “O amor que não é loucura não é amor”.
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Marguerite Yourcenar: “O amor e a loucura são os motores que fazem a vida andar”.
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Woody Allen: “A loucura é relativa. Quem pode definir o que é verdadeiramente são ou insano?”
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Oscar Wilde: “Para recuperar a sua juventude, você só precisa repetir suas loucuras”.
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Plínio, o Velho: “Não há mortal que seja sensato o tempo todo”.
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Charles Bukowski: “Algumas pessoas não enlouquecem nunca. Que vida verdadeiramente horrível devem ter”.
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Italo Calvino: “A loucura é uma força da natureza para o bem ou para o mal, ao passo que a estupidez é uma debilidade da natureza sem contrapartidas”.
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Blaise Pascal: “Nós somos tão necessariamente loucos que seria estar louco, por uma outra espécie de loucura, não estar louco”.
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Georg Büchner: “Todos nós somos doidos, mas ninguém tem o direito de impor aos outros a sua loucura”.
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Marisa Orth: “Quem tem a loucura mais aparente é menos ameaçador do que que quem nunca enlouqueceu”.
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John Lennon: “A genialidade é um tipo de loucura”.
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John Kennedy: “Três coisa existem verdadeiramente: “Deus, a loucura e o risco. Os dois primeiros estão além da nossa compreensão, por isso devemos nos contentar com o terceiro”.
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Ambrose Bierce: “Todos são loucos, mas o que analisa sua loucura é chamado filósofo”.
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Christoph Wieland: “Prefiro uma loucura que me entusiasme a uma verdade que me abata”.
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Proust: “Para tornar a realidade suportável, todos tempos de cultivar em nós certas pequenas loucuras”.
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Cid Cercal: “Alguém já observou que há dementes em toda a parte — até nos hospitais de alienados…”
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Ditado popular: “De médico e louco cada um tem um pouco”.
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Santo Agostinho: “Uma vez por ano é lícito fazer loucuras”.
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Yung: “Mostre-me um indivíduo são e eu o curarei para você”.
Por fim, recomendo o primeiro livro de Machado de Assis que li e me impressionou tanto que acabei lendo tudo dele. Quem não leu “O Alienista”, leia.
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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em coautoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2021, Editora Limiar). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente.
A meu ver, crônica e trabalho de pesquisa realmente bem acabados, Mouzar. Só tenho dúvidas quanto a essa adjetivação de “bons” e “boas”. Precisava?
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A meu ver, crônica e pesquisa realmente bem acabados, Mouzar. Só tenho dúvidas quanto à adjetivação de “bons” loucos e “boas” loucuras. Precisava?
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