Se eu devo morrer
Nesta semana, em que se completou um ano do atual massacre em Gaza, capítulo mais recente de uma guerra centenária, assimétrica e colonial contra o povo palestino, publicamos o poeta Refaat Alareer, morto em um bombardeio israelense em dezembro de 2023.
Foto: hosny salah (Pixabay).
Nesta semana, em que se completou um ano do atual massacre em Gaza, capítulo mais recente de uma guerra centenária, assimétrica e colonial contra o povo palestino, publicamos o poeta Refaat Alareer, morto em um bombardeio israelense em dezembro de 2023. “Se eu devo morrer”, com tradução e nota de Flávio Wolf de Aguiar, foi publicado na Margem Esquerda #43, que conta com um especial sobre Gaza.
Por Refaat Alareer
Tradução e nota: Flávio Wolf de Aguiar
Refaat Alareer foi um escritor, poeta e professor palestino. Nascido em Gaza em 23 de setembro de 1979, estudou na Universidade de Gaza e no University College London, especializando-se em literatura inglesa. Tornou-se professor de literatura e de criação literária na Universidade Islâmica de Gaza. Foi um dos fundadores da organização We Are Not Numbers [Nós não somos números], que procurava inspirar a arte de contar histórias como uma forma de resistência contra a ocupação israelense.
Alareer tornou-se um crítico veemente da ocupação israelense, colaborando por diversas vezes na mídia estadunidense e inglesa. Recebia frementemente ameaças de morte pelo telefone. Morreu durante um bombardeio israelense no norte de Gaza, em 6 de dezembro de 2023. Há suspeitas de que foi alvejado intencionalmente, segundo depoimentos de testemunhas oculares e de também de familiares. No ataque morreram seu irmão, sua irmã e quatro de seus sobrinhos, que se encontravam no mesmo apartamento.
Casado, Alareer deixou esposa e seis filhos.
“Se eu devo morrer” foi o último poema que escreveu.
Se eu devo morrer, de Refaat Alareer
Se eu devo morrer
Tu deves viver
Para contar minha história
Para vender meus trastes
Para comprar um pedaço de pano
E também umas cordas
(Uma pano branco com uma cauda
que alongaste)
De modo que uma criança, em
algum lugar de Gaza,
Que tenha o céu no centro de seu
olhar,
Esperando pelo pai que se foi num
arder de fogaréu,
Sem se despedir de ninguém,
Sequer de seu corpo,
Sequer de si mesmo,
Que ele veja este teu pássaro
voador bem no alto,
Que pense por um momento que lá
voa um anjo,
Trazendo o amor de volta.
Se eu devo morrer,
Que tal fado traga esperança,
Que se transforme numa história.
***
Flávio Wolf de Aguiar é poeta, escritor, jornalista, professor aposentado de literatura brasileira da USP e correspondente em Berlim de várias mídias brasileiras, inclusive do Blog da Boitempo. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés e Anita, ganhador do Prêmio Jabuti de melhor romance em 2000.
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