“Pessoas decentes” e a Cuba em transe de Padura
Em uma Havana em transformação, passado e presente são entrelaçados em um intrigante romance policial. Na obra do aclamado autor cubano, a investigação de um assassinato provoca reflexões acerca das cicatrizes deixadas pela história.
Foto: Yumi Kajiki.
Por Raíssa Araújo Pacheco
Cuba, março de 2016, o casal Obama acaba de aterrissar em Havana, na presença de Raúl Castro. É a primeira vez, em 88 anos, que o presidente dos Estados Unidos faz uma viagem oficial à ilha.
Para adensar a sequência de eventos históricos, o show dos Rolling Stones no mesmo ano também fez a população cubana vibrar.
Esse é o pano de fundo de Pessoas decentes, romance policial do aclamado escritor cubano Leonardo Padura, lançado no Brasil pela Boitempo.
A obra se destaca com um enredo que entrelaça passado e presente, revelando a complexidade da vida cubana, além de explorar questões profundas de poder, corrupção e as cicatrizes deixadas pela história.
A trama se junta a série de livros do detetive Mario Conde, agora com 62 anos, como revela o autor em entrevista ao Outras Palavras: “com esse processo temporal, [Conde] tornou-se mais cético, mais irônico, mais desencantado, mais pessimista. Mas tudo isso estava se gestando desde que o esbocei pela primeira vez. A grande mudança foi deixar de ser policial, mas agora continua fazendo investigações policiais e sempre, antes e agora, dando um diagnóstico da realidade cubana.”
Há duas narrativas acontecendo ao mesmo tempo. A principal gira em torno do assassinato de Reynaldo Quevedo, um político de destaque e símbolo de uma era marcada por abusos de poder.
Com a cidade agitada pela visita do presidente americano, o detetive aposentado Mario Conde é convocado a investigar o crime. À medida que se aprofunda na trama, Conde desvenda uma teia de segredos que expõe as contradições da sociedade cubana, refletindo a luta contínua por dignidade e justiça.
Paralelamente, o detetive pesquisa e escreve sobre a vida de Alberto Yarini, um cafetão emblemático da época da Havana de 1910. No entanto, na estrutura do livro, esse passado e o presente de Conde é intercalado entre capítulos, conduzindo o leitor em uma espécie de viagem no tempo.
O que aprofunda e interliga ambas as narrativas é o fato de que a história de Yarini não é apenas um retrato do passado, mas um espelho que reflete os dilemas e desafios enfrentados pela Cuba contemporânea.
Através dessa dualidade temporal, Padura habilmente mostra como os problemas sociais se perpetuam, tecendo um laço entre a história e a realidade atual.
Pessoas decentes é uma narrativa empolgante e profunda, com personagens complexos e ricos. Nela, Padura se consolida como uma voz essencial da literatura latino-americana, trazendo à tona questões que reverberam na vida dos cubanos.
O livro é um convite a mergulhar em um universo vibrante, no qual a investigação de um crime se torna um meio de explorar a essência de uma sociedade em constante transformação.
Publicado originalmente no site Outras Palavras.
Em Pessoas decentes, o detetive Mario Conde está de volta, e 2016 em Cuba é o pano de fundo para o novo romance do premiado escritor Leonardo Padura. A visita histórica de Barack Obama, um show da banda Rolling Stones e um desfile da marca francesa Chanel foram alguns dos acontecimentos daquele ano, transportados para a literatura pelas mãos do consagrado autor de O homem que amava os cachorros.
Pessoas decentes, de Leonardo Padura tem tradução de Monica Stahel, texto de orelha de Xico Sá, capa de Ronaldo Alves e apoio do Ministerio de Cultura y Deporte da Espanha.
***
Raíssa Araújo Pacheco é redatora do Outros Quinhentos. Formada em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Assessorou movimentos sociais e entidades envolvidas na pauta de moradia e direito à cidade.
Deixe um comentário