Guilherme Boulos precisa ir para o segundo turno
Boulos tem que estar no segundo turno para trazer a esquerda de volta para o jogo político de forma ativa, não recuada e nem por ameaça. Boulos tem que ir para o segundo turno para mostrar que São Paulo pode ser a ponta de lança de uma nova configuração da esquerda no Brasil. Boulos tem que ir para o segundo turno porque a cidade de São Paulo, maior megalópole latino-americana, precisa ser reconstruída a partir de uma direção democrática, inclusiva e popular.
Foto: Reprodução Bluesky @guilhermeboulos.bsky.social.
Por Daniela Costanzo
As eleições municipais têm como tradição trazer más notícias para os que lutam e torcem por um país justo e democrático, visto que a maior parte das cidades brasileiras elege como prefeito políticos tradicionais do Centrão. Nestas eleições de 2024, o Centrão ganhou um reforço e tanto vindo da extrema direita. É a primeira eleição municipal em que o bolsonarismo está unificado em um projeto com um partido político grande e espraiado, o qual lançou candidatos próprios ou vices em quase todas as grandes cidades. O PL, partido de Bolsonaro, lidera as pesquisas de intenção de voto nas cidades com mais de 200 mil eleitores.
É certo que nem em todas as cidades a aliança com o PL foi bem aceita pela base. O caso notável é São Paulo, em que o bolsonarismo realmente existente habita dois corpos, o do atual prefeito Ricardo Nunes, que teve que engolir o vice bolsonarista Mello Araújo, e o de Pablo Marçal, coach e influencer, candidato pelo PRTB, que alcançou um status inesperado na disputa. Ao longo da campanha, Bolsonaro chegou a flertar com Marçal, mas o ato de 7 de setembro esfriou a aproximação, após Marçal acusar Bolsonaro de não o deixar subir no carro de som e estender uma grande bandeira que acusava seu precursor de ter “parado” o que ele agora vai “continuar”. Contou para esse afastamento também o fato de Nunes ter se consolidado nas pesquisas de intenção de voto.
Evitar um segundo turno com dois bolsonaristas seria um bom motivo para levar Guilherme Boulos (PSOL) ao pleito. Mas o voto por ameaça na esquerda ou nas frentes amplas tem sido uma constante desde que a extrema direita passou a ter mais relevância no Brasil e não parece que funciona bem para disputar os destinos do país. Funciona menos ainda se considerarmos o quadro que é Guilherme Boulos e a tradição de boas prefeituras de esquerda que tem São Paulo.
Boulos tem proposta, ethos e tradição de esquerda
Boulos é uma liderança do MTST, quadro da esquerda brasileira em ascensão, que teve um excelente desempenho nas eleições de 2020 e foi o deputado federal mais bem votado no estado de São Paulo em 2022. Junto do MTST, além das lutas cotidianas por moradia, ajudou a coordenar a Ocupação Copa do Povo na época da Copa do Mundo no Brasil e participou do Minha Casa Minha Vida Entidades. Sustenta um ethos legítimo de pessoa de lutas e tem um pathos notável no embate político, não tem medo de mostrar quem é e de denunciar as barbaridades da direita e da extrema direita. Tem como boas características escutar e dialogar.
Sua campanha e seu programa de governo são propositivos. No tema da moradia, por exemplo, Boulos quer reduzir o déficit habitacional qualitativo e quantitativo, propondo aluguel social e o Programa Periferia Viva, de urbanização integrada das favelas da cidade. Antes de construir o programa com a sociedade civil, Boulos fez reuniões com prefeitos de grandes cidades do mundo, como Paris e Pequim, para entender como estas cidades lidaram com problemas de habitação e urbanismo.
Participam do programa de Boulos ainda as notáveis prefeituras de esquerda de São Paulo: Luiza Erundina (1989-1992), Marta Suplicy (2001-2004) e Fernando Haddad (2013-2016). Políticas marcantes destes prefeitos voltaram repaginadas no programa do candidato do PSOL, como os CEUs, os corredores de ônibus, a tarifa zero, a educação infantil de qualidade e a alfabetização. Boulos faz parte, portanto, de uma tradição de governos de esquerda que transformaram a maior cidade do Brasil com políticas populares e inovadoras.
A conjuntura pede uma prefeitura de esquerda
A conjuntura urbana é mais um motivo para Boulos ir ao segundo turno. O próximo prefeito de São Paulo pegará a prefeitura mais rica da história, um legado principalmente da prefeitura de Fernando Haddad, que renegociou a dívida municipal. Claro que Ricardo Nunes já se aproveitou deste fato, não só argumentando que quem deixou a prefeitura rica foi ele, após negociar o Campo de Marte com Bolsonaro, mas também usando o dinheiro para recapear as ruas da cidade, como uma estratégia para conseguir votos, usando tanto dinheiro para fazer algo de relevância relativamente baixa perto dos problemas estruturais da cidade.
Os assuntos urgentes de moradia, mobilidade urbana, urgências climáticas e saúde foram deixados de lado ou tiveram soluções provisórias muito aquém do necessário. O ônibus elétrico não veio, as mortes no trânsito aumentaram, o tempo de deslocamento subiu, a cidade esquentou e pegou fogo, o voucher de moradia não paga o aluguel, centenas foram desalojados para a suposta construção de moradia popular, o aborto legal foi inviabilizado nos hospitais da capital e o maior orçamento da história está sendo gasto somente para reasfaltar ruas.
Guilherme Boulos sabe e anda com quem sabe o que fazer com esse dinheiro, como redistribuí-lo com políticas importantes para a cidade e para trazer de volta uma esquerda propositiva, que conquista adeptos não para evitar a extrema direita, mas para lutar por um mundo mais justo. São Paulo já mostrou que pode ser a ponta de lança de governos de esquerda, mesmo em um cenário tão desfavorável como o dessas eleições.
Se for para evitar algo, que seja a matança
Se ainda temos algo a se evitar, certamente é o consórcio macabro formado por Tarcísio-Nunes-Bolsonaro. A vitória de Nunes significaria a vitória da aliança costurada sobretudo por Tarcísio visando as eleições de 2026. Na prática, tal consórcio passa sobretudo pelas forças de (in)segurança.
A Polícia Militar de São Paulo, que já matava mais que a média, conseguiu aumentar a matança em 71% no segundo ano de governo Tarcísio. O escolhido do consórcio para ser o vice-candidato a prefeito de Nunes também é conhecido por colecionar mortes: Mello Araújo era coronel da ROTA e liderava um grupo mortífero, além de promover a militarização da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP), quando era presidente do órgão.
Mello Araújo é amigo próximo de Bolsonaro, era um dos poucos que o visitava quando o ex-presidente perdeu as eleições de 2022 e ficou recluso. Foi Mello Araújo que chegou a falar que o policial deveria tratar diferente um morador dos Jardins e um morador da periferia de São Paulo.
Evitar que um sujeito como este chegue à prefeitura de São Paulo é fundamental não só para o futuro da esquerda, mas para evitar também mais mortes na capital.
Uma vez no segundo turno, Boulos pode trazer a esquerda de volta pro jogo
Por ser esse quadro que junta um ethos e um pathos combativo, Boulos tem que estar no segundo turno para trazer a esquerda de volta para o jogo político de forma ativa, não recuada e nem por ameaça. Boulos tem que ir para o segundo turno para mostrar que São Paulo pode ser a ponta de lança de uma nova configuração da esquerda no Brasil. Boulos tem que ir para o segundo turno porque a cidade de São Paulo, maior megalópole latino-americana, precisa ser reconstruída a partir de uma direção democrática, inclusiva e popular. Domingo é 50 confirma!
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Daniela Costanzo é doutora em Ciência Política (USP) e pós-doutoranda no Cebrap e na Sciences Po.
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