A degradação ilimitada do trabalho na era digital
Utilizando-se de arsenal tecnológico do século XXI, o trabalho encontra similitude e equivalência em modalidades típicas do século XIX, tudo sob a abjeta aparência da modernidade. É exatamente esse o objeto que "As novas infraestruturas produtivas" ajuda a descortinar. Para que se possa melhor confrontá-lo.
Por Ricardo Antunes
O livro As novas infraestruturas produtivas aborda o coração do trabalho no século XXI: as novas formas de extração do trabalho humano destituído de direitos laborais adotadas pelas empresas de plataformas digitais. Essas novas infraestruturas produtivas criaram uma situação inédita no capitalismo, na qual os trabalhadores colocam gratuitamente à disposição das empresas seu carro, seu celular, seu computador pessoal, seu pacote de dados, assumindo, assim, na íntegra, os custos e os riscos do trabalho, além do próprio financiamento de parte da atividade econômica.
Além das reflexões teórico-metodológicas sobre o “capitalismo de plataforma”, os autores analisam os impactos que a inteligência artificial e a Indústria 4.0 produzem sobre o trabalho, evidenciando a nova divisão internacional do trabalho e as assimetrias no Norte e no Sul globais, matizadas pela racialização, pela migração e pela falácia da autonomia – questões que exigem dos estudiosos da área um mergulho nas ambiguidades, nos paradoxos e nas contradições que caracterizam esses fenômenos.
De um lado, temos a explosão da inteligência artificial, cujo leitmotiv, quando calibrado pelo capital, não é outro senão o de reduzir o trabalho humano, em todos os espaços possíveis. Moldada pela Indústria 4.0, sob comando do capital financeiro, a expulsão crescente de força de trabalho é a máxima que faz com que os CEOs do mundo só pensem naquilo: liofilizar e enxugar, para mais acumular.
No outro polo, temos mais um ideal contemporâneo do capital: plataformizar. De entregadores e entregadoras e motoristas a advogados e advogadas; de médicos e médicas a trabalhadores e trabalhadoras do care e domésticos e domésticas; de professores e professoras a jornalistas, roteiristas e artistas, não sobrando quase nenhuma atividade nos serviços que não possa ser uberizada. Por uma causalidade singela: para mais monetizar, a incorporação dessa imensa força sobrante de trabalho não significa “empregá-la”, mas “empreendê-la”. E, ao assim proceder, normaliza-se ainda mais o novo vilipêndio: a degradação ilimitada do trabalho na era digital.
Utilizando-se de arsenal tecnológico do século XXI, o trabalho encontra similitude e equivalência em modalidades típicas do século XIX, tudo sob a abjeta aparência da modernidade. É exatamente esse o objeto que As novas infraestruturas produtivas ajuda a descortinar. Para que se possa melhor confrontá-lo.
Resultado de pesquisas sobre as transformações do trabalho no Brasil e no mundo, As novas infraestruturas produtivas, obra organizada pelos pesquisadores Ricardo Festi e Jörg Nowak, conta com catorze textos de 27 autores e aborda temas como o papel das plataformas digitais no trabalho contemporâneo, automação, inteligência artificial, as novas formas de organização dos trabalhadores, educação, neoliberalismo, terceirização e comércio eletrônico.
Os autores trazem para a obra um diagnóstico preciso, ainda que parcial, das atuais tendências do capital em relação ao trabalho, resultado de investigações que obedecem diferentes metodologias. E mais, discutem de maneira original a formação de uma nova classe trabalhadora e as novas formas de organização coletiva.
Com artigos de Antonio A. Casilli, António Brandão Moniz, Antonio Marcos Pantoja dos Santos, Florian Butollo, Jamie Woodcock, João Pedro Inácio Peleja, Jörg Nowak, Karina Pinhão, Katiuscia Moreno Galhera, Kelem Ghellere Rosso, Kethury Magalhães dos Santos, Laura Valle Gontijo, Lea Schneidemesser, Marco Santana, Marta Candeias, Mateus Mendonça, Matheus Paiva, Matheus Viana Braz, Neusa Maria Dal Ri, Paola Tubaro, Rafael Grohmann, Ricardo Colturato Festi, Ricardo Framil Filho, Sarrah Kassem, Simon Scheffler, Sophie Bernard e Tábata Berg.
Até o dia 5/10, na compra de um dos lançamentos da coleção Mundo do trabalho (As novas infraestruturas produtivas e Petrobras e petroleiros na ditadura: trabalho, repressão e resistência) ganhe o livro Trabalho em plataformas: regulamentação ou desregulamentação.
Confira os lançamentos de As novas infraestruturas produtivas pelo Brasil:
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Ricardo Antunes é professor titular de sociologia do trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador da coleção Mundo do Trabalho, da Boitempo. Organizou os livros Riqueza e miséria do trabalho no Brasil I, II, III e IV, Infoproletários: a degradação real do trabalho virtual, Uberização, trabalho digital e indústria 4.0 e Icebergs à deriva: o trabalho nas plataformas digitais, todos publicados pela Boitempo. É autor, entre outros, de Os sentidos do trabalho (também publicado nos EUA, Inglaterra/Holanda, Itália, Portugal, Índia e Argentina), O caracol e sua concha, O continente do labor, O privilégio da servidão e Capitalismo pandêmico.
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