160 anos da Primeira Internacional
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Reunião da fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores em 28 de Setembro de 1864 (Domínio Público).
Em 28 de setembro de 1864, ocorreu a fundação do mais importante empreendimento internacional do trabalho: nascia em Londres a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), à qual Marx e um magistral conjunto de militantes e intelectuais comunistas, socialistas e anarquistas, dentre tantas variantes que compreendiam o ideário e a prática anticapitalista, dedicaram parte importante de suas vidas. A Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) se tornou símbolo da luta de classes e influenciou as ideias de milhões de trabalhadores ao redor do planeta. Confira abaixo a “Mensagem inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores”, proferida por Marx e aproveite a seleção de livros com até 30% de desconto e brindes exclusivos (livreto, pôster e adesivo)!
Mensagem inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores
Por Karl Marx
Trabalhadores:
É um fato notável que a miséria das massas trabalhadoras não tenha diminuído de 1848 a 1864, não obstante ter sido este um período sem igual para o desenvolvimento da indústria e o crescimento do comércio. Em 1850, um órgão moderado da classe média britânica, de informação superior à média, previa que as exportações e importações do país aumentariam 50% e que a miséria inglesa cairia a zero. Pois vejam! Em 7 de abril de 1864, o ministro das Finanças britânico [Chancellor of the Exchequer] deleitava sua audiência parlamentar com a declaração de que em 1863 a importação e exportação total da Inglaterra havia aumentado “a 443.955.000 libras esterlinas! Uma soma impressionante, cerca do triplo do comércio do ano relativamente recente de 1843!” Mas, apesar de tudo isso, o tema predominante em seu discurso foi a “pobreza”.
“Pensai”, exclamou, “nos que se encontram à margem dessa região”, nos “salários… que não aumentaram”; na “vida humana… que em 90% dos casos se resume a uma luta pela existência!” […]
Quando, em consequência da Guerra Civil Americana, os operários de Lancashire e Cheshire foram postos na rua, a […] Câmara dos Lordes enviou aos distritos fabris um médico encarregado de investigar qual a quantidade mínima de carbono e nitrogênio que deveria ser adicionada à dieta dos trabalhadores, da maneira mais econômica e simples, de modo a “evitar doenças de desnutrição”. O dr. Smith, o médico encarregado, assegurou que 28 mil moléculas de carbono e 1.330 moléculas de nitrogênio eram a quantidade semanal necessária para manter um adulto médio… bem pouco acima do nível de doenças de desnutrição; além disso, concluiu que essa quantidade era muito próxima à escassa nutrição a que os operários algodoeiros haviam sido reduzidos sob condições extremamente aflitivas.1 Mas ora vejam! Mais tarde, o mesmo estudado doutor recebeu do Privy Council a incumbência de investigar a nutrição das classes trabalhadoras mais pobres. Os resultados de sua investigação estão reunidos no Sixth Report on Public Health [Sexto Relatório sobre Saúde Pública], publicado por ordem do Parlamento no curso deste ano. O que o doutor descobriu? Que os tecelões de seda, as costureiras, os luveiros, os tecelões de meias etc. sequer recebiam, em média, a ração miserável dos operários algodoeiros, nem mesmo a quantidade de carbono e nitrogênio “apenas suficiente para prevenir as doenças de desnutrição”. […]
“Não podemos esquecer”, acrescenta o relatório oficial, “que a privação de alimento é suportada apenas com muita relutância, e que, em geral, uma dieta muito pobre só advém quando outras privações a precederam… Nessa situação, até mesmo a higiene será considerada cara ou difícil, e se a pessoa, movida por respeito próprio, fizer algum esforço para mantê-la, todo esforço desse tipo representará um aumento na privação de alimento. Essas são reflexões dolorosas, especialmente quando lembramos que a pobreza a que se referem não é a pobreza merecida da ociosidade, mas sim, em todos os casos, a pobreza de populações trabalhadoras. De fato, o trabalho recompensado por uma escassa ração de alimento é, em sua maior parte, excessivamente prolongado”. […]
Tais são as declarações oficiais publicadas por ordem do Parlamento em 1864, durante o milênio do livre-comércio, num tempo em que o ministro das Finanças havia dito à Câmara dos Comuns que: “a condição média do trabalhador britânico tem melhorado num grau que sabemos ser extraordinário e inédito na história de qualquer país ou época”.
A essas congratulações oficiais responde a seca observação do Public Health Report: “A saúde pública de um país significa a saúde de suas massas, e as massas dificilmente serão saudáveis enquanto não forem ao menos moderadamente prósperas”.
Deslumbrados com as estatísticas do “progresso da nação” a dançar diante de seus olhos, o ministro das Finanças exclama, em êxtase selvagem: “De 1842 a 1852, a receita tributável do país cresceu 6%; nos oito anos, de 1853 a 1861, ela cresceu 20% em relação à base tomada em 1853! O fato é tão impressionante que chega a ser quase inacreditável! Esse aumento inebriante de riqueza e poder”, acrescenta o sr. Gladstone, “está inteiramente confinado às classes proprietárias”.
Se vocês quiserem saber sob quais condições de saúde precária, corrupção moral e ruína mental esse “aumento inebriante de riqueza e poder… inteiramente confinado às classes proprietárias” era e continua a ser produzido pelas classes trabalhadoras, vejam as descrições que o último Public Health Report apresenta das oficinas de alfaiates, impressores e costureiras! […] Abram o censo de 1861, e vejam que o número de proprietários de terra masculinos na Inglaterra e no País de Gales diminuiu de 16.934 em 1851 para 15.066 em 1861, de tal modo que a concentração das terras aumentou 11% em 10 anos. Se a concentração do solo do país em poucas mãos prosseguir na mesma taxa atual, a questão agrária ficará singularmente simplificada, como ocorreu no Império Romano, quando Nero sorriu com a descoberta de que metade da Província da África era possuída por seis senhores.
Se aqui nos demoramos tanto nesses fatos “tão impressionantes que chegam a ser quase inacreditáveis!” é porque a Inglaterra lidera a Europa do comércio e da indústria. Lembremo-nos de que há alguns meses atrás um dos filhos refugiados de Luís Filipe felicitou publicamente o trabalhador agrícola inglês pela superioridade de sua sorte em comparação com seu colega menos viçoso do outro lado do Canal. Na verdade, alterando-se as cores locais – e numa escala um pouco reduzida – os fatos ingleses se reproduzem em todos os países industriosos e progressivos do continente europeu. Em todos eles ocorreu, desde 1848, um desenvolvimento inédito da indústria e uma expansão extraordinária das importações e exportações. Em todos eles, tal como na Inglaterra, uma parcela mínima das classes trabalhadoras obteve algum aumento real em seus salários líquidos, embora na maior parte dos casos o aumento monetário dos salários não tenha significado qualquer incremento real no bem-estar material, assim como o ocupante dos asilos ou orfanatos metropolitanos, por exemplo, não foi de modo algum beneficiado ao pagar por seus bens de primeira necessidade 9 libras, 15 xelins e 8 pence em 1861, em vez de 7 libras, 7 xelins e 4 pence em 1852. Por toda a parte, a grande massa das classes trabalhadoras teve seu nível rebaixado, no mínimo na mesma taxa em que as classes acima delas subiram na escala social. Em todos os países da Europa, tornou-se agora uma verdade – demonstrável a qualquer mente sem preconceitos e só desacreditada por aqueles cujo interesse é manter os outros confinados num paraíso dos tolos – que nenhum aperfeiçoamento da maquinaria, nenhuma aplicação da ciência à produção, nenhum avanço da comunicação, nem novas colônias, emigração, abertura de mercados, livre-comércio, nem todas essas coisas juntas acabarão com as misérias das massas industriais; mas que, com base na presente base falsa, todo novo desenvolvimento das forças produtivas do trabalho tende necessariamente a aprofundar os contrastes sociais e a aguçar os antagonismos. Durante essa época inebriante de progresso econômico, na metrópole do Império Britânico a morte por inanição cresceu quase ao ponto de tornar-se uma instituição. Tal época está marcada nos anais do mundo pelo retorno acelerado, a amplitude crescente e os efeitos cada vez mais mortais dessa peste social chamada crise comercial e industrial.
Após o fracasso das Revoluções de 1848, todas as organizações e os jornais partidários das classes trabalhadoras no continente europeu foram esmagados pela mão de ferro da força, os filhos mais avançados do trabalho fugiram em desespero para a república transatlântica, e os sonhos efêmeros de emancipação desvaneceram-se diante de uma época de febre industrial, marasmo moral e reação política. […] As descobertas de novas terras dotadas de reservas de ouro levaram a um êxodo imenso, deixando um vazio irreparável nas fileiras do proletariado britânico. Outros de seus membros, anteriormente ativos, foram fisgados pelo suborno temporário de trabalho e salário melhores, convertendo-se em “fura-greves políticos” [political blacks]. Todos os esforços feitos para conservar ou remodelar o movimento cartista fracassaram fragorosamente; os órgãos de imprensa das classes trabalhadoras morreram um após o outro em decorrência da apatia das massas, e, de fato, nunca antes a classe trabalhadora inglesa pareceu tão absolutamente reduzida a um estado de nulidade política. Se, pois, não houve qualquer solidariedade de ação entre as classes trabalhadoras britânicas e continentais, houve, em todo o caso, uma solidariedade de derrota.
E, no entanto, as Revoluções de 1848 não deixaram de apresentar seus aspectos compensadores. Destacaremos aqui apenas dois fatores importantes. Após uma luta de trinta anos, travada com a mais admirável perseverança, as classes trabalhadoras inglesas, aproveitando-se de uma cisão momentânea entre os senhores da terra e os senhores do dinheiro, conseguiram aprovar a Lei das Dez Horas. Os imensos benefícios físicos, morais e intelectuais que isso trouxe aos operários fabris – benefícios registrados nos relatórios semestrais dos inspetores de fábricas – são agora do conhecimento de todos. A maioria dos governos continentais teve de aceitar a Lei Fabril [Factory Act] inglesa em formas mais ou menos modificadas, e a cada ano o próprio Parlamento inglês é forçado a alargar sua esfera de ação. Mas, além de sua importância prática, havia outra razão para exaltar o esplêndido sucesso dessa medida favorável aos trabalhadores. Por meio de seus mais notórios órgãos de ciência, tais como o dr. Ure, o professor Senior e outros sábios da mesma estirpe, a classe média havia predito – e, para seu regozijo, provado – que qualquer restrição das horas de trabalho significaria necessariamente a morte da indústria britânica, que, como um vampiro, não pode viver senão a sugar o sangue humano, e também o de crianças. Antigamente, o assassinato de crianças era um misterioso rito da religião de Moloch, mas só era praticado em algumas ocasiões muito solenes, talvez uma vez ao ano, e, ainda assim, Moloch não tinha qualquer preferência exclusiva pelos filhos dos pobres. Essa luta pela restrição legal das horas de trabalho tornou-se mais feroz na medida em que, além de uma amedrontada avareza, ela revelava, na verdade, a grande luta entre o domínio cego das leis da oferta e da demanda – que formam a economia política da classe média – e a produção social controlada por previsão social [social foresight] – que forma a economia política da classe trabalhadora. Assim, a Lei das Dez Horas foi não só um grande sucesso prático, mas a vitória de um princípio; foi a primeira vez em que, em plena luz do dia, a economia política da classe média sucumbiu à economia política da classe trabalhadora.
Porém, estava por vir uma vitória ainda maior da economia política do trabalho sobre a economia política da propriedade. Referimo-nos ao movimento cooperativista, especialmente às fábricas cooperativas erguidas pelos esforços solitários de umas poucas “mãos” audazes. O valor desses grandes experimentos sociais não pode ser desprezado. Mostraram com atos, em vez de argumentos, que a produção em grande escala e em conformidade com as exigências da ciência moderna pode ser realizada sem a existência de uma classe de patrões a empregar uma classe de mão de obra; que, para dar frutos, os meios de trabalho não precisam ser monopolizados como um meio de dominação e de espoliação do operário; e que, tal como o trabalho escravo ou o trabalho servil, o trabalho contratado não é senão uma forma transitória e inferior, destinada a desaparecer diante do trabalho associado, que executa sua tarefa com uma mão laboriosa, uma mente disposta e um coração alegre. Na Inglaterra, os germes do sistema cooperativo foram semeados por Robert Owen; os experimentos operários ensaiados no continente europeu foram, na verdade, os resultados práticos das teorias, não inventadas, mas proclamadas em alta voz, em 1848.
Ao mesmo tempo, a experiência do período de 1848 a 1864 demonstrou, acima de qualquer dúvida, que, por mais excelente em princípio e útil na prática, o trabalho cooperativo, se mantido nos limites estreitos dos esforços casuais dos operários privados, jamais conseguirá deter o crescimento em progressão geométrica do monopólio, tampouco aliviar minimamente o fardo de suas misérias. É talvez por essa razão que nobres bem-falantes, tagarelas filantrópicos de classe média e mesmo perspicazes economistas políticos passaram de repente, e de maneira repugnantemente elogiosa, a valorizar o mesmo sistema de trabalho cooperativo que, em vão, haviam tentado descartar, desprezando-o como uma utopia de sonhadores ou estigmatizando-o como um sacrilégio de socialistas. Para salvar as massas industriais, o trabalho cooperativo deveria ser desenvolvido em dimensões nacionais e, consequentemente, ser promovido por meios nacionais. No entanto, os senhores da terra e os senhores do capital sempre usarão seus privilégios políticos para a defesa e a perpetuação de seus monopólios econômicos. Em vez de promover, eles continuarão a colocar todo tipo de impedimentos no caminho da emancipação do trabalho. Lembremo-nos do sarcasmo com que, na última sessão, lorde Palmerston golpeou os apologistas da Lei dos Direitos dos Rendeiros Irlandeses [Irish Tenants’ Right Bill]. A Câmara dos Comuns, exclamou ele, é uma câmara dos proprietários fundiários.
Conquistar o poder político tornou-se, portanto, o grande dever das classes trabalhadoras. Elas parecem ter compreendido isso, pois na Inglaterra, na Alemanha, na Itália e na França ocorreram simultâneos restabelecimentos, e esforços concomitantes estão sendo atualmente realizados para a organização política do partido operário.
Um elemento de sucesso elas possuem: o número de seus membros. Mas essa quantidade só pesa na balança se esses membros são unidos por uma articulação comum e guiados pelo conhecimento. A experiência passada mostrou como a desconsideração desse elo de fraternidade, que deve existir entre os trabalhadores de diferentes países para que estes se mantenham firmes, apoiando-se mutuamente em todas as suas lutas emancipatórias, será castigada com a derrota de seus esforços desconexos. Foi com esse pensamento que trabalhadores de diferentes países, reunidos em 28 de setembro de 1864 numa reunião pública no St. Martins’s Hall, resolveram fundar a Associação Internacional dos Trabalhadores.
Outra convicção motivou aquela reunião.
Se a emancipação das classes trabalhadoras requer sua confluência fraternal, como eles poderão cumprir essa grande missão com uma política externa pautada por desígnios criminosos, exercida com base em preconceitos nacionais e que desperdiça o sangue e as riquezas do povo em guerras de pirataria? Não foi a sabedoria das classes dominantes, mas sim a resistência heroica que as classes trabalhadoras da Inglaterra impuseram à sua loucura criminosa o que salvou o oeste da Europa de mergulhar numa infame cruzada pela perpetuação e propagação da escravatura do outro lado do Atlântico. A insolente aprovação, fingida simpatia ou idiótica indiferença com que as classes altas da Europa testemunharam a fortaleza montanhosa do Cáucaso tornando-se presa da Rússia, que também assassinou a heroica Polônia; as imensas invasões, sem resistência, promovidas por esse poder bárbaro, cuja cabeça está em São Petersburgo e cujas mãos encontram-se em cada governo da Europa, ensinaram às classes trabalhadoras o dever de dominarem elas mesmas os mistérios da política internacional, de vigiarem as ações diplomáticas de seus respectivos governos, de confrontá-los, se necessário, por todos os meios a seu dispor; não podendo preveni-los de articularem denúncias simultâneas e reivindicarem que as mesmas leis simples da moral e da justiça, que deveriam governar as relações entre indivíduos privados, valham como as regras supremas do intercurso das nações.
A luta por tal política externa faz parte da luta geral pela emancipação das classes trabalhadoras.
Proletários de todos os países, uni-vos!
Nota
1 Nem é preciso lembrar o leitor que, além dos elementos da água e certas substâncias inorgânicas, o carbono e o nitrogênio formam as matérias-primas da alimentação humana. No entanto, para nutrir o sistema humano, esses simples elementos químicos precisam ser fornecidos na forma de substâncias vegetais ou animais. Batatas, por exemplo, contêm principalmente carbono, ao passo que o pão de trigo contém carbono e nitrogênio numa dada proporção. [Nota de Karl Marx]
Trabalhadores, uni-vos!, de Marcello Musto (org.)
Uma antologia inestimável da AIT, reproduzindo um rico debate sobre o futuro da sociedade, questões internacionais e a forma da luta sindical. Com textos inéditos, cuidadosamente selecionados e traduzidos, este volume configura um arquivo de valor inestimável para a história e a teoria do movimento dos trabalhadores, bem como para a crítica do capitalismo. O livro conta ainda com uma extensa Introdução crítica de Marcello Musto, apresentando e contextualizando as diferentes vertentes e resoluções em jogo.
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