De quem é realmente a culpa da crise climática?

O crescimento econômico através da modernização havia prometido uma vida próspera. Entretanto, o que está para ser revelado pela crise ambiental no Antropoceno é, ironicamente, o fato de que o crescimento econômico vem arruinando as bases da prosperidade humana.

Foto:Chris LeBoutillier (Unsplash)

Por Kohei Saito

O que você está fazendo para combater o aquecimento global? Comprou uma ecobag para reduzir o uso de sacolas de mercado? Anda com sua garrafinha de água para reduzir o consumo de embalagens? Trocou o carro a gasolina por um elétrico?

Falando sério: só essa boa vontade não tem sentido. Mais ainda, essa boa vontade chega a ser danosa.

Por qual motivo? Porque, ao pensar que está fazendo algo para combater o aquecimento global, você deixa de realizar as ações mais ousadas que são realmente necessárias. É um comportamento consumidor que funciona como uma desculpa e nos permite escapar do remorso e desviar os olhos do perigo real, sendo facilmente engolido pela greenwashing (lavagem verde) do capitalismo sob o disfarce de preocupação ambiental.

Serão os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), estabelecidos pelas Nações Unidas e promovidos por governos e grandes corporações, capazes de mudar o ambiente global? Não, isso também não funcionará. Mesmo que os governos sigam as diretrizes dos ODS, as mudanças climáticas não irão parar. Os ODS são como álibis, e seu único efeito é o de desviar a atenção do perigo iminente.

Certa vez, Marx criticou a religião como o “ópio do povo”, devido ao alívio que proporciona ao sofrimento causado pela dura realidade do capitalismo. Os ODS são, genuinamente, a versão moderna do “ópio do povo”.

Em vez de fugir para o ópio, temos que enfrentar a realidade de que nós, humanos, alteramos a existência do planeta de uma forma que não tem volta.

O impacto da atividade econômica humana no planeta é tão grande que o ganhador do Prêmio Nobel de Química Paul Josef Crutzen disse que, do ponto de vista geológico, a Terra entrou em uma nova era que ele nomeou de Antropoceno, em referência à era em que os vestígios de atividade humana cobriram a superfície da Terra.

De fato, a Terra está coberta por edifícios, fábricas, estradas, campos agrícolas, barragens, entre outros; e nos oceanos há uma grande quantidade de microplásticos flutuando. Objetos feitos pela humanidade estão mudando de forma drástica o planeta. Dentre os fatores que se somam, o dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera, que aumenta drasticamente por ação humana.

Como se sabe, o CO₂ é um dos gases de efeito estufa. Esses gases absorvem o calor irradiado da superfície terrestre e aquecem a atmosfera. Graças a esse efeito, a Terra se mantém em uma temperatura adequada para que os humanos e outros seres vivos consigam sobreviver.

No entanto, desde a Revolução Industrial, os humanos passaram a utilizar grandes quantidades de carvão e combustíveis fósseis, como o petróleo, e a emitir enormes quantidades de CO₂. A concentração desse gás na atmosfera antes da Revolução Industrial era de 280 ppm, e, em 2016, ultrapassou os 400 ppm na Antártida pela primeira vez em 4 milhões de anos. Esse número segue subindo.

Durante a era do Plioceno, há 4 milhões de anos, as temperaturas eram 2ºC a 3ºC mais elevadas do que hoje, as camadas de gelo na Antártida e Groenlândia estavam derretendo e os níveis do mar eram 6 metros mais elevados. Alguns estudos apontam a possibilidade de terem sido de 10 a 20 metros mais altos.

Será que as mudanças climáticas do Antropoceno se aproximarão da mesma situação do passado? De qualquer maneira, não resta dúvida de que a civilização que a humanidade construiu representa um risco para sua própria continuidade.

O crescimento econômico através da modernização havia prometido uma vida próspera. Entretanto, o que está para ser revelado pela crise ambiental no Antropoceno é, ironicamente, o fato de que o crescimento econômico vem arruinando as bases da prosperidade humana.

Mesmo que as mudanças climáticas avancem rapidamente a partir de agora, a camada ultrarrica que vive nos países desenvolvidos poderia continuar a levar a vida egoísta de antes. Porém, a maioria de nós, pessoas comuns que não têm margem para manobras no cotidiano, perderá o modo de vida e terá que procurar desesperadamente uma alternativa para sobreviver. Esse fato deveria ter ficado claro com a pandemia de coronavírus.

Neste contexto, aumentam as vozes que clamam para que se repense fundamentalmente a forma como as coisas têm sido feitas, que aumenta a desigualdade e destrói o meio ambiente global. A proposta da reunião de Davos para um “grande reinício” é provavelmente simbólica.

No entanto, para salvar o futuro deste planeta, não devemos deixar a ação apenas para a elite, aos políticos e aos especialistas. “Deixar para os outros” só acabará dando privilégios aos ultrarricos. Portanto, para escolher um futuro melhor, cada cidadão deve se levantar, falar e agir como parte interessada. Ainda assim, levantar a voz e agir cegamente não fará com que as coisas corram bem e será grande desperdício de um tempo precioso. É crucial rumar para a direção correta e com uma estratégia apropriada.

Para descobrir a direção correta, é necessário retornar às causas da crise climática. Quem possui a chave para a causa não é ninguém menos que o capitalismo. Isso acontece porque as emissões de CO₂ só começaram a aumentar significativamente após a Revolução Industrial, ou seja, desde que o capitalismo ganhou força. Logo após isso, houve um filósofo que pensou além do capitalismo: o alemão Karl Marx.

O capital no Antropoceno analisa o entrelaçamento do capital, da sociedade e da natureza no Antropoceno, com base em O capital de Marx. É claro que não tenho a menor intenção de relembrar o marxismo do passado. Pretendo escavar e desenvolver novos pensamentos marxianos que estiveram adormecidos durante cerca de 150 anos.

Este livro libertará nossa imaginação para criar uma sociedade melhor numa era de crise climática.


Qual é a relação entre capitalismo, sociedade e natureza? Em O capital no Antropoceno, o filósofo japonês Kohei Saito propõe uma interpretação dos estudos de Karl Marx frente aos problemas ambientais que enfrentamos no século XXI. A mensagem central da obra é que o sistema capitalista dominante, de alta financeirização e busca ilimitada do lucro, está destruindo o planeta, e só um novo sistema, pautado pelo decrescimento, com a produção social e a partilha da riqueza como objetivo central, é capaz de reparar os danos causados até aqui.

Best-seller com mais de 500 mil exemplares vendidos, o aguardado livro do filósofo japonês Kohei Saito revela, de maneira acessível, como o sistema capitalista dominante, de alta financeirização e sua busca ilimitada do lucro, está destruindo o planeta.

A obra tem tradução direta do japonês de Caroline M. Gomes, apresentação de Maria Orlanda Pinassi, orelha de Jean Tible e capa de Maikon Nery.

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Kohei Saito é professor associado de economia política na Universidade de Osaka, no Japão. É também membro do conselho editorial internacional do projeto Marx-Engels-Gesamtausgabe. Em 2018, venceu o Deutscher Memorial Prize com a obra O ecossocialismo de Karl Marx: capitalismo, natureza e a crítica inacabada à economia política, lançada no Brasil pela Boitempo em 2021.

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