Uma chave para compreender a história do Brasil

Desde o início, ao apresentar a força de trabalho basicamente como uma mercadoria especial, Caio Prado Júnior busca inscrever a esfera da produção capitalista na esfera da circulação de mercadorias. A ênfase do autor na troca e no aspecto mercantil do sistema reverbera as análises da história econômica brasileira que ele fez em clássicos como "Formação do Brasil contemporâneo".

Por Jorge Grespan

Autor de uma obra ampla e diversificada, Caio Prado Júnior viu alguns de seus livros serem poucas vezes reeditados. No entanto, eles são de extrema relevância não só pelas ideias que apresentam, mas também porque servem de chave para compreender as conhecidas análises da história do Brasil que notabilizaram seu trabalho. É o caso de Esboço dos fundamentos da teoria econômica.

Talvez inspirado pela publicação dos Grundrisse em 1953, Caio Prado Júnior intitulou de “esboço dos fundamentos” seu livro sobre “teoria econômica” escrito ao fim da mesma década. Contudo, longe de ser mero rascunho ou de apresentar ideias preliminares, o texto revela o grande amadurecimento alcançado pelo autor em relação à crítica marxista da economia política.

Começando por uma discussão sobre os limites e a natureza das ciências sociais, na qual sobressai uma concepção muito particular de “fato objetivo” e de seu nexo com a ação e o pensamento humano, o livro avança para a apresentação dos principais conceitos de Marx e de sua crítica a economistas como Adam Smith e David Ricardo, que depois Caio Prado Júnior estende aos neoclássicos e a Keynes. No bojo dessa discussão, vai ficando clara a intenção do autor de ressaltar a teoria das crises econômicas, que recebe de Marx uma formulação muito mais rigorosa e complexa que qualquer outra, e de entender, por fim, a diferença entre o desenvolvimento econômico dos países centrais e o dos “países subdesenvolvidos do tipo do Brasil”, que depende de ritmos impostos de fora.

A compreensão que Caio Prado Júnior demonstra dessas questões teóricas e práticas é notável mesmo para os padrões do debate marxista atual. Além disso, o livro interessa porque seu argumento e sua articulação revelam a particularidade do marxismo do autor.

Desde o início, ao apresentar a força de trabalho basicamente como uma mercadoria especial, Caio Prado Júnior busca inscrever a esfera da produção capitalista na esfera da circulação de mercadorias. A ênfase do autor na troca e no aspecto mercantil do sistema reverbera as análises da história econômica brasileira que ele fez em clássicos como Formação do Brasil contemporâneo. É como se essa grande interpretação da história tivesse necessitado de uma década e meia para encontrar a ordem precisa dos conceitos em que se baseia.


Escrito originalmente em 1957, Esboço dos fundamentos da teoria econômica revela um grande amadurecimento alcançado por Caio Prado Júnior em relação à crítica marxista da economia política. O livro traz uma análise do capitalismo como sistema de organização econômica e passa por concepções e teorias de diferentes estudiosos, como os economistas clássicos, os socialistas e a escola keynesiana.
 
Sempre tendo no horizonte o exemplo brasileiro, Caio Prado aponta a insuficiência da industrialização e do planejamento para uma eventual superação do subdesenvolvimento e a necessidade de uma teoria econômica que seja expressão legítima da experiência dos países subdesenvolvidos. Ao longo dos capítulos, discute a gênese das relações econômicas, o sistema mercantil, a teoria do valor, as crises periódicas de superprodução, o ciclo produtivo capitalista, o processo de concentração e centralização do capital, imperialismo, a teoria moderna do desenvolvimento econômico e vários outros assuntos.

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Jorge Grespan é professor titular do Departamento de História da USP e autor de O negativo do capital (Hucitec, 1998; Expressão Popular, 2012), Iluminismo e revolução francesa (Contexto, 2003), Marx e a crítica do modo de representação capitalista (Boitempo, 2019) e o mais recente Marx: uma introdução (2021). Colaborador da revista Margem Esquerda, Grespan também assina um dos capítulos do livro Curso Livre Marx-Engels (Boitempo, 2015), organizado por José Paulo Netto.

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