O centenário da Coluna Prestes

Geraldo Barbosa escreve sobre "A Coluna Prestes", premiada obra de Anita Leocadia Prestes que ganha nova edição revisada pela Boitempo.

Por Geraldo Barbosa

A quinta edição brasileira de A Coluna Prestes ocorre num momento especial: em 2024, celebramos o Centenário da Marcha da Coluna Invicta (1924-1927). O livro de Anita Leocadia Prestes resultou da tese de doutorado defendida em 1989 na Universidade Federal Fluminense (UFF). Em 1990, recebeu o prêmio Casa de las Américas, de Cuba. Anita realizou a mais completa obra de pesquisa e reconstrução sintética sobre a Coluna Prestes, apoiada em sólida formação teórica e impressionante aparato documental, em grande parte inédito. A “história oral como técnica de pesquisa” é conscienciosamente vinculada a um projeto teórico: no amplo uso dos depoimentos exclusivos de Luiz Carlos Prestes e na reconstituição do processo que integra as “várias falas” numa perspectiva totalizadora.

Na introdução, há uma competente análise crítica da – escassa e parcial – bibliografia acerca da Coluna. Ali, a autora submete à crítica objetiva as deformações da “história oficial”, dedicada a desfigurar o conteúdo real da história da Coluna, ou relegá-la ao esquecimento. A ruptura de Prestes com o liberalismo “radical” dos tenentes e sua adesão ao comunismo “certamente explica muita coisa”. A “história oficial” recicla os interesses das classes dominantes que Prestes combateu ao longo de sua trajetória.

A crítica objetiva coloca exigências científicas complexas. Na concepção da autora, a “ciência social histórica”, como a definiu Marx, deve fundamentar-se na supremacia da evidência e buscar um conhecimento explicativo. Ela adota o enfoque genético-estrutural de Pierre Vilar: uma história “pensada teoricamente”, no estudo dos vínculos entre a “dinâmica das estruturas” e a “sucessão dos acontecimentos”. A objetividade aprofundada da ciência liga-se à “posição clara ao lado dos explorados e oprimidos”, os que “pela sua situação social estão interessados em conhecer o passado para melhor transformar o presente”.

A Coluna Prestes – momento culminante das revoltas tenentistas – percorreu cerca de 25 mil quilômetros, em combates por treze estados do Brasil, durante dois anos e três meses, sem sofrer nenhuma derrota. Lutando em condições desfavoráveis contra forças muito superiores (em homens, armamento e apoio logístico), a Coluna Prestes introduziu nas Américas uma nova forma de guerra de guerrilha: a “guerra de movimento”.

Venceu dezoito generais do Exército brasileiro e realizou uma marcha militar de escala inédita na história universal. Ao enfrentar o governo tirânico de Artur Bernardes, lutou contra o domínio do poder de Estado pelas oligarquias agrárias, objetivamente ligadas ao imperialismo no período de consolidação do capitalismo dependente no Brasil. Partindo de um levante militar, a longa marcha insurrecional transformou-se num movimento político e social com características populares e dimensão nacional. Lutou por liberdade e justiça para o povo brasileiro, empolgou amplos setores antioligárquicos e acelerou a desagregação da República Velha.


Em comemoração aos cem anos da Coluna Prestes (que durou de 1924 a 1927), a Boitempo relança a obra de Anita Leocadia Prestes sobre o assunto. Fruto da tese de doutorado da autora defendida em 1989 na Universidade Federal Fluminense (UFF), o livro é a mais completa obra de pesquisa e reconstrução sintética sobre a Coluna, apoiada em sólida formação teórica e aparato documental em grande parte inédito à época de sua primeira edição.
 
Dividida em três partes, a obra começa com um panorama da sociedade na época, ainda com resquícios do sistema escravocrata e caminhando para um maior desenvolvimento capitalista, em meio a uma crise econômica, política e social. A segunda parte aborda a marcha da Coluna, numa narrativa enriquecida por diversos depoimentos, entre os quais o de Luiz Carlos Prestes, pai da autora. Nela, Anita Prestes busca responder à questão central de como uma força armada com parco aparelhamento bélico e dotado de poucos recursos nunca foi derrotada. Já na parte final, é tratado o relacionamento da Coluna com as populações urbanas e rurais e as forças políticas da época.
 
“Anita conseguiu enveredar pelo difícil caminho da fonte oral – o herói invencível a relatar sua própria história – e saiu-se com rara felicidade dessa empreitada, demonstrando notável isenção como observadora do seu fato histórico e superando a ligação afetiva com aquele que era, ao mesmo tempo, o principal ator e a fonte fundamental de seu relato. Eis o primeiro e não menos importante mérito do trabalho, isto é, não cair na armadilha de seu próprio método”, escreve Maria Yedda Leite Linhares no prefácio.

A Coluna Prestes, de Anita Leocadia Prestes, tem prefácio de Maria Yedda Leite Linhares, texto de orelha de Geraldo Barbosa, textos de quarta capa de Carlos Scliar e Oscar Niemeyer e capa de Livia Viganó.

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Geraldo Barbosa é presidente da Associação Memorial Luiz Carlos Prestes.


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