Petrobras, ditadura e um projeto de morte

É urgente fazer novas pesquisas a respeito de outras empresas e de ouvir outras pessoas que sofreram as ações de um governo cujo projeto de morte está sempre à espreita de novas investidas.

Imagem: Wikimedia Commons

Por Ricardo Rezende Figueira

Em boa hora é publicado Petrobras e petroleiros na ditadura, fruto de um estudo cuidadoso e interdisciplinar, a respeito da empresa que serviu a um projeto contra o país ao exercer coerção sobre trabalhadores e sobre sindicalistas; ao nomear militares para seus quadros; ao ser relapsa nas mais de quinhentas mortes, conforme denúncias à época, em uma comunidade localizada no entorno da refinaria em Cubatão (SP) e descuidada nas ações de prospecção de petróleo que prejudicaram populações tradicionais e povos originários na Amazônia.

O livro é resultado de um trabalho em equipe sobre uma empresa que violou claramente os mais elementares direitos humanos. Os pesquisadores são de áreas diferentes do conhecimento e vasculharam com competência e seriedade a documentação escrita, ouviram sobreviventes e testemunhas e refletiram sobre o material encontrado.

Certamente a Petrobras não é a única nesse ambiente de irresponsabilidade paga pelos algozes de um tempo sombrio. Ela foi inspiradora de outras empresas. Entre as que seguiram a lógica do crime, estava, por exemplo, a Volkswagen, em sua montadora em São Bernardo do Campo (SP) e na criação de gado, em Santana do Araguaia (PA). Pressionada a uma atitude reparadora, a direção da empresa contratou um historiador que reconheceu que houve abuso de poder, relações promíscuas com a ditadura nos dois casos. Em São Bernardo do Campo, se envolveu na repressão contra seis operários, e pagou algo a título de reparação; mas ainda não aceitou realizar uma ação similar quanto ao crime de escravidão de milhares de pessoas no Pará, nos anos 1970 e 1980.

Muitas vítimas desse tempo sombrio envelhecem e algumas morrem sem terem suas narrativas conhecidas, sem receberem o pedido de desculpas do Estado e um gesto de reparação por parte dos autores dos crimes. Algumas pessoas foram ouvidas pela Comissão Nacional da Verdade. Mas há em especial milhares de camponeses e operários, não necessariamente organizados em partidos ou sindicatos, que foram vítimas, e suas memórias são colocadas de lado, suas histórias não aparecem nas estatísticas.

Ao lado deste estudo, é urgente fazer novas pesquisas a respeito de outras empresas e de ouvir outras pessoas que sofreram as ações de um governo cujo projeto de morte está sempre à espreita de novas investidas.



No ano em que se completam 60 anos do golpe civil-militar no Brasil, chega às livrarias a obra Petrobras e petroleiros na ditadura: trabalho, repressão e resistência, coletânea que aborda a relação entre a Petrobras e a ditadura no país. Fruto de investigação realizada ao longo dos últimos anos, o livro aprofunda e amplia o pouco que sabemos sobre a colaboração da maior empresa do Brasil com o brutal regime de exceção que imperou no país durante 21 anos.
 
A obra se divide em quatro partes. De início, os autores abordam o contexto de criação da Petrobras e seu papel estratégico no projeto desenvolvimentista da época. Em seguida, os textos tratam das motivações do golpe, da colaboração entre a empresa e o regime, e das consequências da nova ordem na vida dos trabalhadores e na atuação dos sindicatos. Construído esse embasamento, os autores falam dos beneficiários das ações da empresa no período, além de apresentar casos emblemáticos de crimes ambientais perpetrados tanto pela Petrobras quanto pelos militares. Por último, temos um olhar para o futuro e um debate sobre a atual crise climática e uma possível justiça de transição.
 
O lançamento da obra coincide com o momento de fragilidade democrática que o país atravessou nos últimos anos. Na apresentação, os autores destacam o retorno significativo dos militares em cargos estratégicos durante o mandato de Jair Bolsonaro e refletem sobre a dificuldade da sociedade civil em criar um futuro livre de repressão e violência: “O nunca mais, apesar de manter sua importância e vigor, fragiliza-se em termos de efetividade, porque não tem a força que resulta da compreensão crítica e socialmente referenciada do passado e de sua incorporação à memória coletiva. Assim, assistimos, por um lado, ao es­praiamento e à naturalização de condutas que violam direitos fundamentais; por outro, às vivências reiteradas da violência”.

“É fundamental que tenhamos registros fidedignos da história, sobretudo os
que resgatam a narrativa sob a ótica dos trabalhadores, para que as novas
gerações possam prevenir equívocos do passado. O país não pode esquecer as
atrocidades praticadas nas prisões, a exemplo da prisão do Forte do Barbalho,
assim como a invasão da Refinaria de Mataripe pelo Exército, onde companheiros
foram presos ou torturados no local de trabalho. Daí a importância desta
obra, que vem trazer ao conhecimento do público fatos que ficaram por muito
tempo ocultos.”
RAIMUNDO LOPES,
presidente da associação dos anistiados políticos da Petrobras


“A Petrobras atuou como um laboratório das práticas de repressão contra os
opositores do regime, contribuindo para o terrorismo de Estado. Promoveu
perseguições dentro e fora de suas unidades e violou direitos de populações
vulnerabilizadas e de povos indígenas. Este livro mostra os alcances da aliança
empresarial-militar ao longo da ditadura.”
SEBASTIÃO NETO,
coordenador do Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas


“Estamos completando sessenta anos do Golpe Militar de
1964 e até hoje descobrimos fatos horripilantes, como
ocorreu com a repressão na Petrobras, que esse excelente
estudo esmiúça tão ricamente.”
RICARDO ANTUNES,
professor titular da Unicamp

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Ricardo Rezende Figueira é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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