Lukács, Goethe e o fado da humanidade inteira

Jorge de Almeida apresenta "Estudos sobre Fausto", de György Lukács: "As grandes obras literárias ainda podem iluminar os caminhos da necessária esperança".

A roda que não pode ser parada; – é a natureza humana (Ehrhart/Domínio Público).

Por Jorge de Almeida

Com ímpeto polêmico, Lukács buscou “resgatar” Goethe das habituais leituras nacionalistas e irracionalistas que glorificavam “de modo reacionário” o grande poeta alemão. Esse esforço se concretizou nos estudos sobre as obras dedicadas ao mito de Fausto, nas quais Goethe configura literariamente os momentos decisivos da ascensão da burguesia europeia, sob a perspectiva de uma Alemanha economicamente atrasada e politicamente dividida.

Enquanto o Protofausto (1775) retrata a crise do mundo feudal, os fragmentos de 1790 já refletem as consequências da Revolução Francesa, depois repensada, diante das guerras napoleônicas, na primeira parte da tragédia (1808), e então transformada em alegoria épica na monumental obra de maturidade (1832), que expõe o movimento geral da História humana, desde a Grécia clássica até a expansão imperialista do capitalismo moderno. 

Seduzido por Mefistófeles, o “espírito que nega sempre tudo”, Fausto oscila entre a reflexão e a ação, tornando-se um modelo da nova dialética entre indivíduo e sociedade e incorporando as contradições do intelectual burguês diante de um mundo em violenta transformação. Assim como na obra de Hegel, os movimentos concretos da sociedade adquirem representação “espiritual” nos desdobramentos desse embate. Ao expor o destino trágico de um homem particular, “o conteúdo do poema constitui o fado da humanidade inteira”.

O entusiasmo ambíguo de Goethe com a revolução leva o poeta a perceber, segundo Lukács, “que a contradição é o centro da vida e do conhecimento”. Os dilemas de Fausto demonstram que o “caráter diabólico do progresso”, sob a forma capitalista, gera ao mesmo tempo as condições para “o genuíno campo da práxis humana”. Essa ideia, que antecipa Marx, é exposta nos três apêndices incluídos em Estudos sobre Fausto: “Marx e Goethe”, “O nosso Goethe” e “Goethe e a dialética”. Ao recuperar o conteúdo histórico e político das tragédias de Goethe, Lukács mostra que, embora “as contradições complexas sejam objetivamente insolúveis”, as grandes obras literárias ainda podem iluminar os caminhos da necessária esperança.


Estudos sobre Fausto traz um conjunto de textos do filósofo húngaro György Lukács dedicados a Fausto, obra-prima de Johann Wolfgang von Goethe e um dos pontos culminantes da literatura humanista burguesa e da literatura alemã do século XIX.

A obra reúne o mais completo ensaio sobre Goethe e sua obra maior entre as diversas produções de Lukács sobre o tema, publicados em 1940. Segundo o professor Luiz Barros Montes, os textos encerram uma análise dos aspectos temáticos e formais da obra magna de Goethe “que reconhece sua característica ‘incomensurável’ não como um índice de incongruências formais e temáticas, mas como uma totalidade artística viva, na qual suas contradições e limites são analisados em perspectiva histórica como um todo orgânico”, escreve na apresentação. Os Estudos sobre Fausto assinalam, segundo Lukács, a configuração dramática da dialética indivíduo e sociedade como um dos grandes êxitos de Goethe, uma conquista poética sobredeterminada pelo desenvolvimento histórico alemão.

Desde 2010, a Boitempo desenvolve sistematicamente o projeto de publicação das obras de György Lukács (1885-1971). O diferencial dessas edições, em face das anteriores de textos lukacsianos em português, não se reduz ao esmero da apresentação gráfica nem ao cuidado na escolha de especialistas para a redação dos subsídios oferecidos ao público. O diferencial consiste na tradução – com revisões técnicas –, que se vale dos originais alemães e foi devidamente autorizada pelos detentores dos direitos autorais. Estudos sobre Fausto é a décima segunda obra da coleção Biblioteca Lukács.

Estudos sobre Fausto, de György Lukács, tem tradução de Nélio Schneider, revisão da tradução de Ronaldo Vielmi Fortes, apresentação de Luiz Barros Montez, texto de orelha de Jorge de Almeida e capa de Livia Viganó.

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Jorge de Almeida é professor do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP. Tradutor de obras de Theodor Adorno – em especial Notas de literatura e Prismas –, é doutor em Filosofia pela USP com a tese Crítica dialética em Theodor Adorno: música e verdade nos anos 30. Integra a comissão editorial da edição das obras completas de Adorno no Brasil, junto com Vladimir Safatle, Rodrigo Duarte e Ricardo Barbosa.

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