Marx: cientista político?
Leda Paulani escreve sobre "Marxismo e política: modos de usar", de Luis Felipe Miguel: “Numa batalha, que percorre todo o livro, contra a possibilidade e a pertinência de uma ciência política autônoma, o autor busca mostrar como as categorias marxianas podem ajudar a disciplina a sair do giro em falso da pequena política, bem como a ficar imune a surpresas que desafiam o caráter bitolado de seus modelos, como a corrente crise enfrentada pela democracia."
Foto: Hennie Stander (Unsplash).
Por Leda Paulani
Quem foi Marx? Um filósofo, talvez? Mas ele justamente brigou com a filosofia quando abraçou o materialismo. Seu livro A ideologia alemã não é outra coisa senão uma antifilosofia. Economista? Mas sua obra magna, O capital, tem como subtítulo justamente Crítica da economia política e buscava mostrar, a partir de suas próprias descobertas, o caráter não científico da disciplina que nascera no final do século XVIII (que apesar de tudo ele respeitava, por ter dado início à teoria do valor-trabalho) – para não falar do fato de ser ele renegado hoje por 99,9% daqueles que professam a economia moderna e hegemônica (cujos ancestrais Marx chamava de “economia vulgar”). Historiador… quem sabe? Mas como caberia a ele tal qualificação se, segundo um de seus leitores mais conceituados, Louis Althusser, foi ele o responsável por ter criado “o continente da História”, ou seja, ter viabilizado a promoção dela ao status de disciplina científica?
Em Marxismo e política: modos de usar, aparentemente simples manual para uso eventual de viajantes precavidos, Luis Felipe Miguel acrescenta à lista acima de títulos, que se intervertem ao serem aplicados a Marx, também o de cientista político. Numa batalha, que percorre todo o livro, contra a possibilidade e a pertinência de uma ciência política autônoma – enquadramento que hoje rege boa parte do que se produz sob seu rótulo –, o reputado professor da Universidade de Brasília busca mostrar como as categorias marxianas podem ajudar a disciplina a sair do giro em falso da pequena política, bem como a ficar imune a surpresas que desafiam o caráter bitolado de seus modelos, como a corrente crise enfrentada pela democracia.
Ecologia, Estado, democracia, gênero, raça, classes sociais, ideologia: navegando por temas tão diversos quanto decisivos para uma compreensão mais adequada dos imensos desafios atualmente postos para a humanidade, Luis Felipe demonstra que não é possível falar com propriedade de nada disso se a análise política não estiver assentada nas estruturas sociais de dominação. O marxismo deve funcionar, portanto, como permanente elemento tensionador, sem o que, tal como acontece hoje, desaparecem do horizonte o potencial emancipador do conhecimento e a criação de uma sociedade nova. Em poucas palavras: o subtítulo deste livrinho valioso poderia ser Crítica da ciência política.
Quais e quantas combinações são possíveis entre o marxismo e a ciência política? Em Marxismo e política: modos de usar, o cientista político Luis Felipe Miguel debate a relevância do marxismo para a análise da política. A obra busca introduzir e enfatizar a utilidade desse marco teórico para a produção de uma ciência política capaz de entender o mundo social e orientar a ação nele.
Ao longo dos nove capítulos, o autor cruza diferentes temas da tradição marxista com o campo da ciência política, como as classes sociais, o Estado, o gênero, alienação e fetichismo e muitos outros. Em contrapartida, demonstra a importância de uma abertura do próprio marxismo ao diálogo com a produção contemporânea da ciência política. Com isso, ao mesmo tempo evita o dogmatismo e abre caminhos para a pesquisa em ambos os territórios dos quais se propõe a tratar.
Marxismo e política: modos de usar, de Luis Felipe Miguel, tem apresentação de Andréia Galvão, orelha de Leda Paulani e capa de Daniel Justi.
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Leda Paulani é economista e doutora em Economia pelo IPE-USP, professora do Departamento de Economia da FEA-USP e da pós-graduação em Economia do IPE-USP. Tem artigos publicados em revistas acadêmicas nacionais e estrangeiras e é membro do conselho editorial de publicações, como a Revista de Economia Política. De janeiro de 2013 a março de 2015, foi secretária de planejamento, orçamento e gestão da prefeitura de São Paulo. Publicou, pela Boitempo, Modernidade e discurso econômico (2005) e Brasil delivery (2008).
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