Lélia Gonzalez: intérprete do Brasil

Após mais de três décadas de sua produção original, o livro "Festas populares no Brasil", de Lélia Gonzalez, chega às livrarias de todo o país pela editora Boitempo, com exposição no Sesc Vila Mariana a partir de 27 de junho.

Lélia Gonzalez, Rio de Janeiro-RJ (s/d). Foto de Januário Garcia. Acervo IMS.

Após mais de três décadas de sua produção original, o livro Festas populares no Brasil, de Lélia Gonzalez, chega às livrarias de todo o país pela editora Boitempo. Trata-se do único livro que a pensadora, acadêmica e militante do movimento negro brasileiro, publicou em vida exclusivamente como autora. Escrita em 1987, a obra apresenta registros fotográficos de festas populares do Brasil de norte a sul com textos informativos que apresentam as marcas da herança africana na cultura brasileira, a integração entre o profano e o sagrado e a reinvenção das tradições religiosas na formação do imaginário cultural brasileiro.

Festas populares no Brasil distancia-se apenas aparentemente do conjunto da produção intelectual de Lélia, marcada pela reflexão política sobre a realidade nacional e pelo debate teórico pioneiro a respeito das intersecções entre raça, classe e gênero. Afinal, na apreciação geral das proposições da obra, o que se revela é uma intérprete do Brasil que definiu a cultura enquanto um de seus temas centrais. Nas palavras da autora, “se a gente detém o olhar em determinados aspectos da chamada cultura brasileira a gente saca que em suas manifestações mais ou menos conscientes ela oculta, revelando, as marcas da africanidade que a constituem.”
 
Premiada internacionalmente na época de sua publicação, a obra continua pouco citada e pouco conhecida no Brasil, inclusive por nunca ter ido ao mercado livreiro. Como argumenta Raquel Barreto, no prefácio à nova edição da obra, esse esquecimento não é fortuito, mas sim um capítulo do violento apagamento da sua produção intelectual. Como forma de se contrapor a esse processo, a nova edição da Boitempo, em formato capa dura e brochura, apresenta o texto integral de Lélia e novas imagens, textos e documentos. São mais de cem imagens dos fotógrafos Walter Firmo, Januário Garcia, Maureen Bisilliat e Marcel Gautherot, entre outros, com posfácio de Leda Maria Martins, prefácio de Raquel Barreto, prólogo de Leci Brandão, texto de orelha de Sueli Carneiro, quarta capa de Angela Davis, Leci Brandão e Zezé Motta, e projeto gráfico de Casa Rex. A publicação de Festas populares no Brasil tem apoio do Instituto Memorial Lélia Gonzalez, do Instituto Ibirapitanga e do Instituto Moreira Salles (IMS).

“Eu aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês jamais apren­derão comigo”
Angela Davis 

“Em nosso país, só recentemente temos tido acesso ao pensamento dessa extraordinária intelectual a quem sempre tributo minha formação como mulher negra engajada nas lutas das mulheres e das pessoas negras.”
Sueli Carneiro



 
E, para celebrar o lançamento do livro e o legado intelectual de Lélia, a Boitempo e o Sesc promovem a exposição Lélia em nós: festas populares e amefricanidade, mostra com artistas consagrados e contemporâneos com curadoria de Glaucea Britto e Raquel Barreto, que ocorrerá no Sesc Vila Mariana a partir de 27 de junho.

Com cinco eixos temáticos, a mostra reúne pinturas, fotografias e instalações de Walter Firmo, Adenor Gondim, Heitor dos Prazeres, Nelson Sargento, Raquel Trindade, Maria Auxiliadora e Alberto Pitta, e apresenta 12 trabalhos inéditos de artistas contemporâneos como Coletivo Lentes Malungas, Eneida Sanches, Lidia Lisboa, Lita Cerqueira, Manuela Navas, Maurício Pazz, Rafael Galante e Rainha Favelada.

1 comentário em Lélia Gonzalez: intérprete do Brasil

  1. Rosemeri Madrid // 07/06/2024 às 2:20 pm // Responder

    Nossa, que bom essa recuperação da obra de Lélia, ela que segue sendo farol para nós, pesquisadoras e mulheres negras. Eu demorei a descobri-la e conhece-la, até por que é uma pensadora ainda invisibilizada para grande parte da sociedade. Mas depois que conheci seu legado e pensamento, procuro sempre lê-la e indicar a outras mulheres negras como eu, a leitura de Lélia. Agradeço, Boitempo!

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