Doze autores marxistas para entender a democracia

Luis Felipe Miguel lista 12 autores vinculados à tradição marxista que ajudam a pensar a democracia, sobretudo para entender os limites das “democracias realmente existentes” e para projetar modelos alternativos, mais próximos do ideal radical de governo do povo.

Por Luis Felipe Miguel

No cânone da teoria da democracia, o marxismo é pouco presente – talvez porque, na Ciência Política tradicional, um pressuposto oculto é a aceitação do regime de concorrência eleitoral vigente no Ocidente como sendo a democracia real ou, ao menos, a democracia possível. Mas há muitos autores vinculados à tradição marxista que ajudam a pensar a democracia, sobretudo para entender os limites das “democracias realmente existentes” e para projetar modelos alternativos, mais próximos do ideal radical de governo do povo.

Cito aqui doze desses autores – uma lista que está longe de ser exaustiva.

1) Karl Marx (1818-1883). Seu alerta permanente de que não se deve imaginar um “céu político” desconectado da base material impede que se pense na concessão de direitos políticos sem investigar as condições reais de seu exercício. E a compreensão de que a “emancipação política” não esgota a emancipação humana serve de diretriz para a construção de uma sociedade de mulheres e homens realmente livres.


2) Vladímir Ilitch Lênin (1870-1924). O revolucionário russo percebeu, com clareza exemplar, como a democracia parlamentar pode contribuir para estreitar os horizontes da ação política e, assim, travar, em vez de impulsionar, a transformação social. Sua radicalização do viés anti-representativo já presente em Marx leva talvez a impossibilidades, mas os dilemas que ele enuncia para o esforço de construção de uma sociedade nova continuam exigindo enfrentamento.


3) Rosa Luxemburgo (1871-1919). Mais do que qualquer outro marxista de sua geração, Rosa Luxemburgo foi sensível à indissociabilidade entre socialismo e democracia. Ela valorizava as instituições democráticas sem recusar realidade às formas de dominação que, na sociedade burguesa, impedem que sejam efetivamente instrumentos da afirmação de uma vontade coletiva. O socialismo deveria realizar as promessas incumpridas da democracia, uma vez que seu objetivo seria produzir, pela primeira vez na história, um regime em que o poder estivesse com a ampla maioria da população.


4) Aleksandra Kollontai (1872-1952). A relação entre gênero e classe foi o foco de muitas investigações de Kollontai. Indo além das feministas burguesas de sua época, ela entendeu que a libertação das mulheres do fardo do cuidado e o fim da opressão na esfera doméstica eram imperativos para a construção de uma sociedade em que todos fossem coletivamente autônomos – o que é uma definição da democracia.


5) Antonio Gramsci (1891-1937). Ponto de virada na compreensão marxista da política, os Cadernos do cárcere conectam as disputas políticas aos instrumentos de produção dos consensos, abrindo caminho seja para uma estratégia de ação ampliada, seja para um projeto de democracia ancorado nas práticas sociais.


6) Pietro Ingrao (1915-2015). Nos anos 1970, a corrente “eurocomunista” promoveu uma acomodação com as instituições da democracia liberal. Mas Ingrao, dirigente do PC Italiano, propugnou por uma “democracia progressiva de massas”, na qual as pessoas estariam envolvidas cotidianamente no fazer político, em paralelo e para além da representação parlamentar, evitando a passividade que a atual divisão do trabalho político produz.


7) Florestan Fernandes (1920-1995). Ao conectar firmemente o funcionamento das instituições aos processos históricos de longo prazo e aos conflitos de classe, em obras como A revolução burguesa no Brasil, o sociólogo paulista se tornou referência incontornável para compreender os limites perenes da democracia liberal em nosso país.


Foto: Michael Newman / Merlin Press

8) Ralph Miliband (1924-1994). Seu O Estado na sociedade capitalista, publicado em 1972 e hoje reconhecido como clássico, refutou a ideologia pluralista hegemônica no Ocidente, mostrando como o poder da classe dominante se afirma mesmo por meio das instituições formalmente democráticas.


9) Nicos Poulantzas (1936-1979). Um dos maiores pensadores marxistas da política, Poulantzas explicou como as instituições do exercício do poder são um reflexo da correlação de forças na sociedade – e como o grau de democracia está diretamente vinculado à capacidade de pressão dos grupos dominados. Seu O Estado, o poder, o socialismo, de 1978, é uma das principais inspirações para um projeto de democracia popular e participativa.


Foto: Miquel Taverna

10) Claus Offe (1940- ). Em textos dos anos 1970, Offe indicou como as duas funções do Estado capitalista – garantir a reprodução da acumulação e oferecer legitimidade ao sistema – tendiam a entrar em contradição, levando à retração das práticas democráticas. Muitos dos melhores estudos sobre a “crise das democracias” partem de suas conclusões.


11) Ellen Wood (1942-2016). A historiadora estadunidense analisou como o capitalismo restringe a democracia, dando a ela um espaço secundário e limitado, por meio da circunscrição de uma esfera “política” que não alcança boa parte da nossa vivência cotidiana.


12) Nancy Fraser (1947- ). A relação entre a democracia e os padrões de dominação social é um dos temas centrais da obra de Fraser, uma autora que integra perspectivas marxistas e feministas em suas análises.


Quais e quantas combinações são possíveis entre o marxismo e a ciência política? Em Marxismo e política: modos de usar, o cientista político Luis Felipe Miguel debate a relevância do marxismo para a análise da política. A obra busca introduzir e enfatizar a utilidade desse marco teórico para a produção de uma ciência política capaz de entender o mundo social e orientar a ação nele.

Ao longo dos nove capítulos, o autor cruza diferentes temas da tradição marxista com o campo da ciência política, como as classes sociais, o Estado, o gênero, alienação e fetichismo e muitos outros. Em contrapartida, demonstra a importância de uma abertura do próprio marxismo ao diálogo com a produção contemporânea da ciência política. Com isso, ao mesmo tempo evita o dogmatismo e abre caminhos para a pesquisa em ambos os territórios dos quais se propõe a tratar.

Marxismo e política: modos de usar, de Luis Felipe Miguel, tem apresentação de Andréia Galvão, orelha de Leda Paulani e capa de Daniel Justi.

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Luis Felipe Miguel é doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Autor, entre outros livros, de Democracia e representação: territórios em disputa (Editora Unesp, 2014), Dominação e resistência: desafios para uma política emancipatória (Boitempo, 2018) e O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular, 2019). Também é coautor, junto com Flávia Biroli, de Feminismo e política: uma introdução (Boitempo, 2014). Colaborou com o livro de intervenção O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil (Boitempo, 2018).

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