Cultura inútil | Cansei de esperar a vez dos mineiros
De Guimarães Rosa a Carlos Drummond de Andrade, passando por Frei Betto, Tancredo Neves e Darcy Ribeiro, Mouzar Benedito faz uma seleção de frases sobre os mineiros.
Foto: Magda Sanches (WikimediaCommons).
Por Mouzar Benedito
Lá pelos meus vinte e poucos anos de idade, tornou-se moda amar os baianos. Em São Paulo, deixava-se de fazer piadas sobre baianos (uns preconceituosos continuaram) e passava-se a admirá-los. Gil, Caetano, Tom Zé, Bethânia, Gal… juntaram-se a Caymmi, Jorge Amado, João Ubaldo, sem se esquecer dos que já tinham “batido a caçoleta” (morrido, no linguajar baiano) havia muito tempo, como Gregório de Mattos Guerra, Castro Alves e, para quem gosta, Ruy Barbosa. E sem falar na Martha Rocha, que durante anos foi símbolo máximo da beleza feminina.
O “baiano” (entre aspas porque todos os nordestinos eram chamados de baianos em São Paulo) da construção civil, aqui, não era tão badalado. Quando baiano (de verdade) “virou moda”, nas férias de fim de ano jovens paulistas, cariocas, mineiros, sulistas etc. iam aos montes para Salvador. As moças, querendo porque querendo namorar baianos. Vi moçoilas que em São Paulo viravam a cara para o baiano “comum”, chegarem a Salvador para férias e transarem pra valer com baianos “comuns”. Um amigo meu, que nem baiano era, era sergipano, o Zé Wilson, se aproveitava disso. Baixinho, mirradinho, estudante de história e professor, logo que se iniciavam as férias de fim de ano ia para Salvador e tomava bastante sol, pra ficar mais moreno, aproveitando para treinar o sotaque malemolente dos baianos, e transava com muitas paulistas que aqui nem o viam, era um transparente para elas.
Um parêntese: eu sempre disse que essa fase de paulistas irem de férias à Bahia fez muito bem para o modo de vida paulistano que, antes disso, era muito mais fechado do que é agora. Na Bahia viram um modo mais alegre e aberto de se viver e trouxeram um pouco disso para cá.
Voltando ao início do texto inicial, eu pensava: “Um dia há de chegar a vez dos mineiros”. As moças haveriam de gostar dos nossos causos, dos nossos sotaques, da nossa música e querer namorar a gente. Esperei, esperei… Tive bons momentos, mas não chegou a ser igual. Ou, se chegou eu não vi, já estava passado da idade para merecer esses namoros.
Bom… Resolvi agora juntar pensamentos e falas de mineiros e sobre mineiros, uns elogiosos outros críticos; uns novos, uns velhos; uns manjados, outros quase desconhecidos.
Ditado caipira mineiro: “É junto dos bão que a gente fica mió”.
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Fernando Sabino: “Ser mineiro é não dizer o que faz nem o que vai fazer, é fingir que não sabe aquilo que sabe, é falar pouco e escutar muito, é passar por bobo e ser inteligente, é vender queijo e possuir bancos”.
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Tancredo Neves: “… Mas soada a hora de ação, o mineiro se agita, não teme surpresas e suas arrancadas conservam a impetuosidade dos fenômenos sísmicos e ele desafia intempéries, enfrenta o patíbulo, planta instituições, rasga os céus, inova a ciência, aprimora a arte, planta cidades, prega revoluções”.
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Eu: “Ser mineiro é olhar para os dois lados antes de atravessar uma rua de mão única”.
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Darcy Ribeiro: “Nós mineiros nos ufanamos contentes, de ser gente de atitude. Não somos não. Minas alterosa não tem nenhum morro maior do mundo. Sequer um pico de altura assinalável tem. Temos é serranias demais. Elas nos cercam por todo lado, tapando horizontes, limitando o mundo e o povo”.
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Autor desconhecido: “Mineiro não briga, mas também não perdoa”.
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Anônimo: “O mineiro é tão escorregadio que até pra fazer estátua ele usa pedra-sabão”.
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Guimarães Rosa: “O mineiro escorrega pra cima”.
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Ivan Lessa: “O homem pode ir à lua, mas o mineiro jamais sairá de Minas”.
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Otto Lara Resende: “A grande contribuição de Minas Gerais para a cultura universal é a tocaia. A tocaia é uma homenagem à vítima. Ela morre sem aviso prévio, delicadamente e, se possível, desconhecendo o autor da cilada”.
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Atribuída a Otto Lara Resende, mas há quem diga que foi Nelson Rodrigues quem disse isso: “O mineiro só é solidário no câncer”.
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Esta, não me lembro quem disse, mas acho que foi Benedito Valadares, especialista em fazer média, quando, numa crise, lhe cobraram a tomada de posição a favor ou contra o governo federal: “Minas está onde sempre esteve e não arredará um só passo”.
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Frei Betto: “Mineiro é gente que não entende – interpreta”.
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Frei Betto, de novo: “… É desconfiar até dos próprios pensamentos e não dar adeus para evitar abrir a mão”.
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Frei Betto, mais uma vez: “Ser mineiro é sorrir sem mostrar os dentes, ter a esperteza das serpentes e fingir a simplicidade das pombas, fazer de conta que acredita nas autoridades e conspirar contra o governo”.
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Carlito Maia: “Mineiro não fica louco, piora”.
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Magalhães Pinto: “Minas trabalha em silêncio”.
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Carlos Drummond de Andrade: “… José quer ir para Minas, mas Minas não existe mais”.
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Gislene Camargos: “Como se diz lá nas nossas Minas Gerais, ando ‘disintindida’ sobre a vida… da vida… buscando apenas ‘sentir’ a sua grandeza e inteireza…”.
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Ditado popular: “Pra ganhar de um mineiro, só outro mineiro”.
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Ditado mineiro: “Abraço sem beijo – doce sem queijo”.
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Ronaldo Bôscoli: “O brasileiro é sueco com a mulher dos outros e mineiro com a própria mulher”.
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Autran Dourado: “Escrevo para entender a loucura humana em geral e a loucura particular que é Minas Gerais”.
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Ditado popular: “Mineiro come quieto”.
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Ditado mineiro: “Vingança é um prato que se come frio”.
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Eu: “Contra o radicalismo do ditado pão-pão, queijo-queijo, o mineiro inventou o pão-de-queijo”.
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Os paulistas gozavam muito o fato de os mineiros serem piores do que pontuais: chegavam antes da hora marcada em seus compromissos: “Mineiro não perde o bonde”.
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Um mineiro que não me lembro quem, respondendo a um paulista: “Não perde o bonde… nem revolução”, gozando a derrota paulista em 1932.
Uma coisa que todo mundo se lembra é que mineiro chama tudo de “trem”. Panela, essas coisas, são “trens de cozinha”. Um disse que estava com um “trem na barriga”, o farmacêutico lhe receitou um “trem para beber” e sarou. Na verdade, lembram-se: só há uma coisa que mineiro não chama de “trem”: o próprio trem (de ferro). Contam que uma família estava numa estação esperando o trem e, quando ele apontou lá longe, o marido falou pra mulher: “Pega os trens que lá vem o baita”.
Lembrei-me agora da palavra “uai”. O que significa? De uns tempos pra cá, dizem que era a senha dos inconfidentes. Quando estavam em reunião e chegava alguém pra participar dela, perguntavam quem era e o sujeito respondia “uai”, palavra que seria formada pelas iniciais do que eles defendiam: união, amor e independência. Mas acredito que é uma lenda. Uma vez um paulista perguntou a um mineiro: “O que é uai?”, e ele respondeu: “Uai é uai, uai”.
Para terminar, lembro-me dos tempos de criança, quando lia almanaques do Biotônico Foutoura ou Capivarol, que traziam muitas curiosidades. Num deles, li que um psicólogo concluiu que em regiões montanhosas há muito mais loucos do que em terras planas. “Uma questão de horizonte”, dizia. Não me lembro o que mais. Mas concordei: Nova Resende tinha pouco mais de dois mil habitantes na área urbana, e deles, uns trinta eram “loucos”. Quer dizer, reconhecidos como “loucos”, no fundo todos éramos um pouco. Eu gostava deles, desde criança. Eram criativos, inventivos.
Depois concluí que a “loucura” provocada pelas montanhas mineiras é desse tipo: mexer com o modo de viver e pensar, fazendo mineiro ser mais ensimesmado, parecendo viver meio nas nuvens, com a cabeça ruminando pensamentos, digamos, um tanto alternativos. Muitos poetas, muitos escritores… No tempo em que o Concurso de Contos do Paraná era badalado e seus prêmios cobiçados, alguém me gozou dizendo que no último dia para mandar os contos para Curitiba (valia a data da postagem) houve uma fila imensa no correio central de Belo Horizonte. Segundo disse, chegou a congestionar o trânsito na área.
Em O Boitatá e os boitatinhas, Mouzar Benedito questiona o “progresso” que destrói a natureza e expulsa as comunidades tradicionais. As ilustrações vibrantes de Hallina Beltrão mostram aos pequenos leitores os encantos da fauna e flora.
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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em coautoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2021, Editora Limiar). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente.
Gostei muito da coluna, como sempre. Ao contrário, acho que a caricatura do Mouzar, que vi hoje pela primeira vez, ficou muito a desejar.Está com um olhar invocado, quando, a meu ver, como diriam os escritores de teses, os seus oios transmitem um pouco da ironia e sacanagem dos nascidos nas Gerais
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