Marxismo, capitalismo e ecologia
Acaba de chegar o último número da revista Margem Esquerda, com entrevista com John Bellamy Foster, dossiê sobre a crise ecológica com textos de Michael Löwy, Luiz Marques, Ana Paula Salviatti, Arlindo Rodrigues e Allan da Silva Coelho, além de artigos de Luiz Eduardo Soares sobre a escalada da violência no Rio de Janeiro, Antonio Carlos Mazzeo sobre os 60 anos golpe de 1964, José Paulo Netto sobre a Revolução dos Cravos e muito mais...
Serraria, Plácido de Castro, AC, 1987, de Miguel Chikaoka
Acaba de chegar o novo número da Margem Esquerda! As intersecções entre marxismo e ecologia estão no centro desta edição. Abrindo o volume, John Bellamy Foster repassa sua trajetória intelectual e política e reflete sobre os desafios do presente em conversa com Michael Löwy, Maria Orlanda Pinassi e Fabio Mascaro Querido. O dossiê “Marxismo, capitalismo e ecologia”, organizado por Fabio Mascaro Querido, esquadrinha o problema buscando articular a teoria e prática do ecossocialismo diante de um cenário cada vez mais urgente de crise climática e civilizatória, com ensaios de Michael Löwy, Luiz Marques, Ana Paula Salviatti, Arlindo Rodrigues e Allan da Silva Coelho. A edição ainda conta com artigos de Luiz Eduardo Soares sobre a escalada da violência no Rio de Janeiro, Antonio Carlos Mazzeo sobre os 60 anos golpe de 1964, José Paulo Netto sobre a Revolução dos Cravos e muito mais…Confira abaixo a apresentação da edição feita por Artur Renzo e o sumário completo da revista.
Por Artur Renzo
Este número da Margem Esquerda vai à gráfica sessenta anos depois do Golpe Militar de 1964. O veto presidencial às cerimônias oficiais de rememoração da efeméride é emblemático da fragilidade da situação em que nos encontramos. Até quem julga acertado o aceno conciliador de Lula reconhece que o silêncio decretado escancarou o quanto estamos pisando em ovos com os militares e sobretudo com uma extrema direita que, mesmo afastada do poder, continua deixando a esquerda brasileira na defensiva. Como demonstra o cientista político e veterano do PCB Antonio Carlos Mazzeo, em artigo pedagógico sobre as lições da ditadura, o Golpe colocou na ordem do dia uma reflexão profunda sobre as raízes autocráticas da nossa burguesia e impôs uma reavaliação da estratégia da revolução brasileira. Se, no entanto, como bem aponta o autor, a postura conciliatória da esquerda hegemônica permanece hoje essencialmente inalterada, é forçoso constatar que a ruptura mais expressiva com as ilusões desenvolvimentistas do passado parece ter ficado a cargo da própria extrema direita.
Os atentados de 8 de janeiro de 2023 deixaram claro que o elo entre o golpismo abortado (mas latente) de hoje e o golpe consumado de ontem reside menos no projeto de modernização autoritária do Estado-Maior do Exército que nos porões da ditadura militar; isto é, na chamada “tigrada”, cuja expressão ideológica contemporânea é o bolsonarismo e cuja forma institucionalizada é a milícia. Esse complexo de vasos comunicantes entre crime organizado e Estado brasileiro é tema do artigo de fôlego escrito por Luiz Eduardo Soares para este número. Examinando de perto o caso fluminense, particularmente a partir dos anos 1980 com o processo de transição política, o antropólogo e especialista em segurança pública destrincha as estruturas elementares da violência no Rio de Janeiro como paradigma para compreender a onda neofascista que assola o país.
Além de produzir essas formas políticas aberrantes, o fim de linha da modernização capitalista também nos colocou, passadas essas seis décadas, diante de outro atoleiro de ilusões desenvolvimentistas: a crise ecológica. Por isso, as intersecções entre marxismo e ecologia estão no centro desta edição. Um dos nomes incontornáveis dessa linhagem é sem dúvida John Bellamy Foster. Aos 70 anos, o sociólogo estadunidense e editor da Monthly Review é categórico ao descrever a encruzilhada diante da qual nos encontramos: “ecossocialismo ou exterminismo”. Na entrevista que abre este volume, ele revisita sua trajetória político-intelectual e demonstra como a urgência da crise climática reconfigura nosso entendimento de questões-chave da política de esquerda hoje, tais como a ascensão do neofascismo, a natureza do proletariado e os modelos de transição socialista no século XXI.
Na sequência, o dossiê “Marxismo, capitalismo e ecologia” esquadrinha o problema em quatro ensaios ecossocialistas. Organizado por Fabio Mascaro Querido, o conjunto compõe um mosaico multidisciplinar de balanço científico, análise econômica, reflexão filosófica e desenho de proposições concretas. Os cliques que acompanham os textos são de Miguel Chikaoka, fotógrafo paulista radicado no Pará e cronista visual da Amazônia – com curadoria e comentário de Francisco Klinger Carvalho, editor de arte da revista.
Ainda no rol das propostas ecossocialistas concretas, a pauta de um “comunismo do decrescimento”, desenvolvida por Kohei Saito, é objeto de avaliação crítica pelo filósofo esloveno Slavoj Žižek. Atento às armadilhas ideológicas do discurso ecológico corrente, ele demonstra como a radicalidade da obra do ecomarxista japonês nos permite confrontar não apenas a extrema direita contemporânea, que nega explicitamente o aquecimento global, mas sobretudo o negacionismo progressista de quem ainda defende um horizonte de “crescimento sustentável” nos marcos do capitalismo global.
Em uma dobradinha de artigos de crítica da economia política, Maurilio Botelho e Ernst Lohoff desenvolvem leituras originais e complementares sobre o futuro da inflação e o advento de uma era de fragmentação monetária global, com consequências geopolíticas alarmantes. O leitor talvez encontre uma nota mais esperançosa na prosa erudita de José Paulo Netto, que presta seu tributo aos cinquenta anos da Revolução dos Cravos com um ensaio sobre a resistência dos escritores e poetas portugueses ao fascismo salazarista.
A edição homenageia ainda três figuras da esquerda mundial que nos deixaram no último semestre. Publicamos uma tradução inédita de um dos últimos textos do filósofo italiano Antonio Negri (1933-2023): um inspirado e inspirador prefácio a O Estado e a revolução, de Vladímir Lênin (cujo centenário de morte, aliás, comemora-se este ano). Sobre o diplomata e economista brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães (1939-2024), apresentamos um comovente comentário de Luiz Felipe Osório, professor de relações internacionais e conselheiro da revista. Por fim, fecham a edição os versos do poeta palestino Zakaria Mohammad (1951-2023), que desaguam com uma singeleza violenta a sede de justiça em Gaza.
Confira a live de lançamento da Margem Esquerda #42 com Ana Paula Salviatti, Arlindo Rodigues, Luiz Marques e Michael Löwy debatendo sobre marxismo, capitalismo e ecologia, com mediação de Fabio Mascaro Querido, na TV Boitempo:
Sumário completo
Apresentação
ARTUR RENZO
ENTREVISTA
John Bellamy Foster
FABIO MASCARO QUERIDO, MARIA ORLANDA PINASSI e MICHAEL LÖWY
DOSSIÊ: MARXISMO, CAPITALISMO E ECOLOGIA
Apresentação: Antes que seja tarde demais
FABIO MASCARO QUERIDO e MICHAEL LÖWY
Teses sobre a catástrofe (ecológica) iminente e as formas
(revolucionárias) de evitá-la
MICHAEL LÖWY
Ética ecossocialista, uma proposta concreta pós-capitalista
ALLAN DA SILVA COELHO e ARLINDO RODRIGUES
Da cúpula da Amazônia à COP28: o negacionismo
do governo brasileiro
LUIZ MARQUES
A financeirização do meio ambiente brasileiro
ANA PAULA SALVIATTI
ARTIGOS
Mobilizar para realmente desacelerar: progresso e decrescimento no
ecomarxismo de Kohei Saito
SLAVOJ ŽIŽEK
O Estado e a revolução, de Vladímir Lênin: um prefácio
ANTONIO NEGRI
Estruturas elementares da violência e do neofascismo no Rio de Janeiro
LUIZ EDUARDO SOARES
CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA
Crise do dólar e fragmentação monetária global
MAURILIO BOTELHO
O futuro da inflação: sobre o teorema da transformação da
mercadoria-dinheiro e suas implicações teóricas a respeito da inflação
ERNST LOHOFF
HOMENAGEM
Samuel Pinheiro Guimarães: um gigante na periferia
LUIZ FELIPE OSÓRIO
POESIA
Poema de número 4
ZAKARIA MOHAMMAD
SOBRE AS IMAGENS
Miguel Chikaoka e a grandeza do essencial no imaginário amazônico
FRANCISCO KLINGER CARVALHO
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Artur Renzo é editor e tradutor. Formado em filosofia e em cinema, atualmente desenvolve pesquisa de mestrado no Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.
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