Vandana Shiva e as sementes como poesia da vida

Geni Núñez escreve sobre "Terra viva", de Vandana Shiva: "Que cada pessoa tocada por este livro possa ser semente a dar continuidade às lutas coletivas, pois elas, em sua diversidade, são o único caminho para fazermos frente a uma existência monocromática."

Foto: RadFunds.

Por Geni Núñez

Inspiração mundial para pessoas, grupos, povos e comunidades que lutam pela terra e com a terra, Vandana Shiva consegue, em Terra viva: minha vida em uma biodiversidade de movimentos, apresentar-nos a um generoso panorama pessoal e político de suas abundantes lutas coletivas.

Seu diagnóstico das violências, explorações e opressões contra a terra é acurado, preciso e politicamente posicionado, em um rigor não apenas metodológico, mas sobretudo ético. Com uma coragem vital, Vandana Shiva vai, a cada página, nomeando as empresas bilionárias e seus dirigentes, os conglomerados e seus interesses, o colonialismo, o capitalismo e demais sistemas opressivos, sem deixar de denunciar explicitamente os grandes responsáveis pela destruição e tentativa de privatização do planeta.

Seu diagnóstico não se encerra aí, pois, no livro, não há apenas uma descrição das violências, mas um testemunho poderoso da resistência a elas. E assim, a cada página, a autora nomeia quem têm sido os agentes e protagonistas dessa luta. Essa nomeação extrapola a dimensão individual e dá ênfase às pluralidades e às coletividades, sem as quais nenhum movimento libertário subsiste. Se a lição da terra é que a saúde está na diversidade e não na monocultura, Vandana Shiva segue coerente em se engajar com lutas que se alinham com esse princípio. Por isso, a autoria dessa linha de frente contra a colonização, em suas múltiplas faces, também é composta de uma polifonia de vozes de mulheres, povos originários, pessoas agricultoras e trabalhadoras em geral.

Ao partilhar sua experiência, a autora reforça a importância de considerar as nuances de cada contexto, pois assim como cada solo tem sua especificidade, cada território tem suas características políticas. Reconhecer isso não nos impede, no entanto, de nos inspirarmos nos inúmeros relatos de lutas populares que acontecem em outras partes do planeta – e de aprendermos com eles –, até  porque os inimigos da terra e seus povos, em sua maioria, são os mesmos.

Que cada pessoa tocada por este livro possa ser semente a dar continuidade às lutas coletivas, pois elas, em sua diversidade, são o único caminho para fazermos frente a uma existência monocromática. Que sigamos irredutíveis na afirmação do direito originário e intransferível de toda a gente, humana e não humana, à saúde, à água, ao alimento de qualidade. Pois é este semear o antídoto contra as tentativas de patentearem o mundo. Como diz Vandana Shiva, as sementes são a poesia da vida.

“Vandana Shiva é uma mulher de força e de imensas habilidades. Inseriu na arena internacional a necessidade de proteção da biodiversidade e dos direitos de povos indígenas e de comunidades tradicionais, no espírito da Convenção sobre Diversidade Biológica. Fez isso de forma ao mesmo tempo apaixonada e baseada na razão. Sua voz nos encorajou a garantir que biodiversidade e sociodiversidade sejam respeitadas, protegidas e defendidas em todos os cantos do nosso frágil e pujante planeta.” 
Marina Silva

 
“Nesta quadra da história, a humanidade se depara com grandes dilemas, provocados pelas agressões do capitalismo: temos o problema da fome, da desigualdade social, dos ataques à natureza que geram desastres e mudanças climáticas. E temos as migrações forçadas. Vandana Shiva tem sido uma intelectual orgânica dos movimentos camponeses da Índia e de todo o mundo ao nos ajudar a entender as causas desses dilemas e a propor soluções, na defesa da soberania alimentar dos povos e do direito ao controle das sementes, assim como no combate aos agrotóxicos que matam a biodiversidade. Suas contribuições teóricas e práticas, das quais Terra viva é mais um poderoso exemplo, são fundamentais para sairmos do atoleiro em que o capitalismo colocou a humanidade.” 
João Pedro Stédile


Não perca o lançamento antecipado de Terra viva, com debate entre Ana Rüsche, Geni Núñez e João Pedro Stédile, mediação de Luisa Coelho (O Joio e o Trigo), dia 11/03 às 11h, na TV Boitempo:


Autora de importantes obras que discutem os ataques ao meio ambiente por grandes empresas e o efeito desastroso de um mau uso do solo, a doutora em física quântica e ativista ambiental Vandana Shiva faz nesse livro uma volta a suas raízes, revendo uma trajetória que acabaria por definir os movimentos em que se engajou. Assim, ela aborda fases como a infância rural vivida na Índia, sua criação na fazenda dos pais em meio às florestas, a educação libertária que recebeu deles, passando pela mudança de vida e de perspectiva que teve ao entrar na faculdade e viver em grandes centros urbanos na Índia e no exterior. Tudo isso culminando na descoberta dos movimentos de luta em defesa da natureza e dos povos nativos e de sua influência na política ambiental mundial.

Por mais de quatro décadas, a autora tem defendido de forma veemente a diversidade, o conhecimento dos povos originários, a democracia real e a soberania alimentar, além de denunciar a ligação entre o capitalismo predatório e a destruição da natureza. Ao longo de todo o livro, é apresentada ao leitor a busca de Shiva por um caminho intelectual único, que combina física quântica com ciência, tecnologia e política ambiental.

Lançada originalmente em 2022, a obra narra os caminhos e escolhas que levaram a autora a se envolver na luta pela natureza, o que inevitavelmente a fez mergulhar no debate sobre questões éticas e políticas que afetam o planeta e seus povos. Terra viva traz à tona os desafios que enfrentamos no presente – incluindo aqueles realçados pela crise da covid-19, a privatização da biotecnologia e a mercantilização de nossos recursos biológicos e naturais.

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Geni Núñez é ativista indígena Guarani, escritora, psicóloga, mestra em Psicologia Social e doutora pelo Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFSC, além de coassistente da Comissão Guarani Yvyrupa. 

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