Mario Duayer e a crítica ontológica da filosofia da ciência contemporânea

"Teoria social, verdade e transformação" não está marcado nem por um dogmatismo metafísico que estaria em oposição ao positivismo que se fia na certeza sensível nem ao relativismo que se nutre da linguagem desventurada. Ao contrário, contempla a posição de que a verdade só se mostra na apresentação crítica que não poupa a si mesma e que duvida de tudo à princípio.   

Por Eleutério F. S. Prado

Com uma posição inquieta – mas também severa e irônica – dentro do marxismo, Mario Duayer se empenha em desenvolver uma crítica ontológica da filosofia da ciência contemporânea. A partir principalmente da obra madura de Lukács, mas também de Bhaskar, Duayer enfrenta as teses de autores consagrados como Habermas, Kuhn, Lakatos e Rorty, entre outros, para debater e combater tanto o positivismo lógico quanto o relativismo pragmático que veio a ter primazia nesse campo do conhecimento.

Como se sabe, a ontologia clássica toma o ser como ser fixo, enquanto a dialética toma o ser como ser em processo, em devir, o qual, por isso mesmo, contém em si contradições determinadas. Assim, a ontologia histórica, conforme está escrito neste livro, “não confere primazia à crítica lógico-gnosiológica”, ou seja, àquela que elimina “qualquer vinculação necessária entre representação e realidade”, para se concentrar exatamente nas determinações contraditórias do ser social. Para Duayer, é justamente essa falta, essa ausência de compromisso com o que advém da práxis material para se ater ao simbólico enquanto tal, que compromete as filosofias conservadoras que medram no solo movediço do capitalismo contemporâneo.

Como teórico radical, o autor busca as raízes sociais desse modo de pensar que se funda no caráter de mediação da linguagem para negar a objetividade do conhecimento possível. Eis que se difunde num momento histórico em que o capitalismo aparece como o fim da história, enquanto avultam problemas que os seus defensores não podem mais colocar na conta do futuro. Ora, essas raízes são encontradas no estilo da prática social e histórica. O caráter contextual e, portanto, relativo de todo conhecimento, se lhe afigura adequado à uma época em que a transformação – seja progressista, reformista ou revolucionária – entrou em oclusão. Teoria social, verdade e transformação não está marcado nem por um dogmatismo metafísico que estaria em oposição ao positivismo que se fia na certeza sensível nem ao relativismo que se nutre da linguagem desventurada. Ao contrário, contempla a posição de que a verdade só se mostra na apresentação crítica que não poupa a si mesma e que duvida de tudo à princípio.   


Os artigos presentes em Teoria social, verdade e transformação, escritos ao longo dos últimos 30 anos, endereçam uma crítica marxista às teorias da ciência e do conhecimento hoje dominantes, empreendendo um ataque ao relativismo e procurando defender a vigência do conceito filosófico de verdade. A obra é uma amostra da produção teórica madura de Mario Duayer e abarca o conjunto de temas aos quais ele dedicou parte substantiva de sua atividade como professor e pesquisador: crítica ontológica, filosofia da ciência e crítica do valor.
 
A crítica ontológica serve de guia para os doze textos do volume. Comparecem ao texto autores como Richard Rorty, Thomas Kuhn, Irme Lakatos, John Searle e Roy Baskhar para terem seu pensamento rigorosamente esquadrinhado. O resultado é um livro vibrante, de forte teor literário, com acentos irônicos e humorísticos, que revela um pensador único. Diferentemente do que se poderia esperar, a proposta de conectar os conceitos de verdade e de transformação social, ainda mais de um ponto de vista marxista, não soa como algo extemporâneo, mas como uma lufada de ar puro no debate da filosofia das ciências. Duayer não cede a clichês, mas reinventa o sentido e a articulação dos conceitos com os quais trabalha.  
 
“Este é um livro corajoso, demonstração da maturidade de um filósofo, sobretudo de um grande estudioso do marxismo, que é capaz de enfrentar os desafios postos pelas questões mais espinhosas ligadas à produção do conhecimento com uma coragem, uma qualidade, uma densidade e uma erudição raras. Raras não apenas por aqui, nas plagas brasileiras. Raras também no cenário internacional. Mario Duayer se defronta com os mais importantes e mais conhecidos internacionalmente filósofos da ciência”, escreve Virgínia no prefácio.

O livro de Mario Duayer tem apresentação de Maurício Vieira Martins, prefácio de Virgínia Fontes, texto de orelha de Eleutério F. S. Prado e capa de Victória Lobo.



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Eleutério F. S. Prado é professor titular e sênior do Departamento de Economia da USP.

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