O provocativo e profundo Lukács de Nicolas Tertulian

Verdadeira autobiografia filosófica do autor, é ao mesmo tempo uma eficaz tentativa de justificar a importância histórica e a atualidade do pensamento de György Lukács.

Les trois philosophes, de Giorgio Barbarelli da Castelfranco.

Por Miguel Vedda

Provocativo e profundo, Por que Lukács? é um livro que pode gerar diversas interpretações, todas elas frutíferas. Verdadeira autobiografia filosófica do autor, é ao mesmo tempo uma eficaz tentativa de justificar a importância histórica e a atualidade do pensamento de György Lukács. Também constitui uma análise do panorama político e intelectual dos países do “socialismo real”, que permite entender as causas – em grande parte ignoradas pelo público ocidental – do ostracismo e da perseguição sofridos pelo filósofo húngaro e por seu intérprete romeno.

Em sua análise de obras específicas, conduzida com seu habitual rigor, Tertulian aplica o método de crítica imanente promovido por Marx e Lukács. O objetivo é mergulhar na interioridade do corpus a ser examinado para encontrar os pontos vulneráveis e romper a casca, tornando possível assimilar a substância. A condenação de Lukács (e de Tertulian) das teorias de viés sociológico da cultura, ou, num plano mais geral, do economicismo, encontra seu melhor argumento em uma abordagem que prefere entrar no campo a ser examinado como se desbravasse um território desconhecido, suspendendo assim suas crenças e preconceitos prévios.

Em termos teóricos e críticos, Por que Lukács? oferece reflexões agudas e detalhadas sobre as obras desse grande pensador – A destruição da razão, Estética, Ontologia, entre outras –, que Tertulian examina de maneira precisa e com a clareza que caracteriza seus escritos.

Em um nível pessoal, o livro apresenta histórias inefáveis sobre uma variedade de intelectuais com os quais o autor teve contato: Heidegger, Bloch, Adorno, Marcuse, Steiner, Lacoue-Labarthe, Semprún, Starobinski. As considerações sobre o suposto “stalinismo” de Lukács ou sobre as posições e os contatos pessoais do filósofo húngaro com a Escola de Frankfurt ou com Sartre e Merleau-Ponty enriquecem, por outro lado, com aspectos inovadores, dimensões pouco exploradas pelos trabalhos anteriores. Realizada por dois grandes estudiosos da obra lukacsiana, a presente tradução permitirá um acesso privilegiado a este livro indispensável.

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Por que Lukács? é o que se poderia chamar de uma autobiografia intelectual do pensador romeno Nicolas Tertulian, construída tendo como contraponto as obras de György Lukács e eventos que marcaram a vida de ambos. No livro, Tertulian apresenta ao leitor a relação intelectual dele com o filósofo, as motivações que o levaram a se dedicar ao conjunto da obra de Lukács, ao mesmo tempo que lista informações sobre os escritos de Lukács e sobre seus embates com figuras de destaque de seu tempo.

Com esse trabalho, o último de seus escritos, Tertulian lança luz sobre fatos marcantes da vida de Lukács e da prática política do autor, cuja postura, até hoje, permanece não totalmente esclarecida, sendo motivo de polêmica.

Segundo Juarez Torres Duayer, tradutor do livro, e Ester Vaisman, responsável pela revisão da tradução, a obra, “além de possibilitar o acesso aos caminhos pessoais e intelectuais de Nicolas Tertulian, reconstrói os principais debates que se desenvolveram em torno da figura e da obra do pensador húngaro, muitas delas tendo a participação direta do próprio Tertulian”. Segundo eles, esse é um livro que está “destinado a esclarecer as múltiplas controvérsias – no mais das vezes injustas e equivocadas – que foram geradas, em diversos âmbitos, em torno da obra e da figura de Lukács”.



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Miguel Vedda é doutor em Letras e catedrático de Literatura Alemã da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires.

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