A manipulação do antissemitismo como instrumento de censura às críticas a Israel

Como judeus progressistas em um país que sustenta índices alarmantes de violência contra negros, indígenas, mulheres e LGBTs, convocamos todos os indivíduos e comunidades para o combate eficaz do antissemitismo, da islamofobia – que tem resultado no aumento da perseguição a mulçumanos e árabes no Brasil e no mundo –  e de todas as formas de discriminação, opressão e intolerância.

FOTO: KIM DORIA

Por Vozes Judaicas por Libertação

Quase invariavelmente, entre os analistas convidados pela grande mídia para comentar o massacre em curso na Palestina, há membros de organizações sionistas que supostamente representam a posição universal e oficial dos judeus brasileiros, como o Instituto Brasil-Israel, a Stand With Us Brasil, a CONIB, a FISESP e outras. 

Os porta-vozes dessas organizações costumam rotular como antissemita qualquer pessoa – judia ou não – que faça críticas ao Estado de Israel.

É fundamental distinguir antissemitismo, ódio aos judeus, de antissionismo, oposição à ideologia política sionista. No entanto, a luta contra o antissemitismo tem sido instrumentalizada pela máquina de propaganda israelense e por seus agentes locais no Brasil, na tentativa de legitimar o extermínio do povo palestino. 

A exemplo disso, vimos a censura ao jornalista Breno Altman, através de ação judicial movida pela Confederação Israelita do Brasil (CONIB). O juiz acatou parcialmente o pedido de censura da CONIB, considerando declarações críticas ao sionismo e ao Estado de Israel feitas por Altman em rede social como injúria, decretando pena de R$500 por dia enquanto as declarações estiverem mantidas públicas. 

Este é o caso mais recente de perseguição, que já teve como alvo o padre Júlio Lancelotti e o professor da FGV Salem Nasser – todos atacados por terem se manifestado em defesa dos palestinos. Também o músico Roger Waters foi acusado de antissemitismo por suas declarações pela libertação dos palestinos. Mundo afora, a lista de perseguidos e demitidos por suas posições cresce, a exemplo da atriz Susan Sarandon e de muitos universitários judeus nos EUA. 

A frase “Israel ataca como Estado e se defende como religião” descreve bem essa dinâmica. Diversos acadêmicos judeus antissionistas, como Norman Finkelstein, Illan Pappé e Noam Chomsky, têm insistido há décadas que a promoção da confusão entre antissionismo e antissemitismo por parte de Israel é intencional, premeditada e muito eficiente para interditar críticas ao seu regime político. 

Politicamente, essa confusão cumpre a função de calar e deslegitimar as vozes que se levantam contra o apartheid sionista. A acusação de antissemitismo é frequentemente direcionada aos palestinos pela sua resistência anticolonial à ocupação israelense. Interpretamos essa resistência não como um ódio particular aos judeus, mas sim como uma reação à constante subjugação a qual estão submetidos desde a fundação de Israel.

Vemos com grande preocupação organizações sionistas no Brasil reproduzindo a política oficial de propaganda israelense no debate público nacional. Sob uma suposta autoridade para opinar sobre a questão Palestina, a partir de um “lugar de fala” judeu, os representantes dessas organizações rotulam os apoiadores do povo palestino como “defensores de terroristas”, “disseminadores do ódio”, “simpatizantes do Hamas” e afins.

Há uma tentativa de tornar o racismo anti-judeu uma forma particular e excepcional de racismo em desacordo com a legislação vigente no Brasil, como forma de censurar e perseguir os críticos de Israel e do sionismo político. Chama atenção que os autores dessa tentativa não têm usado a sua influência política para somar esforços na luta dos movimentos negros e indígenas, por exemplo. Isso revela um oportunismo em demarcar o excepcionalismo do racismo anti-judeu.

Vemos com particular preocupação a ofensiva de organizações sionistas brasileiras em impor a definição de antissemitismo elaborada pela Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA) a governos, instituições públicas, universidades e a sociedade civil. A definição da IHRA foi recentemente adotada pelas prefeituras de São Paulo e Rio de Janeiro como oficial e servirá para a elaboração de materiais educativos oficiais, assim como baseou a denúncia da CONIB contra Breno Altman. 

A definição da IHRA não nos parece ter sido elaborada com intuito de proteger as comunidades judaicas da crescente intolerância e ataques racistas que enfrentamos, predominantemente por supremacistas brancos e atores políticos da extrema direita. Em vez disso, tem sido empregada em muitos países como um silenciamento de ativismos críticos a Israel. Muitas organizações palestinas, israelenses, de direitos humanos e da sociedade civil global, bem como acadêmicos, escritores e ativistas, incluindo um dos autores originais da IHRA, condenaram o seu impacto antidemocrático e repressivo.

Essa atuação das organizações sionistas em torno do antissemitismo inibe as liberdades de expressão e imprensa defendidas pela Constituição brasileira. Nós entendemos que a luta contra o antissemitismo é parte indissociável da luta contra todas as formas de racismo e opressão. Legislar uma definição estática, que manipula o significado de antissemitismo para silenciar críticas a Israel, enfraquece os esforços da nossa sociedade em combater o racismo anti-judeu. 

Como judeus progressistas em um país que sustenta índices alarmantes de violência contra negros, indígenas, mulheres e LGBTs, convocamos todos os indivíduos e comunidades para o combate eficaz do antissemitismo, da islamofobia – que tem resultado no aumento da perseguição a mulçumanos e árabes no Brasil e no mundo –  e de todas as formas de discriminação, opressão e intolerância.


A Boitempo faz parte do Publishers for Palestine, coletivo de solidariedade global com mais de 300 editoras e livrarias que defendem a justiça, a liberdade de expressão e o poder da palavra escrita em solidariedade ao povo palestino.

Hoje, 29 de novembro, é Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, e início da semana especial #ReadPalestine. Compartilhe leituras e informações que honrem a luta pela libertação da Palestina e compareça aos atos convocados para a data.

Confira nossa seleção de leituras, vídeos e artigos. E aproveite 20% de desconto em nosso site em títulos selecionados até 6/12.

Caminhos divergentes, de Judith Butler
A partir das ideias de Edward Said e de posições filosóficas judaicas, Butler articula uma crítica do sionismo político e suas práticas de violência estatal ilegítima, nacionalismo e racismo patrocinado pelo Estado. Além de Said, reflete sobre o pensamento de Levinas, Arendt, Primo Levi, Buber, Benjamin e Mahmoud Darwish para articular uma nova ética política, que transcenda a judaicidade exclusiva e dê conta dos ideais de convivência democrática radical, considerando os direitos dos despossuídos e a necessidade de coabitação plural.

Ideologia e propaganda na educação, de Nurit Peled-Elhanan
A professora de linguagem da educação investiga os recursos visuais e verbais utilizados em livros didáticos de Israel para representar a população palestina. Mobilizando o arcabouço teórico e metodológico da análise crítica do discurso e da análise multimodal, Nurit Peled-Elhan examina a apresentação de imagens, mapas, layouts e o uso da linguagem em livros de história, geografia e educação moral e cívica. O resultado é uma detalhada exposição dos mecanismos pelos quais esses materiais escolares moldam um imaginário de marginalização dos palestinos. 

Colonialismo e luta anticolonial, de Domenico Losurdo
Tendo como conceitos centrais os temas do imperialismo, do racismo e da dominação colonial, a obra apresenta uma compreensão estratégica da luta de classes internacional durante o século XX e sua continuidade no século XXI. Das ligações teóricas entre o regime nazista e os Estados Unidos até a chamada “indústria da mentira” em operação nos recentes conflitos na Síria e no Iraque, os métodos da dominação colonial são expostos e integrados a uma visão histórica do desenvolvimento do capitalismo sob hegemonia estadunidense.  

A liberdade é uma luta constante, de Angela Davis
Esta ampla seleção de artigos traz reflexões sobre como as lutas históricas do movimento negro e do feminismo negro nos Estados Unidos e a luta contra o apartheid na África do Sul se relacionam com os movimentos atuais pelo abolicionismo prisional e com a luta anticolonial na Palestina. A obra da intelectual e ativista Angela Davis ensina também a pensar a nossa luta em relação a todos os “condenados da terra”, como escreveu Frantz Fanon.

Blog da Boitempo
O que é um genocídio?, por Vladimir Safatle
A questão da Palestina e as Brigadas Internacionalistas, por Milton Pinheiro
Por quem os sinos dobram, Gaza?, por Urariano Mota
Genocídio palestino e o grito de Antígona, por Berenice Bento
O genocídio palestino e palavras que matam, por Berenice Bento
Palestina, meu amor, por Berenice Bento
Além do luto: sobre amar e ficar com aqueles que morrem em nossos braços, por Devin G. Atallah
Vidas palestinas importam, por Luis Felipe Miguel
O alcance do luto, por Judith Butler
Razão e desrazão de uma guerra, por Mauro Iasi
Sobre a Palestina, a G4S e o complexo industrial‑prisional, por Angela Davis
Israel e Hamas: onde está a verdadeira linha divisória?, por Slavoj Žižek
Fontes da resistência palestina, por Osvaldo Coggiola
Levante na Palestina, por Tariq Ali

Rádio Boitempo

TV Boitempo


***
O coletivo Vozes Judaicas por Libertação foi fundado em novembro de 2023 depois de anos em gestação e é formado por judeus não sionistas que tem como objetivo criar um espaço alternativo à ideologia sionista e combater o colonialismo do Estado de Israel. Reivindicamos as mobilizações antirracistas e anticoloniais pela libertação de povos racialmente subalternizados na Palestina, no Brasil e em todo mundo.


1 Trackback / Pingback

  1. Para entender a luta palestina – Blog da Boitempo

Deixe um comentário