Por quem os sinos dobram, Gaza?

“A morte de todo homem me diminui, porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca perguntes por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti”.

Foto: Soldados israelenses no norte de Gaza. Ronen Zvulun/Reuters

Por Urariano Mota

Diante dos assassinatos de crianças ainda no berçário, diante dos crimes de guerra contra civis, dos massacres cometidos pelo governo de extrema-direita de Israel contra palestinos, vem à lembrança a poesia imortal de John Donne: “A morte de todo homem me diminui, porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca perguntes por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti”.

O texto integral das linhas desse poema em prosa foi traduzido por nosso inesquecível escritor e pensador comunista José Carlos Ruy aqui.

Todos sabem, Hemingway teve a sensibilidade de tornar famoso e recente o poema ao dar nome a seu romance Por quem os sinos dobram. Então eu, perdido por não saber como escrever sobre o massacre de Gaza, achei melhor lembrar poetas amigos, que escreveram sobre a desgraça da gente palestina. O imenso poeta Alberto da Cunha Melo escreveu:  

Natal
Longe do Olimpo, um deus nascia
roxo, a gritar, como os humanos,
um deus sem flâmulas nascia,
para os perdidos e os insanos;

nada tinha do deus heleno
o deus menino sobre o feno,

era um deusinho de brinquedo
no quintal do Império Romano,
era o deus do povo com medo,

um deus sem sorte, palestino,
e sem teto, desde menino.

O grande poeta Gustavo Felicíssimo publicou nestes dias:  

Queda-te, Senhor, entre nós
Queda-te, Senhor, entre nós,
para que possamos mostrar-Te
o nome do Teu filho impresso
no cano de poderosos fuzis
e em antigos livros que unem
e separam os homens.
Queda-te, Senhor, entre nós,
para que possamos mostrar-Te
aquele franzino Davi
montado em poderosos helicópteros
e tanques de guerra
subjugando o seu irmão.
Queda-te, Senhor, entre nós,
para que possamos mostrar-Te
o choro desesperado da criança
sobre os escombros que soterraram seus pais
tornando-a mais uma entre milhões
de órfãos esquecidos de todas as guerras.
Queda-te, Senhor, entre nós,
para que possamos mostrar-T
os silos e armazéns abarrotados
de milho e soja, trigo e açúcar
enquanto metade da humanidade não dorme
com medo da que não come.
(Inspirado em Josué de Castro)
Queda-te, Senhor, entre nós,
para que possamos, enfim, ver-Te
com estes olhos que a terra há de comer
e para que Possas também nos lembrar
que a videira é seca, suja e torta:
que este vale é feito de lágrimas.

Mas eu, que não sou poeta, e gostaria muito de ser um, me valho de um trecho do meu próximo romance, ainda inédito:

Na infância, o que é ninguém? Não é uma criança soterrada pelo barro de uma casinha que lhe caiu por cima, não é a boca aberta à procura de ar, nem é um menino morto, porque ainda se referem a ele como um menino. Perguntam-lhe pelo nome, querem saber as circunstâncias da morte soterrado. Essa criança ainda é um alguém, apesar da desgraça. Mas “ninguém” é não existir. Isso é o mesmo de abafado em angústia, em permanente angústia, cuja perspectiva é angústia. Um longo caminho no escuro sem rumo ou orientação. Gargalha o diabo?

Então eu volto a John Donne:
“A morte de todo homem me diminui, porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca perguntes por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti”.

Hoje, os sinos tocam pelos palestinos. Os sinos tocam por todos nós.


Caminhos divergentes, de Judith Butler
A partir das ideias de Edward Said e de posições filosóficas judaicas, Butler articula uma crítica do sionismo político e suas práticas de violência estatal ilegítima, nacionalismo e racismo patrocinado pelo Estado. Além de Said, reflete sobre o pensamento de Levinas, Arendt, Primo Levi, Buber, Benjamin e Mahmoud Darwish para articular uma nova ética política, que transcenda a judaicidade exclusiva e dê conta dos ideais de convivência democrática radical, considerando os direitos dos despossuídos e a necessidade de coabitação plural.

Ideologia e propaganda na educação, de Nurit Peled-Elhanan
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Cultura e política, de Edward W. Said
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A liberdade é uma luta constante, de Angela Davis
Esta ampla seleção de artigos traz reflexões sobre como as lutas históricas do movimento negro e do feminismo negro nos Estados Unidos e a luta contra o apartheid na África do Sul se relacionam com os movimentos atuais pelo abolicionismo prisional e com a luta anticolonial na Palestina. A obra da intelectual e ativista Angela Davis ensina também a pensar a nossa luta em relação a todos os “condenados da terra”, como escreveu Frantz Fanon.

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Urariano Mota  é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. É colunista do Vermelho. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, de O filho renegado de Deus (Bertrand Brasil, 2013), uma narração cruel e terna de certa Maria, vítima da opressão cultural e de classes no Brasil, do Dicionário Amoroso do Recife (Casarão do Verbo, 2014), e de A mais longa duração da juventude (Editora LiteraRUA) que narra o amor, política e sexo dos militantes contra a ditadura.

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