O ultraliberalismo e a guerra visceral do grande capital

"A ordem do capital" é uma nova peça-chave para comprovar que as distorções que eram identificadas a olho nu são parte de uma ideologia meticulosamente construída que ajudou a eliminar todas as tentativas de melhoria social no período pós-Primeira Guerra Mundial. E que o ultraliberalismo de hoje é apenas extensão de uma guerra visceral do grande capital, visando ao controle político do mundo.

Por Luís Nassif

No começo do século XX, Manoel Bonfim, o mais visionário dos brasilianistas, descrevia o processo de crise do país. Dizia que grupos se encastelavam no Estado e provocavam uma crise – no caso, a crise da dívida, que levou ao encilhamento. Quando a nação começa a se dar conta desses abusos, o governo coloca na linha de frente o “financista”, o sujeito que estudou economia na Europa e está alinhado com o que supostamente de mais avançado a ciência desenvolveu. E o “financista” toma uma série de medidas que fazem com que a crise do Estado se converta em crise nacional.

No padrão-ouro, acumular superávit comercial era a maneira mais segura de estabelecer as reservas de ouro de um país. Qualquer gasto público extra ou flexibilização do crédito – bases para políticas redistributivas – resultaria em evasão de ouro e se mostrava, portanto, inviável. Esse mantra prosseguiu quando o ouro foi substituído pelo papel-moeda. Hoje, com a leitura deste A ordem do capital, de Clara Mattei, é possível desvendarmos as raízes dessa tragédia secular: “Apesar das repetidas crises econômicas, ainda confiamos em economistas para encontrar a solução quando uma nova crise emerge, e as soluções que eles apresentam continuam a exigir que os trabalhadores absorvam a maior parte dos sacrifícios, por meio de salários mais baixos, jornadas de trabalho mais longas e cortes nos programas sociais”, diz a autora.

Desde o plano Real, o Brasil convive com políticas de austeridade. O mito da “lição de casa” frequentou todos os governos – de FHC a Lula, de Pedro Malan a Antonio Pallocci, chegando a Joaquim Levy e Paulo Guedes. Era a miragem do pote de ouro no fim do arco-íris, de que, se fizermos tudo o que a teoria econômica indica, o sacrifício de agora será compensado no final. Esse engodo envolveu governos neoliberais, desvirtuou a social-democracia, levou governos populares – no mundo e, em especial, aqui – a aderir a essas teses, tomadas por científicas e consensuais. Nunca aconteceu, e todos os iludidos do mundo acordaram em 2008.

Não adiantava a observação empírica de analistas apontando para a incongruência de se cortarem benefícios da Previdência Social e, ao mesmo tempo, se aceitarem taxas de juros sobre a dívida pública que representavam valores muito mais substanciais.

Tendo isso em vista, A ordem do capital é uma nova peça-chave para comprovar que as distorções que eram identificadas a olho nu são parte de uma ideologia meticulosamente construída que ajudou a eliminar todas as tentativas de melhoria social no período pós-Primeira Guerra Mundial. E que o ultraliberalismo de hoje é apenas extensão de uma guerra visceral do grande capital, visando ao controle político do mundo.

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Por mais de um século, diferentes países e governos enfrentaram crises financeiras ao aplicar cortes em políticas públicas e precarizar as relações de trabalho. Embora tenham sido bem-sucedidos em acalmar os credores e o mercado, os efeitos no bem-estar social e econômico da classe trabalhadora foram devastadores. Em tempos de crises e incertezas, a austeridade continua sendo praticada em todo o globo. A ordem do capital, de Clara Mattei, é um estudo profundo e interdisciplinar sobre a relação entre austeridade e ascensão do fascismo.
 
Voltando ao início do século XX, a economista traça as origens da austeridade no entreguerras na Grã-Bretanha e na Itália, revelando como a autonomia da classe trabalhadora nos anos pós-Primeira Guerra Mundial incentivaram um conjunto de políticas econômicas de cima para baixo que sufocou os trabalhadores e impôs uma hierarquia ainda mais rígida em suas sociedades. Foi quando a austeridade revelou seu principal objetivo, a proteção do capital e a eliminação de todas as alternativas ao sistema capitalista, e foi nesse contexto que a política econômica funcionou como aliada ao fortalecimento do fascismo.
 
Considerado pelo Financial Times um dos melhores livros de 2022 e por Thomas Piketty como “leitura obrigatória, com importantes lições para o futuro”, A ordem do capital, com sua base teórica sólida e fontes históricas e arquivísticas originais, oferece um novo olhar sobre a história da austeridade, intrinsicamente conectada com a economia moderna e com o poder político contemporâneo. 

O livro de Clara Mattei tem tradução de Heci Regina Candiani, texto de orelha de Luís Nassif, capa de Maikon Nery e apoio da Fundação Perseu Abramo.

“Mattei nos lembra que a austeridade é uma luta de classes unilateral, conduzida em números
e defendida no jargão dos economistas.”
The Guardian

“Um fascinante tratado histórico sobre a ascensão das políticas de austeridade e sua relação
com o fascismo. Leitura obrigatória, com lições fundamentais para o futuro. Economia política
histórica de primeira.”
Thomas Piketty

“Um estudo muito impressionante. Mattei demonstra como a manutenção da dicotomia
entre as esferas política e econômica, tipicamente na forma de programas de austeridade, tem
sido há um século um instrumento-chave da guerra de classes, abrindo caminho para o
fascismo.”
Noam Chomsky

“Em um momento de alta de inflação, em que os governos se sentem inclinados a voltar a
‘apertar o cinto’, este livro se torna mais relevante que nunca.”
Mariana Mazzucato

“Uma obra notável para o momento que estamos vivendo.”
James Galbraith

“A austeridade não é um erro político inocente, mas uma falácia funcional a interesses
obscuros. Este livro admirável expõe a agenda oculta da austeridade.”
Yanis Varoufakis


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Luís Nassif é jornalista. Foi colunista e membro do conselho editorial da Folha de S. Paulo, escrevendo por muitos anos sobre economia neste jornal.

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