Gramsci e a aliança operário-camponesa

Inéditos em sua grande maioria para o público brasileiro, os textos de "Vozes da terra" reservam muitas surpresas. O leitor se depara com uma realidade em ebulição, permeada de desafiadores problemas sociais, de uma intensa trama de atores e candentes embates políticos.

Por Giovanni Semeraro

Inéditos em sua grande maioria para o público brasileiro, os textos de Vozes da terra reservam muitas surpresas. Ler os vinte artigos publicados por Antonio Gramsci entre 1919 e 1926, em jornais e revistas, representa um verdadeiro mergulho na Itália do início do século XX. Conduzido nesse contexto, o leitor se depara com uma realidade em ebulição, permeada de desafiadores problemas sociais, de uma intensa trama de atores e candentes embates políticos.

A perspicácia por trás da organização deste volume fica evidente desde a seleção dos textos – em torno da temática da terra e dos conflitos entre os grandes proprietários agrários e os camponeses em condições feudais, marginalizados pelo fosso que se alargava entre o Norte e o Sul da Itália; isto é, entre as regiões ricas do capitalismo industrial e financeiro, impulsionado pela “modernização burguesa”, e o Mezzogiorno colonizado e deixado no atraso. Ao longo destas páginas, acompanhamos a trajetória de Gramsci naqueles anos marcados pela ascensão do fascismo. Engajado numa atividade política frenética, o marxista sardo encara a complexa e crucial “questão meridional”, opondo-se ao “banditismo” e às revoltas intempestivas e isoladas, esgrimindo suas armas com a verve mordaz do jornalismo de combate e envolvido na construção da aliança operário-camponesa, decisiva não só para dar lastro efetivo à Itália recém-unificada, mas, principalmente, para organizar a revolução, como acabara de ocorrer na Rússia, em resposta à crise do capitalismo da Europa ocidental sustentada na exploração do trabalho e no colonialismo.  

Quando chegamos ao último quadro da galeria – que se gostaria de continuar percorrendo –, é nítida a percepção de que não se trata apenas de uma viagem para o passado, mas da descoberta de um mapa precioso que permite entender melhor a gênese do pensamento de Gramsci e, principalmente, auxilia no enfrentamento dos desafios políticos da atualidade. Não apenas do Brasil fraturado por conflitos de classe e divisões regionais, às voltas com a conquista da terra “por aqueles que nela trabalham” e com a articulação das forças sociais dispersas, mas, também, na construção de uma nação soberana de caráter “nacional popular” em conexão com a disputa epocal que vem sendo travada no reordenamento do tabuleiro mundial entre o imperialismo do Norte e as “vozes da terra” de grandes massas que se insurgem no Sul Global. Leitura obrigatória nos dias que correm.

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Vozes da terra, nova obra da coleção Escritos Gramscianos, reúne vinte textos de Antonio Gramsci publicados entre 1919 e 1926. Os artigos abordam, essencialmente, a relação entre o Sul e o Norte da Itália, que vivia, desde o século XIX, com uma disparidade social e econômica: o Norte em situação razoável de industrialização e o Sul estagnado em uma economia agrária com resquícios feudais.

Com dezessete dos artigos publicados pela primeira vez em português, o livro traz um retrato da Itália nos anos pré-fascismo, como a relação entre os operários do Norte e os camponeses do Sul: “Nas cartas e nos cadernos vê-se como a questão meridional persistiu no campo de preocupações de Gramsci e como nesses textos ela ganha amplitude e complexidade”, escreve Marcos Del Roio na apresentação. A ebulição da política local, os embates entre os partidos de esquerda italianos da época e o fascínio com a revolução que se avistava na Rússia também são temas que perpassam os textos.

A obra de Antonio Gramsci tem tradução de Rita Coitinho e Carlos Nelson Coutinho, apresentação e organização de Marcos Del Roio, texto de orelha de Giovanni Semeraro, notas da edição de Rita Coitinho e Marília Gabriella Borges Machado e capa de Maikon Nery.

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Giovanni Semeraro é professor titular na Universidade Federal Fluminense onde leciona Filosofia da Educação na Graduação e no Programa de Pós-Graduação (PPGE).

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