A importância da terra e da luta anticolonial para Gramsci

Da questão sarda e da questão camponesa, articulada à luta operária dos grandes centros industriais e às observações interessadas sobre os desenvolvimentos na Rússia revolucionária, Gramsci produz sua própria versão da teoria revolucionária inspirada em Marx e Engels, também estes dois teóricos profundamente preocupados com a subjugação dos povos nas colônias.

ILUSTRAÇÃO: LEOPOLDO MENDÉZ

Por Rita Coitinho

São marcantes na vida, na militância política e na obra teórica de Antonio Gramsci quatro elementos: a Sardenha, sua terra de origem, rural e subdesenvolvida; o pujante e combativo proletariado de Turim, região industrial do Norte italiano; a formação linguística e cultural da Itália, paixão intelectual que o jovem Gramsci perseguiu, chegando a tentar dedicar-se aos estudos linguísticos, mas impedido pela sua pobreza e doença; a revolução de russa de 1917. Há outros elementos, por certo. Mas não há como ler Gramsci sem notar a presença permanente desses temas em seus textos políticos e mesmo em suas reflexões solitárias do cárcere, onde um Gramsci mais maduro – e curtido pelas disputas políticas e perseguições dos anos do ascenso do Fascismo na Itália – aprofundaria os temas que já povoavam seus textos de combate dos anos de militância e formação do Partido Comunista da Itália.

Como podemos ler na biografia intelectual de Gramsci, escrita por Gianni Fresu, a partir do vínculo juvenil de Gramsci com a Sardenha floresceriam, na fase adulta, as reflexões que o levaram à formulação de suas teses para a revolução italiana, nas quais a relação Norte-Sul assumiu papel central, articulada à aliança entre operários e camponeses. A terra, cuja apropriação privada por poucos, ao custo da miséria de milhares, era o elemento fundante da formação econômico-social do sul italiano. Região rural, marcada por latifúndios e pelo trabalho semi-servil – uma permanência do período feudal – o Sul italiano sofria, na interpretação de Gramsci, a drenagem de recursos dirigidos ao Norte industrializado, por meio da própria política tributária italiana e pela manutenção, com a participação das classes dominantes do sul, da situação de subdesenvolvimento. A relação Norte-Sul era equivalente a uma relação colonial.

Para ele, a manutenção do povo camponês na situação de miserabilidade extrema, sua caracterização, pelas classes dominantes (e até pela “ciência” da época) como um povo de natureza inferior – operava-se uma verdadeira racialização do povo sardo e do povo das ilhas e do sul –, serviam à manutenção da situação desigual, necessária à transferência de recursos para a industrialização do Norte. De olho nas conquistas políticas da revolução de Outubro, na Rússia, Gramsci realiza a “tradução” da fórmula dos bolcheviques para a realidade italiana: aliança operário-camponesa, aliança dos oprimidos do Norte e do Sul, para a reorganização do trabalho no campo e na cidade, sob o controle dos trabalhadores, tornando a terra mais produtiva e capaz de dar sustentação ao pleno desenvolvimento industrial que permitiria a distribuição da riqueza para a maioria do povo.

As formulações de Gramsci acerca da subalternidade dos povos do Sul – mais especificamente, dos camponeses pobres do sul, a ampla maioria da população da região – extravasa as fronteiras da Itália, e são por ele traduzidas também para as realidades coloniais. À maneira de Lênin, Gramsci formula uma teoria da luta anticolonial, que já se apresenta no texto de 1920, “As populações coloniais”, onde lemos:

 “A sujeição  das populações coloniais foi a condição  do desenvolvimento  que o  sistema capitalista alcançou  antes da guerra: o  esforço  realizado  pelos Estados burgueses para levar a cabo  essa obra de sujeição,  um esforço  de expansão imperialista,  serve para caracterizar toda a fase da história do capitalismo que leva à conflagração mundial, no curso da qual se subvertem as relações da luta das classes e as forças geradas pelo  capitalismo  ganham a capacidade de derrubar seu opressor e de libertar-se”.

Como se vê, da questão sarda e da questão camponesa, articulada à luta operária dos grandes centros industriais e às observações interessadas sobre os desenvolvimentos na Rússia revolucionária, Gramsci produz sua própria versão da teoria revolucionária inspirada em Marx e Engels, também estes dois teóricos profundamente preocupados com a subjugação dos povos nas colônias. Uma teoria pujante que até os dias de hoje inspira estudiosos e militantes revolucionários do mundo – especialmente na América Latina, região onde Gramsci vem despertando o interesse de muitos daqueles estimulados por suas formulações sobre as relações entre áreas mais desenvolvidas economicamente e áreas a elas subjugadas, muito importantes para se compreender o problema do imperialismo e das opressões de nossos dias.


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Vozes da terra, nova obra da coleção Escritos Gramscianos, reúne vinte textos de Antonio Gramsci publicados entre 1919 e 1926. Os artigos abordam, essencialmente, a relação entre o Sul e o Norte da Itália, que vivia, desde o século XIX, com uma disparidade social e econômica: o Norte em situação razoável de industrialização e o Sul estagnado em uma economia agrária com resquícios feudais.

Com dezessete dos artigos publicados pela primeira vez em português, o livro traz um retrato da Itália nos anos pré-fascismo, como a relação entre os operários do Norte e os camponeses do Sul: “Nas cartas e nos cadernos vê-se como a questão meridional persistiu no campo de preocupações de Gramsci e como nesses textos ela ganha amplitude e complexidade”, escreve Marcos del Roio na apresentação. A ebulição da política local, os embates entre os partidos de esquerda italianos da época e o fascínio com a revolução que se avistava na Rússia também são temas que perpassam os textos.

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Rita Coitinho é socióloga, doutora em Geografia Humana pelo Programa de Pós Graduação em Geografia na Universidade Federal de Santa Catarina, escritora e tradutora. Colaboradora no CHAM – Centro de Humanidades da Nova Universidade de Lisboa. Mestra em Sociologia pela Universidade de Brasília (2007) e graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004).

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