Cultura inútil | Veado que viu caxinguelê e outras coisas

Do Brasil à Babilônia, Mouzar Benedito apresenta uma série de curiosidades na coluna Cultura Inútil.

Por Mouzar Benedito

Hoje vou fazer umas notas de assuntos variados e começo por uma música cantada por Raul Seixas.

A música “Capim Guiné” não parece ser de protesto, mas é, só que cheia de artimanhas, como convinha no tempo da ditadura, o que não deixa claro o tal protesto. É de autoria de Wilson Aragão. Ele se inspirou no pai, que tinha um sítio no oeste da Bahia e, depois de plantar um monte de coisas, o sítio começou a ser invadido por vizinhos e, por ele ser oposição à ditadura, as autoridades não faziam nada. Ele chegou a ir a Brasília para tentar falar com o general que ocupava a presidência, Ernesto Geisel. Mas não adiantou. Então, em “Capim Guiné”, ele faz uma referência ao general: “Com cara de veado que viu caxinguelê”.

Caxinguelê é uma espécie de esquilo comum em várias matas do Brasil. No Nordeste tem esse nome, e no Sudeste é mais conhecido como serelepe. É um bicho bonitinho, com o rabo enrolado em espiral, que vive nas árvores, e acredita-se que quando um veado vê um caxinguelê, fica parado. Será por admiração? Seja por qual motivo for, azar do veado: é um momento que o caçador aproveita para atirar… O compositor comparou Geisel a isso: ficou paradão, sem tomar providência.

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Apesar de caxinguelê e serelepe parecerem palavras indígenas, não são. Desconfiei que pelo menos não eram tupis porque nesta língua não existe a letra L. Mas poderiam ser variantes de “caxinguerê” e “sererepe”. Caxingui é o nome tupi do ratão-do-banhado, quem sabe caxinguelê viria daí… Mas não: é uma palavra de uma língua africana, o quimbundo, e significa “rato da palmeira”. Serelepe tem a ver com o jeitão do bichinho: é esperto, ágil, gracioso, provocante… Não achei em nenhum dicionário de tupi também.

Procurando, achei o nome tupi do caxinguelê/serelepe: é quatipuru, que significa quati enfeitado. Tem sentido, como todos os nomes que os povos indígenas dão aos animais. Parece um quati pequeno, mas mais bonito.

Ah… e ficar parado, com cara de veado que viu caxinguelê é típico das “otoridades” que ficam passivas diante de ações criminosas como essa, de gente da sua turma… vide grileiros, desmatadores, garimpeiros ilegais, invasores de terras indígenas e outros celerados que atuaram com a maior liberdade durante o último governo, que ficava como veado que viu caxinguelê.

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Nabucodonosor, imperador da Babilônia, bebia muita cerveja. Mas usava essa bebida também para fins menos nobres: quando se enjoava de alguma amante, ele mandava colocá-la com todas as joias numa tina de cerveja, para morrer afogada.

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Na Babilônia antiga havia um costume estranho: nas celebrações do Ano Novo, escolhia-se alguém do povo para ser “rei por um dia”. O problema é que no dia seguinte a essa glória ele era executado, sacrificado aos deuses. O jardineiro Enlil-Bani foi escolhido para essa glória inglória, mas o destino o ajudou: o rei de verdade, Erra-Imitti, morreu durante as comemorações e o jardineiro permaneceu no trono, governando (segundo a lenda, melhor do que outros reis) por mais de vinte anos.

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O pai de Carlos Magno era um sujeito baixinho, com 1,40m de altura, mas muito valente. Era Pepino, o Breve, que foi rei dos francos entre os anos 751 e 768. A mulher dele era conhecida como Berta dos Pés Grandes.

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Mau-olhado, o também chamado olho gordo, existe, garante muita gente, e não é crença só de pessoas supersticiosas. Não é à toa que muita gente se benze para evitar isso. Um amigo pra lá de materialista dizia que sabia identificar de cara alguém com “olhar de seca-pimenteira”. O certo é que já ouvi muitas histórias de cara que bate o olho numa planta maravilhosa e ela murcha, elogia uma criança bonita e saudável e ela fica doente sem mais nem menos…

Um jeito de identificar pessoa com mau-olhado, receitam alguns, é colocar na sala um vaso transparente com água bem limpa e um pedaço de carvão. Normalmente, o carvão fica boiando, mas se uma pessoa entra na sala e o carvão afunda, pode saber: é o próprio.

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Entre as simpatias para não ser vítima de olho gordo, recomendam colocar na entrada da casa, num lugar escondido da vista das pessoas, um copo com água bem limpa e um pouco de sal. A água e o sal devem ser trocados todas as sextas-feiras, tomando-se o cuidado de encher o copo com a mão direita e esvaziar com a mão esquerda. Outro cuidado é jogar a água com sal no ralo ou direto no esgoto, ela não deve nunca ser jogada fora simplesmente, e muito menos no jardim. Ah, é tradicional em alguns lugares colocar um raminho de arruda atrás da orelha, para não ser vítima de mau-olhado.

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Você tem verrugas? Um dos jeitos recomendados para eliminar as danadas é queimá-las com ácido lático, tomando o cuidado de, antes de aplicar nelas, passar vaselina em volta, para evitar que o ácido queime o entorno delas também. Mas não é fácil comprar ácido lático. Então tem quem recorra a simpatias. Uma delas é colocar em cima de cada verruga um pedacinho de casca de banana e fixar com esparadrapo. Depois de sete dias, retirando o curativo, vai ver que elas desapareceram. Não me culpem se não der certo, pois li isso em algum almanaque e nunca testei.

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A atriz Sarah Bernhard esteve algumas vezes no Brasil e não teve sorte aqui. Em 1886, apresentou Fedra e A Dama das Camélias, sem grande sucesso, e ainda teve briga na plateia. Seu filho foi espancado. Para completar, havia um surto de febre amarela. Ela se mandou. Em 1893, ladrões levaram suas joias e seu dinheiro, e quando ia voltar para a Europa o navio em que estava foi bombardeado na Baia de Guanabara, durante a Revolta da Armada contra o governo de Floriano Peixoto. Em 1906, apresentava a Tosca, em que numa cena teria que “cometer suicido”, se atirando num abismo. Fora do palco, pilhas de colchões deveriam amortecer sua queda, mas um funcionário do teatro, mal informado, tirou os colchões do lugar. Resultado: aos 61 anos, ela se esborrachou no chão, fraturou feio um joelho e acabou tendo que amputar a perna.

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Tenho uns xarás que só fui descobrir que eram meus xarás há relativamente pouco tempo. Um deles é Baruch Espinosa. Baruch é Benedito em hebraico. Espinosa era judeu holandês, descendente de sefarditas portugueses, mas foi amaldiçoado pelos judeus da Holanda, por ser extremamente crítico a religiões. Tinha um conceito especial de Deus (compartilhado mais tarde por Einstein) e tratava os fundadores do judaísmo, do cristianismo e do islamismo como impostores.

Lendo um pouco dele, me informei de algumas coisas curiosas, que conto a seguir.

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Rômulo, cofundador de Roma, se afogou num pântano (de propósito, foi suicídio), para que seu corpo não fosse encontrado e o povo acreditasse que ele foi levado ao céu e deificado.

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Empédocles, filósofo célebre, imitou Rômulo: jogou-se num respiradouro do vulcão do monte Etna, para que acreditassem que ele havia sido levado para o céu.

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O papa Leão X, entrando numa câmara que guardava tesouros da Igreja, teria dito: “Essa fábula de Jesus Cristo nos ajuda bastante a enriquecer”.

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Uma coisa que Espinosa tratou, eu já sabia: que a crença num deus poderosíssimo, invencível, que chegaria algum dia, serviu bastante para os colonizadores europeus dominarem alguns povos. Ele não citou o Brasil, mas aqui certos povos de língua tupi acreditavam que um deus loiro, chamado Mair, que teria ensinado a eles muitas coisas (como a agricultura) um dia voltaria para cá. Quando viram os franceses contrabandistas de pau-brasil, acreditaram que eram enviados por Mair, tanto que os chamavam de Maíra.

Os incas acreditavam que um dia Viracocha (um deus que ensinou tudo o que os incas sabiam) voltaria e que ele era invencível. Quando chegaram os espanhóis liderados por Pizarro, acreditavam que eram “Viracochas” invencíveis e já entravam derrotados nas batalhas contra eles.

Os toltecas mexicanos também achavam que não podiam derrotar Fernando Cortez. Topiltzin, rei tolteca que, ao subir ao trono, adotou o nome do deus Quetzalcoatl (a “serpente emplumada”), após perder o reinado para o seu rival Tezcatlipoca, segundo a lenda, teria ido para o mar, prometendo voltar para retomar seu reino. A data estabelecida para sua volta coincidiu com a chegada dos espanhóis, em 1519, e Cortez foi confundido com o rei-deus. Isso teria facilitado o trabalho dos conquistadores.

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Assim disse Guimarães Rosa: “O mineiro traz mais individualidade que personalidade. Acha que o importante é ser, e não parecer, não aceitando cavaleiro por argueiro nem cobrindo os fatos com aparatos. Sabe que ‘agitar-se não é agir’.”

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Ele disse também: “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa”.


O Boitatá e os boitatinhas

Em O Boitatá e os boitatinhas, Mouzar Benedito questiona o “progresso” que destrói a natureza e expulsa as comunidades tradicionais. As ilustrações vibrantes de Hallina Beltrão mostram aos pequenos leitores os encantos da fauna e flora.



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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em coautoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2021, Editora Limiar). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente.

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