Isto não é um texto de Theodor W. Adorno | Dirk Braunstein conversa com Hannah Schmidt-Ott
Dirk Braunstein: "A teoria crítica, e essa é a reificação à qual me oponho, não é o Instituto de Pesquisa Social, nem o de Frankfurt nem o de Hamburgo, também não é Adorno e Horkheimer, não sou eu, não é você. E como isso acontece, desenvolve-se e articula-se não é uma questão que possa ser respondida olhando para a produção científica do Instituto de Pesquisa Social ou de qualquer outra instituição."
Tradução de Bruna Della Torre para a série “Teoria Crítica” do Labemus.
Hannah Schmidt-Ott: Theodor W. Adorno pedia aos estudantes que rascunhassem um registro de cada uma de suas sessões de seminário. No início da próxima sessão do seminário, isso era lido e discutido. Os volumes desses “registros” 1 são editados pelo Dr. Dirk Braunstein. Como resultado deste projeto de edição, serão publicados todos os registros coletados nas décadas entre 1949 e 1969. Como surgiu esse projeto ambicioso?
Dirk Braunstein: Parte de minha pesquisa de doutorado, na qual investiguei a crítica de Adorno à economia política,2 consistiu nisso: recolher o máximo possível de material no qual Adorno falasse sobre o assunto. Com esse objetivo, entre outras coisas, pesquisei o arquivo de Adorno e, embora lá tenha encontrado algumas fontes, não encontrei tanto material quanto esperava. Então, um dos funcionários do arquivo, Michael Schwarz, chamou a minha atenção para esses “registros” que Adorno havia estabelecido em seus seminários e nos quais possivelmente – ele não conhecia o conteúdo – poderia ser encontrado material correspondente a esse assunto. A existência desses registros era totalmente desconhecida para mim, embora Alex Demirović já tivesse trabalhado com eles no seu importante livro sobre O intelectual inconformista.3 De qualquer forma, peguei a estrada para Frankfurt e olhei os registros que estavam guardados na biblioteca do departamento de ciências sociais. Lá havia apenas relatórios dos seminários sociológicos de Adorno, mas ainda assim encontrei algumas fontes para minha tese. Ao examiná-lo, percebi não apenas quão extenso esse material realmente era, mas também quão amplo era o espectro de tópicos com o qual Adorno lidava em seus seminários. Ocorreu-me que esses textos teriam que ser publicados em algum momento e essa ideia permaneceu firme comigo.
Assim que defendi meu doutorado, logo percebi que essa edição não existiria se eu mesmo não assumisse o projeto. Então, ocupei-me do material e de buscar financiamento. Uma primeira tentativa com a Fundação Alemã de Apoio à Pesquisa não foi aprovada. Depois disso, enquanto pesquisador visitante do Instituto de Pesquisa Social, recorri à Fundação Gerda Henkel. Até que, enfim, a fundação financiou o projeto a partir do início de 2014 – pelo que não se pode elogiá-la suficientemente. Desde então, tornei-me colaborador permanente do Instituto de Pesquisa Social, vivo em Frankfurt e ocupo-me da edição.
Hannah Schmidt-Ott: Mas agora vamos à confecção do projeto. Em que consiste o trabalho do seu projeto gigantesco?
Dirk Braunstein: A realização do projeto consistiu em várias fases muito distintas de trabalho. Como a maior parte do material, conforme indicado, está em dois arquivos diferentes, primeiro foi necessário reuni-lo. A parte dos registros relacionados aos seminários sociológicos que ainda estava facilmente acessível na biblioteca enquanto eu fazia meu doutorado foi, entretanto, levada para o arquivo da universidade nesse meio tempo. Portanto, agora não se tratava mais de um acervo que podia ser emprestado, mas de material de arquivo, o que tornava o acesso significativamente mais restrito. Adorno ocupava tanto uma cadeira de filosofia quanto uma de sociologia, portanto, também havia os registros de seus seminários filosóficos, que, no entanto, fazem parte do espólio de Horkheimer no Arquivo Max Horkheimer. A razão para isso é bastante simples: quase todos os seminários que ministrou em filosofia foram realizados, pelo menos formalmente, com Max Horkheimer. É por isso que, primeiro, tive que criar um panorama para localizar exatamente onde cada texto estava.
Posteriormente, tive que transformar os textos que estavam no papel em arquivos eletrônicos, o que significa, para resumir, que tiveram que ser digitados. Para isso, porém, foi necessário primeiro definir as questões dos direitos autorais, pois sem o consentimento dos autores dificilmente é possível consultar seu material escrito – e, muito menos, copiar. Mas como você pode obter consentimento se nem sabe quem realmente registrou o quê? Ou seja, a situação era a do cachorro correndo atrás do próprio rabo. Portanto, foi necessário muito esforço e tempo para encontrar, para usar uma bela expressão, o modus operandi sobre como proceder com o material antes de decidirmos se queríamos continuar trabalhando com ele. Como era isso que queríamos, logicamente o próximo passo foi obter os direitos sobre os registros. E, naturalmente, que eles estavam nas mãos dos autores e autoras da época ou de seus herdeiros.
Isto levantou a questão de como tais direitos poderiam realmente ser obtidos de uma forma “juridicamente segura”. O advogado Joachim Kersten, que também trabalha para a Fundação de Hamburgo para a Promoção da Ciência e da Cultura, foi de grande ajuda ao nos representar – por “nós” quero agora dizer o diretor do projeto, ou seja, Axel Honneth, e eu como editor do projeto – e elaborar uma carta-contrato. Conseguimos enviar uma carta, que também era um contrato em duas vias, aos autores e autoras dos registros – cerca de 330 pessoas – e pedir-lhes que nos devolvessem uma cópia assinada que nos concede os direitos de uso.
Hannah Schmidt-Ott: Como você conseguiu encontrar todas essas pessoas?
Dirk Braunstein: Essa foi, naturalmente, a próxima dificuldade: para alcançá-los, precisávamos de um endereço atual, um endereço de e-mail ou um número de telefone. Então perguntamos ao cartório de registro de residentes de Frankfurt se alguém com esse nome já morou na cidade. E, se sim, por quanto tempo e onde. E quando o cartório de registro de Frankfurt disse: “Sim, a pessoa estava”, digamos, “registrada aqui na década de 1950 na época em que o registro foi criado, mas depois teve seu registro cancelado em Bremen”, então, enviávamos uma consulta ao cartório de Bremen e assim por diante até finalmente termos o endereço atual. Dessa maneira, conseguimos localizar algumas das pessoas que fizeram os registros; outras encontramos por meio de pesquisa na internet. Com os autores e autoras mais conhecidos as coisas eram naturalmente muito simples, mas com, por exemplo, alguém como Klaus Müller, tornou-se muito difícil. Se eu fosse fazer uma estimativa, diria que obtivemos dois terços dos direitos. Foi importante para nós poder dizer, no final, que realmente tentamos de tudo. Este esforço também foi necessário para a editora, pois é ela que assume o risco caso alguém se queixe de que os seus direitos foram violados pela nossa publicação. No final das contas, no entanto, todas as pessoas que pudemos localizar e perguntar deram-nos permissão para publicar.
Esta fase do projeto tomou, pelo menos, um bom ano. Não tenho absolutamente nenhum estudante ou pesquisador empregado no projeto, mas tive todo um quadro de estagiários e estagiárias que me ajudaram muito. Sem o apoio deles, o projeto teria encontrado muito mais dificuldades neste momento, não há dúvida quanto a isso.
Hannah Schmidt-Ott: Até que ponto os registros são editados para publicação? Você trabalha os textos, reúne material de apoio/comentário?
Dirk Braunstein: É claro que a publicação não consiste apenas nos textos de registro propriamente ditos, mas também deve incluir anotações – sobretudo as inevitáveis. Trata-se, na maior parte dos casos, de referências bibliográficas que reestabelecem o contexto teórico no qual ocorria o seminário. A princípio, tive a ideia completamente errada de que a edição poderia se parecer com os escritos póstumos de Adorno, que Rolf Tiedemann iniciou. Há um material de apoio lá que alcança leitores e leitoras, com muita informação. Tiedemann disse na época: “Basicamente, os comentários devem se manter em pé por si mesmos e ser legíveis”. Desisti dessa ideia muito rapidamente. Em primeiro lugar, por conta do próprio volume – há mais de 4700 registros que compilei –, totalmente impossível, ainda mais para quem trabalha sozinho, comentar. Em segundo lugar, a própria natureza do material atesta contra tal comentário: como não se trata de um texto em que o autor dos pensamentos formulados seja claramente identificável, mas sim de um tipo de texto completamente diferente e único, rapidamente ficou evidente para mim que era estritamente necessário proceder de forma positivista caso eu não quisesse conduzir a recepção dos textos.
Hannah Schmidt-Ott: O que isso significa concretamente? Como você procede?
Dirk Braunstein: Se Kant é mencionado num registro, por exemplo, algo na forma de uma citação curta, o contexto que apresento nas anotações é inteiramente limitado a Kant: cito a passagem de texto mais longa de onde vem a citação e adiciono as correspondentes referências bibliográficas. Se uma citação for extraída de uma edição de Hegel não confiável, o que geralmente é o caso, infelizmente, particularmente devido ao fato de a edição de Hegel da editora Suhrkamp ainda não existir, então posso indicar onde a citação encontra-se e que erros podem ter ocorrido, se ocorreram, ou seja, indicar qual número de página está errado e coisas do tipo. Mas o que não tentei fazer, ao contrário dos escritos póstumos de Adorno, foi encontrar a edição exata que foi citada no seminário que foi registrado. Também aqui optei pela forma positivista e às vezes referi-me a publicações ou edições que os e as ouvintes não poderiam ter citado porque não existiam àquela altura. Então, eu realmente só quero fornecer informações sobre a literatura citada e não sobre como o seminário realmente foi.
E depois, claro, há notas para elucidar os nomes. Se, por exemplo, num dos registros for mencionada uma colega que aparece como senhorita von Alth, acrescento que se trata de Michaela von Alth, posteriormente Michaela von Freyhold. Ou, se a informação relevante puder ser encontrada nos arquivos, adiciono o título de uma apresentação feita, quem a fez e, claro, o seu número de referência de arquivo atual.
Hannah Schmidt-Ott: Que dificuldades e problemas editoriais específicos resultam do fato de se lidar com registros de seminário?
Dirk Braunstein: Se eu soubesse de antemão com o que estava me metendo, incluindo a massa de material, não diria que não teria feito, mas teria tido mais respeito pela tarefa que me esperava. Como destaquei, até obter os direitos foi muito difícil e muito mais complexo do que eu pensava. A transcrição dos registros para o computador também foi um desafio, pois, conforme mencionei antes, o acesso ao material de arquivo era muito complicado. Finalmente, o volume de apoio de anotações tornou-se muito mais extenso do que eu jamais poderia imaginar. A única experiência relevante de edição que tive anteriormente ao processo de edição dos registros foi a edição das palestras de Adorno de 1960 sobre filosofia e sociologia como parte dos escritos póstumos.4 Eu previa que trabalhar na edição dos registros seria parecido – o que absolutamente não foi o caso. A difícil tarefa, que eu queria realizar da melhor maneira possível, era desenvolver um novo procedimento para editar os relatórios de seminários como gênero de texto científico. Para isso, não havia modelos ou precursores que eu pudesse usar como guia. Todo o procedimento foi tão exigente que eu mesmo consegui escrever artigos científicos sobre o assunto.5
Existem algumas outras edições de registros de cursos que não são comparáveis em extensão ou tipo, por exemplo, de seminários realizados por Heidegger. No entanto, o próprio Heidegger editou estes conjuntos de textos, o que lhes confere uma autenticidade que justifica a sua inclusão nas Obras Completas como textos de Heidegger. Por outro lado, os textos com os quais estou lidando não são textos de Adorno. E é extremamente importante, principalmente para a recepção, ser totalmente transparente quanto a isso.
Hannah Schmidt-Ott: Se estes textos não provêm da pena de Adorno, o que de fato se pode ler nos registros? O que você acha que esses documentos refletem?
Dirk Braunstein: Se forem tomados com muita precisão, eles refletem a compreensão do respectivo processo do seminário, tal como foi apresentado na descrição do redator ou redatora do registro. É preciso estar atenta a isso ao ler, ter clareza quanto a isso, do que o registro não mostra, por exemplo, o próprio andamento do seminário. É claro que eles tornam visível o curso de um seminário, mas não mostram os seminários e como eles de fato foram. Para deixar isso claro: se você ler a transcrição de uma palestra, especialmente uma de Adorno, que geralmente falava livremente, você não estará realmente sentado na palestra, nem participando do processo que se desdobra numa palestra ao longo de um semestre, mas tem-se em mãos o melhor quadro textual possível do que foi dito por Adorno. Os seminários são completamente diferentes. Não é apenas que não sejam transcrições de gravações de seminários; também acredito que mesmo as gravações transcritas não poderiam transmitir tanto do curso quanto as notas de uma palestra.
Hannah Schmidt-Ott: No final, então, talvez aprendamos apenas quem eram os realmente talentosos nos seminários de Adorno? Há algum pesquisador ou pesquisadora que tenha causado uma boa impressão em você?
Dirk Braunstein: A qualidade dos registros evidentemente varia. Em alguns, é perceptível algo como uma maior segurança ao compor textos. Mas não diria que transparecem incertezas quanto ao andamento do seminário ou seu conteúdo. No que diz respeito ao que talento significa neste contexto, parece-me que está relacionado com a capacidade de se retirar, de se limitar como autora a retratar o melhor possível o desenrolar do seminário, ou seja, de relatar a discussão à medida que decorreu mais do que querer saber mais do que os colegas. Ou recorrer a uma citação pomposa de Hegel.
Aliás, os registros não impressionaram a mim, apenas. Alguns dos autores e autoras queriam ler os textos que escreveram há muitos anos antes de dar permissão para que suas transcrições fossem impressas. E, ao fazê-lo, experimentei diversas vezes que esses trabalhos dos tempos idos de estudante causaram uma grande impressão em seus autores e autoras. Claro, eles mal conseguiam se lembrar do registro que haviam elaborado. Por exemplo, o primeiro registro vem de Herrmann Schweppenhäuser, que o escreveu em novembro de 1949, ou seja, há muito tempo. Ao relê-lo, todos ficaram realmente impressionados com o quão concentrado e, no melhor sentido da palavra, sério foi o trabalho com os registros e como estes captaram bem o entusiasmo envolvido no seminário. O próprio Adorno fez uma declaração semelhante. Em uma carta aos pais, ele relata suas primeiras experiências em Frankfurt depois de seu retorno do exílio e descreve seu espanto diante do entusiasmo por Kant que imperava na universidade. Ele era tão grande que os alunos desejaram que Adorno continuasse a oferecer seminários até mesmo durante as férias. Aparentemente, a sede de conhecimento entre os jovens estudantes era imensa, especialmente no momento exatamente posterior ao Nacional-Socialismo.
Hannah Schmidt-Ott: Quais achados e conhecimentos essa edição oferece? O que torna interessante a leitura dos textos ali publicados e também o encontro com esses documentos únicos?
Dirk Braunstein: Por um lado, nos seus seminários, Adorno lidava com temas que não tinha tratado de forma particularmente intensa nem nos seus escritos nem nas suas palestras, por exemplo, quando as teorias de Karl Marx ou Max Weber são discutidas e analisadas em grande detalhe. Houve até um seminário sobre a filosofia das idades do mundo de Schelling, um tema que não desempenha nenhum um papel na obra de Adorno. A iniciativa deste curso certamente partiu de Habermas, que também participou do seminário e fez doutorado sobre Schelling antes de se tornar assistente de Adorno.
Por outro lado, o que torna os registros importantes é também o que os torna difíceis de lidar: estamos tratando de um tipo de literatura científica muito original e nova. Creio que os registros seriam bem recebidos porque há interesse pela teoria crítica em geral e por Adorno em particular. Pode haver outras razões, que obviamente não são menos legítimas, para se querer lidar com esta forma de texto ou conduzir uma pesquisa. Mas se um leitor recorrer aos registros na esperança de aprender algo sobre a experiência da teoria crítica que simplesmente não existe em nenhum outro lugar, então ele terá que aceitar que está lidando com um texto que não pode fornecer certeza de que é sancionado por seu próprio grão-mestre.
Não há dúvida de que Adorno não poderia ter nada a ver com a publicação dos livros. Já com a publicação de suas palestras ele não teria consentido. Portanto, a edição não é uma obra no sentido usual, e isso levanta a questão: do que se trata então?
Eu realmente não gostaria de responder a isso agora, mas acharia interessante e desejável que uma discussão fosse iniciada. E então, claro, isso teria de ir além da queixa de que os registros não são obra de Adorno. Em vez disso, teríamos de perguntar no que consiste este material, com que tipo de texto somos confrontados e se se trata de um gênero científico-literário único. Estaria fundamentalmente interessado em saber se há uma recepção real dos registros e se estes desenvolvem a sua própria história de impacto no contexto da teoria crítica, ou se existe uma canonização que resiste a isso.
Hannah Schmidt-Ott: Supondo que esses registros forneçam uma base para julgamento, Adorno foi um bom professor universitário?
Dirk Braunstein: Sim, acho que os registros, pela sua própria existência, sugerem que ele foi. É tudo, menos autoevidente, esperar dos alunos o que Adorno esperava deles: que eles fossem capazes de registrar e reproduzir pela escrita o andamento de uma reunião de uma forma que permita que os registros feitos sejam literalmente uma parte do seminário, lendo-os em voz alta na sessão subsequente. Na minha opinião, isto sugere que Adorno levava os seus alunos e alunas muito a sério e via o seminário como uma espécie de projeto conjunto. É claro que tal iniciativa pode falhar ou o conhecimento adquirido ao final pode não ser tão grande quanto o esperado. No entanto, permanece a ideia de um desenvolvimento conjunto de um tema, o que obviamente é diametralmente oposto ao ensino vertical clássico. E é assim que eu descreveria o método de ensino de Adorno: ele se baseia na ideia de que teorizar em conjunto é parte do que distingue uma teoria.
Hannah Schmidt-Ott: Existem também temas recorrentes? Adorno varia sua gama de cursos?
Dirk Braunstein: Mais da metade dos seminários filosóficos tratam de Hegel e Kant, o que certamente deve-se ao fato de se tratar de um período de vinte anos. Cada novo grupo de alunos deve ser apresentado aos grandes problemas e questões, de modo que as repetições são inevitáveis.
Hannah Schmidt-Ott: Voltemos ao seu ofício: como você vê o seu papel no projeto? você trabalha mais como filósofo, como historiador ou como arquivista?
Dirk Braunstein: Eu não me chamaria de arquivista neste caso. A edição não é um projeto de arquivo, mas utilizo material de arquivo como pesquisador. Basicamente, meu papel é o de um editor com aspirações sociofilosóficas. Tento permanecer o máximo possível por trás do material, o que é difícil, por exemplo, quando você adiciona comentários que são evidentemente subjetivos. Afinal, outra pessoa provavelmente criaria um apoio de anotações diferentes. Basicamente, como editor, pretendo publicar um texto de teoria crítica: disponibilizo material que não é de minha autoria e não quero conduzi-lo, apenas apresento-o de uma forma que os leitores possam observar do que se trata sem ter que consultar constantemente outra literatura.
Hannah Schmidt-Ott: Como você reage à acusação de que sua edição está contribuindo para transformar a teoria crítica em um artigo de museu?
Dirk Braunstein: De jeito nenhum, porque ela não ressoa em mim. Se a teoria crítica está sendo colocada num museu, certamente não é por conta da minha edição dos registros. Quem quer transformar a obra num museu, deve fazê-lo – e faz, como se observou recentemente por ocasião do quinquagésimo aniversário da morte de Adorno. Só posso fazer uma proposta, e se ela não encontrar ressonância, porque o teor não traz nada de novo, que assim seja. Esse é um problema que não apenas Adorno ou as edições científicas enfrentam, mas também a pesquisa em humanidades em geral. Mesmo que eu escreva um livro sobre Adorno, com o qual pretendo certamente direcionar a recepção – por isso o escrevo –, não tenho qualquer influência sobre o que ele desencadeia, ou seja, como as leitoras percebem meu trabalho e o que fazem com ele.
É claro que sou contra a reificação e, na pior das hipóteses, a estetização como um livro de mesa de Adorno, de sua teoria ou da teoria crítica como um todo. Mas, na minha opinião, modéstia é necessária. Mesmo que isso aconteça, devo dizer que está além do meu controle como editor dessas transcrições de seminários.
Hannah Schmidt-Ott: E qual seria a sua conclusão, que provavelmente ainda é provisória dado o estado atual do trabalho de edição?
Dirk Braunstein: A minha conclusão provisória pode ser resumida no desejo acima mencionado de que os registros não sejam descartados como estranhos ao trabalho, mas que sejam reconhecidos e estudados como material de qualquer tipo da teoria crítica. É claro que a edição não tem caráter de obra, e a publicação dos livros seria impensável sem o nome de Adorno. Não teria havido interesse no material, nenhum financiamento para o projeto, nenhuma expectativa de que a edição atrairia o interesse de um público potencial. Pois embora não haja dúvida de que é material da teoria crítica, não é de Adorno. Talvez seja possível chamar isso de material com Adorno, mas acho que até mesmo essa categorização é questionável. Só porque o registro diz: “Professor Adorno diz isso e aquilo”, não significa que Adorno realmente tenha dito dessa maneira.
O desafio é como lidar com essa incerteza. E a minha esperança é que não só levante questões filológicas editoriais, mas também conduza a discussões sobre os procedimentos da teoria crítica. Na medida em que eu gostaria de ver questionada a suposição de que a teoria crítica é Adorno, é Horkheimer, é o Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Definitivamente, existem diferenças que não devem ser confundidas. E quando, por exemplo, um grande semanário alemão pergunta: “Por que é que o Instituto de Pesquisa Social não traz nada sobre o novo autoritarismo? Obviamente, a teoria crítica já não tem nada a dizer sobre isso”, então isso é um duplo, triplo, talvez até quádruplo mal-entendido. Na verdade, a teoria crítica tem algo a contribuir para a explicação do autoritarismo contemporâneo. Portanto, seria preciso perguntar o que é levado em conta para se chegar à conclusão de que a teoria crítica não tem nada a dizer sobre este assunto.
A teoria crítica, e essa é a reificação à qual me oponho, não é o Instituto de Pesquisa Social, nem o de Frankfurt nem o de Hamburgo, também não é Adorno e Horkheimer, não sou eu, não é você. E como isso acontece, desenvolve-se e articula-se não é uma questão que possa ser respondida olhando para a produção científica do Instituto de Pesquisa Social ou de qualquer outra instituição.
Hannah Schmidt-Ott: Então a teoria crítica só existe em ação?
Dirk Braunstein: Não sei de que outra forma. Quer dizer, aqui na estante estão os volumes azuis, os escritos póstumos de Adorno. Mas ainda não são teoria crítica. Estes são livros. Isso é uma diferença.
Originalmente publicado em Soziopolis. Tradução com autorização do site.
Notas
1 O título original da obra em alemão é Die Frankfurter Seminare Theodor W. Adornos. Gesammelte Sitzungsprotokolle 1949–1969 (Os seminários frankfurtianos de Theodor W. Adorno. Registros reunidos). N.T.: Traduzi “Protokolle” por “registros”, pois o uso da palavra “protocolo” para anotação de cursos e seminários não é recorrente e pode confundir a leitora ou leitor.
2 Dirk Braunstein. Adornos Kritik der politischen Ökonomie. Bielefeld, 2011.
3 Alex Demirović. Der nonkonformistische Intellektuelle. Die Entwicklung der Kritischen Theorie zur Frankfurter Schule. Frankfurt am Main 1999.
4 Theodor W. Adorno. Philosophie und Soziologie. Nachgelassene Schriften IV: Vorlesungen, Bd. 6, herausgegeben von Dirk Braunstein, Berlin 2011.
5 Dirk Braunstein. Autorschaft, Authentizität und Editionspraxis bei Seminarprotokollen. Viele Fragen und einige Antworten. In: Jörn Bohr (Hg.). Kolleghefte, Kollegnachschriften und Protokolle. Probleme und Aufgaben der philosophischen Edition. Berlin / Boston 2019, S. 167–177.
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