Uma potente contribuição para compreender e deter a tragédia cotidiana

Roseli Figaro escreve sobre "Icebergs à deriva", novo livro da coleção Mundo do Trabalho com organização de Ricardo Antunes, destacando como a obra dá a dimensão da magnitude e da profundidade da crise humanitária provocada pelo capitalismo financeiro e plataformizado.

Por Roseli Figaro

É bastante produtiva a metáfora do iceberg que este livro mobiliza para tratar da exploração e da espoliação que as empresas-plataformas praticam contra a classe trabalhadora. Assim como a maior parte do iceberg está imersa, o capital ilude a visão das pessoas ao afirmar que a tecnologia é que dirige a forma de organização do trabalho e sua consequente fragmentação, intensificação e precarização. Essa ode simula a naturalização da forma do uso da tecnologia pelo capitalista, como se a subsunção humana ao capital fosse intrínseca ao desenvolvimento científico e tecnológico.

Marx falava da necessidade do desenvolvimento dos meios de produção para o salto qualitativo na emancipação dos seres que trabalham. No entanto, dedicou-se a demonstrar como a apropriação da tecnologia pela lógica do sistema capitalista produz a subsunção real do/a trabalhador/a causando profunda cisão entre os que acumulam as benesses e a classe trabalhadora, que se vê em situação degradante, como serviçal dessa engrenagem que consome vidas em prol do lucro.

Icebergs à deriva: o trabalho nas plataformas digitais, que ora vem a público, organizado por Ricardo Antunes, com a contribuição de pesquisadores/as que têm se dedicado a estudos sobre o tema da uberização e/ou plataformização do trabalho, dá uma dimensão do perigo do iceberg que está à deriva. A magnitude e a profundidade da crise humanitária provocada pelo capitalismo financeiro e plataformizado não têm solução que não seja aquela de conter o iceberg, quebrá-lo e tirar dele o que é de todos: a água doce que pode reverter a indigna situação de vida de bilhões de seres humanos, sem as mínimas condições para a sobrevivência.

A leitura e o estudo desses capítulos são atos de resistência, pois nos munem de informações de base empírica atuais e de argumentos consistentes sobre os caminhos espúrios que a apropriação e o uso dos conhecimentos científicos e das tecnologias pelos capitalistas têm tomado. Mas… é possível fazer diferente! O conhecimento humano e a ciência devem servir ao florescimento da vida e à emancipação da classe-que-vive-do-trabalho. A contribuição condensada neste livro é potente e ajuda a compreender o atual momento e o quanto necessitamos da organização de trabalhadores e trabalhadoras para deter essa tragédia cotidiana.


Icebergs à deriva: o trabalho nas plataformas digitais, nova obra da coleção Mundo do Trabalho organizada pelo sociólogo Ricardo Antunes, oferece um estudo profundo e multidisciplinar sobre o trabalho nas plataformas digitais e a expansão sem precedentes desse modelo, tanto no Brasil quanto no restante do mundo.

Os 28 artigos de diferentes pesquisadores, nacionais e internacionais, analisam o fenômeno social que emerge com o trabalho cada vez mais plataformizado/uberizado e que se intensificou durante a pandemia da covid-19. As reflexões desenvolvidas na obra apresentam novos dados, empíricos e analíticos, e a luta dos trabalhadores para a regulação dessas plataformas e para a obtenção de direitos e melhores condições de trabalho.

Indústria 4.0, controle algorítmico, TICs, inteligência artificial, corrosão do trabalho, terceirização, educação, informalidade, agroindústria e regulação são alguns dos assuntos tratados pelos autores. Os textos aqui reunidos resultam de pesquisas anteriores que deram origem também ao livro Uberização, trabalho digital e Indústria 4.0, publicado pela Boitempo em 2020. Ambas as obras trazem um panorama completo e atual da dinâmica do mundo do trabalho nas últimas décadas, além de apresentarem caminhos para o futuro.

Icebergs à deriva: o trabalho nas plataformas digitais tem organização de Ricardo Antunes, com textos de Alexandre Arias, Carolina Di Assis, Cílson César Fagiani, Claudia Mazzei Nogueira, Cristopher Sad, Daniela Muradas Antunes, Denise Vieira, Fabiana Scoleso, Fabiane Santana Previtali, Fabio Perocco, Fabio Scolari, Fabrizio Denunzio, Gabriel Fardin, Gabriela Neves Delgado, Geraldo Augusto Pinto, Giovanni Alves, Graça Druck, Guilherme Henrique Guilherme, Henrique Amorim, Isabel Roque, Iside Gjergji, Iuri Tonelo, Jamie Woodock, José Dari Krein, Luci Praun, Ludmila Abílio, Marcela Soares, Marcelo Manzano, Marco Aurélio Santana, Marco Gonsales, Mariana Roncato, Murillo van der Laan, Paulo Marque Alves, Pietro Basso, Rafael Grohmann, Renata Queiroz Dutra, Ricardo Festi, Thiago Aguiar, Valéria de Oliveira Dias e Vitor Araújo Filgueiras, texto de orelha de Roseli Figaro, quarta capa de Sadi Dal Rosso e capa de Maikon Nery.


Confira o debate de lançamento de Icebergs à deriva: o trabalho nas plataformas digitais, com Luci Praun, Marco Gonsales, Mariana Roncato, Murillo van der Laan e Roseli Figaro, mediação de Ricardo Antunes, na TV Boitempo:

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Roseli Figaro é professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo. Possui pós-doutorado pela Universidade de Provence, França. É coordenadora do Grupo de Pesquisa Comunicação e Trabalho; pesquisadora do Núcleo de Pesquisa da USP Comunicação e Censura e do Grupo de Pesquisa do Arquivo Miroel Silveira.

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