Cultura inútil | Sabenças pra lá de desimportantes
Mouzar Benedito faz uma seleção de curiosidades sobre os mais diversos temas na coluna Cultura inútil.
Mark Twain ou Samuel Langhorne Clemens
Por Mouzar Benedito
Você sabe quem foi Samuel Langhorne Clemens? Provavelmente já leu pelo menos algumas frases dele, cujo pseudônimo era Mark Twain. Ele gostava muito de falar coisas “obscenas”. Uma vez fez um discurso intitulado “Algumas observações sobre a Ciência do Onanismo” recomendando que não se exagere na prática da “mão solitária”, o que aqui os padres chamavam de “vício solitário”. Outra vez, na presença da rainha Elizabeth I, falou sobre “expelir gases”. Mas se ele falava essas coisas… Outro famoso não só falava, fazia. Era James Joyce. Admirava a “bunda repleta de peidos” de Nora, sua amante, cheirava as calcinhas “sujas” dela e certa vez disse que “as duas partes que fazem sujeira são as que eu mais adoro”.
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Sherlock Holmes poderia ter se chamado Sheringford Hope. Esse foi o nome que Conan Doyle havia dado ao detetive, mas sua mulher, Louisa, achou esse nome feio demais, sugeriu que mudasse. Ele matutou, matutou… e criou o nome Sherlock (homenagem ao violonista Alfred Sherlock) Holmes (do jurista Oliver Wendell Holmes).
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Agatha Christie tinha uma letra tão ruim que tudo o que escrevia era ilegível. Segundo consta, todos os seus livros foram ditados por ela. Eles foram traduzidos para mais de cem idiomas.
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A primeira e única vez que uma Olimpíada foi realizada sem dinheiro público foi em 1984, em Los Angeles. Grandes empresas patrocinaram tudo.
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O espanhol Álvar Nuñes Cabeza de Vaca era um aventureiro como outros colonizadores conterrâneos, sem nenhum respeito pelos povos indígenas. Ele participava de uma expedição à atual Flórida, atrás de uma imaginária mina de ouro (e para chegar a ela certamente seria necessário dizimar povos indígenas, como faziam nas Antilhas na época), seu navio naufragou e um pequeno grupo conseguiu chegar ao continente, mas não foi socorrido. Isso foi em 1527. Saiu caminhando para oeste e dez anos depois, em 1537, chegou descalço e pelado à cidade do México, já ocupada pelos espanhóis. Nessa caminhada, foi tendo contato com povos indígenas e mudou seu modo conviver com esses povos, segundo um relato dele mesmo. Em 1542, foi mandado para Assunção, no Paraguai, nomeado governador. Chegou lá saindo da atual Florianópolis (que pelo tratado de Tordesilhas “pertencia” à Espanha) pelo caminho do Peabiru, usado pelos povos de língua guarani, entre outros. Como governador, mostrou que não tinha mudado tanto, massacrou duas ou três aldeias indígenas. Mesmo assim, não agradou os espanhóis colonizadores, genocidas cruéis, que cometiam todos os tipos de abusos contra os indígenas e não gostaram de alguns limites. Acabou sendo preso por eles e mandado de volta para a Espanha.
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O português Pero de Magalhães de Gandavo foi um dos que escreveram livros sobre o Brasil no século XVI. “História da Província de Santa Cruz” foi publicado em Lisboa em 1576. Um pequeno trecho do livro em que descreve “o sítio e a qualidade desta província”:
Esta província Santa Cruz está situada naquela grande América, uma das quatro partes do mundo. Dista o seu princípio dois graus da Equinocial para a banda do Sul, e daí se vai estendendo para o mesmo Sul até 45 graus. De maneira que parte dela fica situada debaixo da Zona tórrida, e parte debaixo da temperada. Está formada esta província à maneira de uma harpa; cuja costa pela banda do Norte corre do Oriente ao Ocidente e está olhando diretamente a Equinocial. E pela do Sul confina com outras províncias da mesma América povoadas e possuídas de povo gentílico de que ainda não temos comunicação. E pela do Oriente confina com o mar Oceano Áfrico, e olha diretamente os Reinos de Congo e Angola até o cabo de Boa Esperança que é o seu opósito. E pela do Ocidente confina com as altíssimas terras dos Andes e fraldas do Peru, as quais são tão soberbas em cima da terra, que se diz terem as aves trabalho em as passar. (…) Além disso é essa província sem contradição a melhor para a vida do homem que cada uma das outras da América, por ser comumente de bons ares e fertilíssima, e em grã maneira deleitosa e aprazível à vista humana.
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Xaveco era uma antiga embarcação muçulmana, usada durante alguns séculos por piratas. Virou sinônimo de barco velho. Como virou sinônimo de cantada? Se alguém souber, me conte.
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“Está nos trinques” – não ouço mais esta expressão, que significava andar elegantemente, vestir-se bem (no Rio Grande do Sul ouvi num outro sentido: está bêbado). Em alguns lugares usava-se para falar que algo estava perfeito. “Nos trinques”, dizia-se de algo que está bonito, harmonioso. Mas o que é trinque? É um cabide em que mascates ou vendedores de tecidos baratos expunham sua mercadoria. Então, “está nos trinques” deveria ser usado não para quem está chique, da moda, mas para quem usa roupas baratas, não?
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“Ninguém me ama / ninguém me quer / ninguém me chama / de meu amor”. Esta letra de uma música de Antônio Maria, cantada inclusive por Nat King Cole, ganhou versões rimando com o segundo verso: “Ninguém me ama / ninguém me quer / ninguém me chama / de Baudelaire”, ou “Ninguém me ama / ninguém me quer / ninguém me chama / de Rosicler”. Rosicler é nome de alguma moça? Até pode ser, mas seu significado é “de cor rosa clara”.
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Muita gente tem ou tinha um livro de cabeceira, quer dizer, um livro que mais gosta. Às vezes me perguntavam qual era o meu e eu respondia: a lista telefônica, pra pôr debaixo do travesseiro. Mas tenho uma frase de cabeceira, digamos assim. Gosto muito dela. É de autoria de Guimarães Rosa: “Trabalho não é vergonha, é só uma maldição”.
Em O Boitatá e os boitatinhas, Mouzar Benedito questiona o “progresso” que destrói a natureza e expulsa as comunidades tradicionais. As ilustrações vibrantes de Hallina Beltrão mostram aos pequenos leitores os encantos da fauna e flora.
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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em coautoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2021, Editora Limiar). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente.
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