Maria Rita Kehl e as saídas para o Brasil

Tiago Ferro comenta "Tempo esquisito", de Maria Rita Kehl: "A miscelânea de assuntos, e também de formas, reflete o esforço crítico para cercar um objeto pra lá de escorregadio: a experiência brasileira contemporânea."

Por Tiago Ferro

O linchamento do jovem negro Moïse na Barra da Tijuca, a briga entre a professora da USP e o Movimento Negro Unificado por causa de sua crítica à Beyoncé, o consumo de pornografia durante a pandemia do coronavírus, a luta histórica pela demarcação de terras indígenas, refugiados afegãos, novos arranjos familiares e também Augusto Boal, Chico Buarque, Paulo Freire, poesia contemporânea, Bacurau, Freud e Walter Benjamin. Esses são alguns dos assuntos discutidos nos mais de trinta ensaios de Tempo esquisito, obra cuja diversidade de temas num primeiro momento poderia sugerir mero diletantismo ou ecletismo esnobe por parte da autora. Nada mais equivocado.

A miscelânea de assuntos, e também de formas – Maria Rita Kehl a todo instante flerta com a ficção, lança mão da paráfrase, entre outros recursos desabusados –, reflete o esforço crítico para cercar um objeto pra lá de escorregadio: a experiência brasileira contemporânea.

O tempo esquisito do título atravessa o próprio tecido dos ensaios, num jogo de báscula que remete um texto ao outro, com recuos específicos a diferentes pontos do passado, indo dos dias de pandemia ao lulopetismo, ao governo Dilma, mas também ao abolicionismo, para quando menos esperamos nos lembrar da mola histórica do período em questão: o governo Bolsonaro. Com o perdão da expressão, o balanço é evidentemente dialético. O que nos faz reavaliar não apenas a experiência presente, mas a pretérita, à luz desse ponto de chegada (ou de partida?) que deixa de ser acidente para se transformar em sintoma de uma sociedade que “banalizou a maldade”.

A autora esteve envolvida diretamente em certos acontecimentos discutidos no livro, como a Comissão da Verdade, o que faz ressurgir a difícil relação entre teoria e prática. Despido de ilusões, mas sem jogar a toalha (a todo instante reerguida pela melhor cultura produzida no país), Tempo esquisito coloca questões cabeludíssimas: quem somos nós neste início de século? A experiência brasileira ainda conta? Qual é a função de um intelectual crítico na periferia de um sistema mundial em acelerada decomposição? Ao convidar o leitor para o diálogo, Maria Rita amplia o espectro do velho esforço intelectual de encontrar saídas para o Brasil.

***

Tempo esquisito, nova coletânea da psicanalista Maria Rita Kehl, traz para o leitor um conjunto de reflexões e análises feitas durante o período da quarentena da Covid-19: “Diante de tanta tristeza, escrever foi uma forma de ocupar o espaço do debate público sem romper o isolamento físico. Uma forma de estar com os outros”, conta a autora no prólogo.

Nos textos, além da questão da saúde pública, Kehl aborda temas recorrentes desde 2019 – início do mandato de Jair Bolsonaro na presidência –, como violência policial, desigualdade social e outros. Há artigos, por exemplo, sobre o linchamento do congolês Moïse Kabagambe, no Rio de Janeiro, em 2021, e também sobre o assassinato de Genivaldo dos Santos, morto pela Polícia Rodoviária Federal, em 2022, em Sergipe. Além, é claro, do olhar sempre voltado à psicanálise, campo principal de atuação de Maria Rita Kehl.

A autora recorre ao conceito de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal para estabelecer um paralelo com a realidade brasileira: “Ciente de ter desvirtuado a expressão em relação ao contexto em que fora criada, insisto em resgatá-la aqui para qualificar, com outro sentido, a leviandade com que muitas pessoas se sentem autorizadas a praticar ruindades contra indivíduos vulneráveis. Ou a indiferença com que se eximem de qualquer gesto de solidariedade em relação à multidão de miseráveis que aumenta a cada dia nas cidades do país”, argumenta.

O livro chega antes para os assinantes do Armas da crítica, o clube do livro da Boitempo. Especialmente neste mês, a obra do mês é acompanhada de O que você vê , livro presente para todas as idades de Alexandre Rampazo. Assine até o dia 15 de junho para garantir em primeira mão seus exemplares e todos os benefícios do nosso clube do livro! 

15 de junho é o último dia para assinar o Armas da crítica a tempo de receber a caixa do mês do nosso clube com:
📕 📱 Um exemplar de Tempo esquisitode Maria Rita Kehl, em versão impressa e e-book
🐍 O que você vê?, de Alexandre Rampazo
🎁 Marcador + adesivo
📰 Guia de leitura multimídia 
no Blog da Boitempo
📺 Vídeo antecipado na TV Boitempo
🛒 30% de desconto em nossa loja virtual
🔥 Benefícios com parceiros do clube 


Christian Dunker comenta a obra de Maria Rita Kehl na TV Boitempo

***
Tiago Ferro é escritor, editor e ensaísta.

Deixe um comentário