Como repensar, reapropriar ou recusar a tecnologia

Tarcízio Silva escreve sobre "Colonialismo digital", de Deivison Faustino e Walter Lippold: "Temos aqui indicações sobre como repensar, reapropriar ou mesmo recusar tecnologias para além de legalismos neoliberais que deixaram a tecnociência no colo dos interesses do capital."

ARTE: DAVID PLUNKERT

Por Tarcízio Silva

As conclusões de Frantz Fanon sobre a centralidade da cisão entre as categorias de colonizador-sujeito e colonizado-objeto para a sustentação do pacto social capitalista se mantêm em manifestações dos extrativismos digitais do século XXI. O colonialismo digital não só atualiza a exploração imperialista do capitalismo neoliberal, como imprime opacidade ou até mesmo falsos ares de libertação às novas facetas de gestão do precariado global.

Colonialismo digital: por uma crítica hacker-fanoniana não perde de vista como os processos de racialização empreendidos no colonialismo histórico foram ferramentas para perpetuar as hierarquias globais em prol de oligopólios capitalistas que impõem lógicas, funções e affordances das tecnologias materiais e epistêmicas em circulação como objetos de consumo. A antinegritude do projeto colonial, da maldição cristã ao racismo científico, foi laboratório da rentabilização do homem-moeda e posterior distribuição da “condição negra” como condição universal da humanidade transformada material e psiquicamente em fonte de recursos para uma fatia cada vez menor de detentores do capital das heranças do eurocentrismo e seus horrores.

Deivison Faustino e Walter Lippold nos oferecem uma publicação oportuna em um momento de acirramento das disputas por soberanias digitais, em especial em países como o Brasil. Conseguirá a gestão da vida humana pelo big data, núcleo do colonialismo de dados, reagir ao desencantamento geral sobre as benesses das mídias sociais e da globalização digital? Poderão as novas investidas discursivas neocoloniais e aceleracionistas emplacar véus sobre a realidade social através do resgate de direcionamentos libidinais à realidade virtual e metaversos? Serão essas reinvenções suficientes para amansar grupos cada vez mais numerosos, que percebem seu jugo sob categorias necropolíticas?

Os autores apontam caminhos para o desvelamento de ideologias e horizontes tecnológicos e seus imaginários por ações descolonizadoras e novos desenhos de trocas e fluxos, nos quais proletariado e cognitariado reconheçam a centralidade de seu trabalho, seu tempo e suas subjetividades expropriadas e invisibilizadas. O debate sobre a dialética da tecnologia entre dominação e libertação, vinda dos históricos de lutas anticoloniais, recebe merecido espaço. Temos aqui indicações sobre como repensar, reapropriar ou mesmo recusar tecnologias para além de legalismos neoliberais que deixaram a tecnociência no colo dos interesses do capital.


HOJE (08/05) às 15h, não perca o lançamento antecipado de Colonialismo digital: por uma crítica hacker-fanoniana, com debate entre Deivison Faustino, Karina Menezes, Sergio Amadeu, Tarcízio Silva e Walter Lippold, mediação de Marcela Magalhães:


Quais são os impactos das tecnologias em nossa sociedade? Que consequências enfrentamos com a concentração das principais ferramentas tecnológicas que regem a vida de milhões de pessoas no domínio de um punhado de empresas estadunidenses? De que maneira é possível relacionar algoritmos a racismo, misoginia e outras formas de violência e opressão?

Em Colonialismo digital: por uma crítica hacker-fanonianaDeivison Faustino e Walter Lippold entrelaçam tecnologia e ciências humanas, apresentando um debate provocador sobre diferentes assuntos de nossa era. Inteligência artificial, internet das coisas, soberania digital, racismo algorítmico, big data, indústrias 4.0 e 5.0, segurança digital, software livre e valor da informação são alguns dos temas abordados.

A obra se inicia com um debate histórico e conceitual sobre o dilema das redes e a atualidade do colonialismo para, em seguida, discutir as expressões “colonialismo digital” e “racismo algorítmico”. Ao fim, apresenta uma reflexão sobre os possíveis caminhos a seguir, partindo das encruzilhadas teóricas e políticas entre o hacktivismo anticapitalista e o pensamento antirracista radical. Para discutir a relação dialética entre tecnologia, dominação e desigualdade e propor pautas fundamentais a movimentos sociais, os autores dispõem, ao longo da obra, da contribuição de intelectuais como Frantz Fanon, Karl Marx, Julian Assange, Shoshana Zuboff, Byung-Chul Han, Marcos Dantas, entre outros.

A edição conta, ainda, com a colaboração de referências no debate nacional: a apresentação é de Sergio Amadeu, especialista em software livre e inclusão digital no Brasil; e o texto de orelha é de Tarcízio Silva, pesquisador e um dos maiores nomes do hacktivismo brasileiro.


15 de maio é o último dia para assinar o Armas da crítica a tempo de receber a caixa do mês do nosso clube com:
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Colonialismo digital: por uma crítica hacker-fanoniana é para quem gostou de:

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Tarcízio Silva é Senior Tech Policy Fellow (Mozilla), professor, mestre em Comunicação (UFBA) e doutorando em Ciências Humanas e Sociais (UFABC).

1 comentário em Como repensar, reapropriar ou recusar a tecnologia

  1. Fernando Dias Campos Neto // 08/05/2023 às 11:29 am // Responder

    ÊNFASE EM:

    “Temos aqui indicações sobre como repensar, reapropriar ou mesmo recusar tecnologias para além de legalismos neoliberais que deixaram a tecnociência no colo dos interesses do capital.”

    Sobre recusar tecnologia, parece-me algo chantagioso, pois, não há como fugir ao desafio existencial, sem optar pela má-fé. No caso, sempre me lembro do velho Octavio Ianni e o seu gramsciano “moderno príncipe”, enquanto alternativa ao “príncipe eletrônico”.

    A regulamentação dos meios de produção da tecnologia de informação, em salto histórico adiante, já é feita em outros países onde se revolucionam as relações e o modo de produção.

    A dualidade móvel da contradição principal, entre capital ( Estado) e capitalismo ( livre mercado)* versus o socialismo à moda chinesa determinaria algumas medidas mal compreendidas, porque na tensão entre dois pensamentos em mútua influência.

    Aqui, como em todo o mundo, busca-se o terceiro termo histórico e dialético.

    Não seria assim?

    Fernando Neto

    * Termos de István Mészáros.

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