A matéria nacional e o conservadorismo neoliberal

Artur Renzo apresenta a última edição da "Margem Esquerda", que marca os vinte anos da revista da Boitempo: "Quis o acaso que, exatamente duas décadas depois, o assunto na ordem do dia fosse os rumos de um recém-empossado governo Lula. Se a conjuntura de hoje é no mínimo tão inédita quanto a de ontem, há pouca dúvida de que a situação agora é mais desafiadora. As páginas que se seguem são um esforço de pensar essa nova volta do parafuso da matéria brasileira."

Escultura da Tapera, Projeto Terra, 1982, de Juraci Dórea, parte do ensaio visual da Margem Esquerda n.40.

Acaba de chegar o novo número da Margem Esquerda! O dossiê sobre Roberto Schwarz, organizado por Tiago Ferro, tem textos de Pedro Rocha de Oliveira, Ana Paula Pacheco, Felipe Catalani e Victor Santos Vigneron. A edição conta ainda com uma entrevista com o próprio Roberto Schwarz feita por Fabio Mascaro Querido, artigos de Christian Dunker, Eleni Varikas e Michael Löwy, e Fabio Luis Barbosa dos Santos, além do especial sobre conservadorismo neoliberal, com apresentação de Maria Lygia Quartim de Moraes e Maria Lucia Barroco, textos de Elaine Rossetti Behring, Maíra Kubík Mano, Stephanie Ferreira, Josefina Mastropaolo, Danielle Tega e muito mais. Confira abaixo a apresentação da edição feita por Artur Renzo, o sumário completo da revista e informações sobre a live de lançamento, que acontece na próxima quarta-feira na TV Boitempo.


Por Artur Renzo

“A matéria nacional é nossa tarefa histórica.” Assim insiste nosso maior crítico literário marxista na entrevista que abre esta edição. Aos 84 anos, Roberto Schwarz é incisivo: mesmo em um cenário de aguda desintegração social – esfarinhados a miragem desenvolvimentista e o sonho de socialismo em um só país –, a formação do Brasil segue sendo nosso problema fundamental, uma espécie de “herança maldita”. Em conversa com Fabio Mascaro Querido, ele discute os rumos da chamada tradição crítica brasileira e fala sobre aspectos pouco abordados de sua trajetória.

Na sequência, nosso dossiê aprofunda o mergulho nas contradições da “matéria brasileira” (para usar a expressão consagrada pelo crítico) trazendo perspectivas das novas gerações da teoria crítica. Coordenado por Tiago Ferro, o quarteto de ensaios investiga, retrabalha e testa alguns dos achados da obra schwarziana em confronto com a atualidade política do país.

O fracasso da nossa formação nacional cristalizou uma forma de governo baseada no adiamento e na “abolição de promessas”. Essa é a premissa adotada por Christian Dunker na sintomatologia do Brasil pós-eleições que abre nossa seção de artigos. A chave analítica lhe permite ler a reversão bolsonarista do pacto modernizador, progressista e inclusivo do lulismo como expressão de uma latência mais profunda. Sem desviar o olhar das fraturas expostas da conjuntura brasileira, o psicanalista arregaça as mangas e esquadrinha os desafios e armadilhas para desativar esse circuito de afetos e seu fundo material.

Em seguida, Eleni Varikas e Michael Löwy escrevem sobre as afinidades eletivas entre a política anarquista e a crítica weberiana à burocracia capitalista moderna. Buscando arejar os alicerces da imaginação sociológica, exploram aspectos pouco tratados da obra do teórico da “jaula de aço”, como seu interesse profundo por figuras ligadas ao anarquismo; seu respeito moral pela Gesinnungsethik anarquista e sua propensão antiautoritária. Fechando a seção, Fabio Luis Barbosa dos Santos mede a temperatura política da América Central em um ensaio sobre os paradoxos da dominação imperialista em um regime global de crise sistêmica. O historiador oferece um valioso panorama da região, articulando os casos de Guatemala, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e El Salvador.

A discussão sobre o país ganha corpo, gênero e raça em um especial sobre conservadorismo neoliberal no Brasil de Bolsonaro. Coordenada por Maria Lygia Quartim de Moraes e Maria Lucia Barroco, a seção faz um balanço das políticas públicas dos quatro últimos anos de desgoverno e procura diagnosticar as origens, desdobramentos e fissuras do neoconservadorismo brasileiro em três estudos feministas. O ensaio visual de Juraci Dórea que atravessa as páginas desta edição acrescenta outra camada à reflexão sobre os impasses da brasilidade. Com curadoria e comentário de Francisco Klinger Carvalho, percorremos um arco de quatro décadas de trabalho do artista plástico baiano.

A nova edição dos escritos de Marx e Engels sobre a Guerra Civil estadunidense é objeto de resenha de Lindberg Campos. Já Leonardo Foletto registra a importância da publicação do primeiro livro de McKenzie Wark no Brasil, enquanto a produção recente de dois dos marxistas brasileiros mais destacados da atualidade – Ricardo Antunes e Alysson Mascaro – é comentada por Murillo van der Laan e Marcos Bloise, respectivamente.

O último semestre trouxe também grandes perdas para o pensamento crítico mundial. Com as palavras pungentes do psicanalista e cineasta Tales Ab’Sáber, prestamos nossa homenagem a Jean-Luc Godard; João Sette Whitaker Ferreira escreve sobre a unidade entre trabalho intelectual e militância política na vida e obra de Mike Davis; e Ricardo Antunes nos brinda com um relato comovente sobre o legado humano e teórico de François Chesnais. Por fim, na seção poesia, Flávio Aguiar oferece seu tributo ao ensaísta e poeta Hans Magnus Enzensberger.

Este número marca os vinte anos da Margem Esquerda. Lançada em 2003, a edição de estreia da revista trazia um longo dossiê dedicado a pensar as perspectivas do primeiro governo de origem operária no país, que vacilava “entre a continuidade e a ruptura”. Quis o acaso que, exatamente duas décadas depois, o assunto na ordem do dia fosse os rumos de um recém-empossado governo Lula. Se a conjuntura de hoje é no mínimo tão inédita quanto a de ontem, há pouca dúvida de que a situação agora é mais desafiadora. As páginas que se seguem são um esforço de pensar essa nova volta do parafuso da matéria brasileira.


Na próxima quarta-feira (26/04) às 15h, não perca a live de lançamento da Margem Esquerda #40 com Maria Lygia Quartim de Moraes, Maíra Kubík Mano, Stephanie Ferreira, Josefina Mastropaolo e Danielle Tega debatendo o conservadorismo neoliberal no Brasil de Bolsonaro, na TV Boitempo:


Sumário completo

Apresentação
Artur Renzo

ENTREVISTA
Roberto Schwarz
Fabio Mascaro Querido

DOSSIÊ: A atualidade de Roberto Schwarz
Apresentação: A faca da inteligência
Tiago Ferro

Posfácios à modernização
Pedro Rocha de Oliveira

Macunaíma estuda o dinheiro
Ana Paula Pacheco

O nada na acepção brasileira do termo:
Roberto Schwarz e o chão social do niilismo

Felipe Catalani

Junho, o direito à fala
Victor Santos Vigneron

ARTIGOS
O sonho que ainda não começou:
o bolsonarismo como sombra regressiva do lulismo

Christian Ingo Lenz Dunker

Max Weber e o anarquismo
Eleni Varikas e Michael Löwy

Paradoxos do império sob o prisma da América Central
Fabio Luis Barbosa dos Santos


ESPECIAL: CONSERVADORISMO NEOLIBERAL NO BRASIL DE BOLSONARO
Apresentação
Maria Lygia Quartim de Moraes e Maria Lucia Barroco

Conservadorismo e políticas sociais no Brasil
Elaine Rossetti Behring

Retrocessos de gênero e neoliberalismo: uma tempestade perfeita
Maíra Kubík Mano e Stephanie Ferreira dos Santos Nascimento

Legalização do aborto: mais que uma pauta moral
Josefina Mastropaolo e Danielle Tega

HOMENAGENS
Qual Godard?
Tales Ab’Sáber

Mike Davis, um pensador militante
João Sette Whitaker Ferreira

François Chesnais, o marxista francês que olhava o mundo
Ricardo Antunes

RESENHAS
Guerra e revolução: os escritos de Marx e Engels sobre
os Estados Unidos

Lindberg Campos

Capitalismo pandêmico e o imperativo de inventar um
novo modo de vida

Murillo van der Laan

NOTAS DE LEITURA
O capital está morto, de McKenzie Wark
Leonardo Foletto

Crítica do fascismo, de Alysson Leandro Mascaro
Marcos Bloise Moura Santos

POESIA
Descobridores
Hans Magnus Enzensberger

Um poeta da aporia burguesa
Flávio Wolf de Aguiar

SOBRE AS IMAGENS
Cenas brasileiras e o sertão de Juraci Dórea
Francisco Klinger Carvalho

Disponível em nossa loja virtual e em livrarias de todo o país!

***
Artur Renzo é editor e tradutor. Formado em filosofia e em cinema, atualmente desenvolve pesquisa de mestrado no Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.

Deixe um comentário