Quatro tetos e um funeral: o novo arcabouço/regra fiscal e o projeto social-liberal do ministro Haddad
O mais provável é que o NAF/NRF tenda a frustrar expectativas com escolhas eleitorais e com a democracia, e estimular o conflito distributivo agudo seja na sociedade, seja no sistema político entre grupos dependentes de diferentes rubricas orçamentárias. Por isso, o NAF/NRF não é o arcabouço mais adequado para reconsolidar a democracia brasileira na conjuntura ameaçadora que ela ainda não superou.
FOTO: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
Por Pedro Paulo Zahluth Bastos
Nota do Cecon 23 (13/04/2023) – Instituto de Economia – Unicamp
Tal como o Teto de Gastos, o novo arcabouço/regra fiscal parece insustentável econômica e politicamente. Os limites impostos ao crescimento da despesa pública exigem que a despesa privada cresça a uma taxa 64% superior à taxa de crescimento da despesa pública para impedir uma desaceleração do crescimento do PIB. Isso não tem precedentes por períodos longos.
Dada a sinergia existente entre o gasto público e a renda/gasto privado, o NAF/NRF determina um limite estreito para o próprio crescimento do PIB, decretando uma trajetória de crescimento econômico baixo que é incompatível com as necessidades e com o potencial da sociedade brasileira. Ademais, o NAF/NRF também é pró-cíclico na fase de desaceleração cíclica, podendo resultar em espiral recessiva grave.
O NAF/NRF também é matematicamente incompatível com a agenda social do governo Lula, como a elevação do salário mínimo de acordo com o PIB, e com as provisões da Constituição Federal que preveem elevação do gasto público em saúde e educação. Ele deliberadamente determina uma redução do peso da despesa pública no PIB, como outras regras neoliberais semelhantes no resto do mundo.
O Plano de Aceleração do Crescimento Privado proposto pelo ministro Haddad, centrado na redução de taxas de juros supostamente trazida pela austeridade fiscal, e em concessões e parcerias público-privadas (PPPs) que ocupem o vácuo deixado pela contração da despesa pública, não parece capaz de gerar a taxa de crescimento da despesa privada que impeça desacelerações do crescimento do PIB seguidas de recessões ou estagnações prolongadas.
Se tiver sucesso junto com o projeto social-liberal ao qual se vincula (o que é pouco provável), o NAF/NRF talvez represente o funeral do que os liberais chamam de “Estado patrimonialista” ou “capitalismo de compadres”, mas mais precisamente da política econômica social-desenvolvimentista que caracterizou os governos de Lula. O modo petista de governar ficará muito mais parecido com o modo tucano de administrar, ou melhor, de abrir espaço para a iniciativa privada na oferta de serviços públicos e infraestrutura.
No entanto, o mais provável é que o NAF/NRF tenda a frustrar expectativas com escolhas eleitorais e com a democracia, e estimular o conflito distributivo agudo seja na sociedade, seja no sistema político entre grupos dependentes de diferentes rubricas orçamentárias. Por isso, o NAF/NRF não é o arcabouço mais adequado para reconsolidar a democracia brasileira na conjuntura ameaçadora que ela ainda não superou.
Para evitar tais características indesejáveis, e principalmente impedir que o NAF/NRF penalize os mais pobres, algumas emendas parlamentares podem ser propostas e debatidas. Afinal, se o projeto social-liberal der errado, o risco é muito alto, pois mais uma vez na história uma enorme oportunidade de consolidar a democracia será sacrificada no altar da austeridade.
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Pedro Paulo Zahluth Bastos é professor de desenvolvimento socioeconômico, economia internacional e brasileira no IE-Unicamp, onde é coordenador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon). Foi Chefe do Departamento de Política e História Econômica (Unicamp, 2008-2012) e Presidente da Associação Brasileira de História Econômica (ABPHE, 2009-2011).
O professor Pedro Paulo Zahluth Bastos poderia deixar, em um segundo artigo, talvez, algumas sugestões de que emendas poderiam ser afeitas ao Novo Arcabouço Fiscal.
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