Domenico Losurdo avesso a neopopulismos

Ao identificar no imperialismo dos Estados Unidos a principal força de contenção do desenvolvimento soberano dos povos e nações de todo o mundo, Losurdo retoma a questão da formação dos blocos regionais, entendendo-os como alternativas de reposicionamento das lutas nacionais, que as fortalece, e não como ameaças à independência e à soberania.

Por Rita Coitinho

Deveria a esquerda lutar contra a existência da União Europeia? Há, no mundo de hoje, a configuração de uma disputa interimperialista? A questão nacional está superada? Nessas e noutras questões concentram-se os escritos selecionados por Emiliano Alessandroni para compor Imperialismo e questão europeia, obra póstuma de Domenico Losurdo, que vem acompanhada de textos críticos essenciais do próprio organizador e de Stefano Azzarà.

Tendo desenvolvido sua carreira em uma era de declínio da esquerda revolucionária europeia, Losurdo não se rendeu ao modismo neopopulista, caracterizado pelo “aborrecimento” com a forma partidária e pela tendência de dissolver os partidos revolucionários nas multidões. Tal tendência, tão bem caracterizada nos ensaios reunidos na obra, é marcada pela ideia de esgotamento da questão nacional e pela condenação indiscriminada dos vários “imperialismos”. Dessa avaliação, que atribui equivalência de papéis à Europa e aos Estados Unidos, decorreria a posição, amplamente difundida na esquerda comunista europeia, de que é necessário combater a União Europeia, tratada como manifestação do imperialismo alemão e, em certa medida, francês, sobre os demais países do bloco e sobre o resto do mundo.

Essa leitura, para Losurdo, sofre de uma miopia política evidente, aproximando-se de uma visão populista, que concebe a história como conspiração. Tal visão, presente em movimentos políticos dos Estados Unidos no século XIX e renascida com contornos neoproudhonianos no fim do século XX no seio da própria esquerda e, também nos dias de hoje, na new right, vê no povo a personificação dos mais altos valores humanos. Assim, bastaria neutralizar os poderosos e os traidores para se chegar ao reino da justiça e da felicidade.

Losurdo enfrenta a questão antieuropeísta retornando a Lênin, para quem “o capital financeiro é uma força tão grande e tão decisiva em todas as relações econômicas e internacionais, que é capaz de subordinar, e de fato subordina, mesmo os Estados que contam com uma independência política mais completa”. Retoma também Mao Tsé-Tung, que já apontava a supremacia dos Estados Unidos no cenário internacional.

Nessa linha, Losurdo afirma: “É preciso reiterar com veemência: a questão nacional nunca foi tão aguda”. A luta contra a subjugação política das nações intensifica-se e, diante dela, a União Europeia não se constitui como o adversário, mas como possível mecanismo de articulação das nações continentais em uma luta de resistência ao domínio dos Estados Unidos. Desse modo, não é possível compreender a situação internacional de nossa era sem que se reconheça que em 1991 os Estados Unidos alcançaram uma vitória que se assemelha a uma vitória napoleônica, impondo tanto à Europa quanto ao Japão a renúncia ao tradicional “direito soberano da nação”, ou seja, o recurso ao uso da força e à ameaça do uso da força.

Ao identificar no imperialismo dos Estados Unidos a principal força de contenção do desenvolvimento soberano dos povos e nações de todo o mundo, Losurdo retoma a questão da formação dos blocos regionais, entendendo-os como alternativas de reposicionamento das lutas nacionais, que as fortalece, e não como ameaças à independência e à soberania. Um raciocínio, sem dúvida, de grande originalidade nos marcos do marxismo de nossa época, que recoloca em chave criativa os desenvolvimentos de Lênin, Mao e Gramsci. Uma leitura imprescindível para os nossos dias.

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Imperialismo e questão europeia é uma obra póstuma de Domenico Losurdo, organizada por Emiliano Alessandroni, com base em um conjunto de artigos escritos entre 1978 e 2017, tematizando a União Europeia em diferentes fases.

Na apresentação, Alessandroni põe em relevo a constante preocupação do autor com a questão europeia. Losurdo defendia um posicionamento contrário à saída da Itália da União Europeia, o que gerava críticas tanto pelo Partido Comunista como por parte de outros setores da intelectualidade e da militância de esquerda. Segundo Losurdo, os argumentos de que se deveria abandonar a União Europeia por seu viés capitalista e imperialista não encontram sentido, pois “seguindo essa lógica, também deveríamos sair da Itália”.

Losurdo contribui para lançar luz sobre alguns nós não desatados do nosso presente: o legado da tradição colonial e do nazifascismo, a democracia moderna e a identidade política da União Europeia. Os artigos selecionados – atendendo aos últimos desejos de Losurdo de apresentar seu pensamento sobre as complexas relações entre União Europeia e imperialismo – fornecem os instrumentos analíticos com os quais é possível refinar a nossa perspectiva de conflitualidade, libertar-se de uma representação mecanicista das contradições sociais e adquirir, tanto do ponto de vista espacial quanto temporal, um olhar muito mais amplo e profundo – ou seja, uma visão dialética – sobre os grandes conflitos que inflamaram e continuarão a inflamar os nossos tempos.

A obra tem tradução de Sandor José Ney Rezende, organização e introdução de Emiliano Alessandroni, posfácio de Stefano G. Azzarà, texto de orelha de Rita Coitinho e capa de Maikon Nery.

“Com esta coletânea de artigos, esperamos não só atender aos seus últimos desejos e contribuir para dar a conhecer o seu pensamento sobre o tema aqui exposto, mas também lançar uma luz esclarecedora, precisamente, sobre a controversa questão europeia e sobre o conceito de imperialismo.”
– Emiliano Alessandroni 

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Rita Coitinho é socióloga, doutora em Geografia Humana pelo Programa de Pós Graduação em Geografia na Universidade Federal de Santa Catarina, escritora e tradutora. Integrante no Núcleo de Estudos Materialismo Histórico e Geográfico “Nino Gramsci” da UFSC. Colaboradora no CHAM – Centro de Humanidades da Nova Universidade de Lisboa. Mestra em Sociologia pela Universidade de Brasília (2007) e graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004).

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