Cultura inútil | Contra as regras
De Goethe a Machado de Assis, passando por Dalai Lama, Simone de Beauvoir, Freud e Clarice Lispector, Mouzar Benedito faz uma seleção de frases contra as regras.
ARTE: BEPPE GIACOBBE
Por Mouzar Benedito
Nada a ver com contra-regras (contrarregras, na grafia pós-reforma), profissional de grande importância no teatro. São regras sociais que às vezes me irritam. São feitas para manter as coisas como estão. Estão bem? Vale a pena manter o mundo, o Brasil e as coisas como estão? Elas são feitas por quem está em situação privilegiada. E quando deixam de ser boas para eles, eles as mudam. Regra vale para pobre, para gente sem poder. Às vezes digo: cercas são feitas para serem puladas ou rompidas, assim como regras são feitas para serem quebradas… Ou mantidas por quem se beneficia delas.
Certo, em esportes, por exemplo, são necessárias, já que esporte é competição, tem vencedor e vencido. Boxe, futebol, basquete, caratê, judô, tiro ao alvo… Falando nisso, um conterrâneo meu dizia que esse negócio de esporte é coisa dos tempos em que as guerras eram travadas no corpo a corpo ou com lanças, arco e flecha, essas coisas. Hoje em dia (quer dizer, já há mais de 50 anos quando ele me disse isso), guerra se faz com bombardeios, mísseis, metralhadoras… Então esse negócio de esporte não devia existir mais.
Molecão, discordei dele. Disse que esses esportes que exaltam o domínio de uma pessoa sobre outra, sim, não deviam existir mais. Mas esporte é também lazer, tem algo a ver com saúde física e mental. Bom, pensando assim, posso dizer que defendi regras, pois os esportes costumam tê-las (ui… dei uma de Temer). E quando ele é encarado numa boa, como num jogo de pelada, podemos construir nossas próprias regras válidas só para isso.
Mas a vida não é um jogo de futebol.
Em tempo: quero que tenhamos certas regras de convivência, sim! Mas feitas por nós, para uma convivência verdadeiramente fraterna, não do tipo que uns fazem e outros cumprem. Uma casta maldita atual quer regras que limitem ou impeçam tudo que vai contra eles, e não existam para todos os seus abusos e suas violências.
Bem… Existem milhares de frases sobre o assunto, com visões a favor delas ou contra. Selecionei umas tantas, a maioria de acordo com o meu gosto, claro.
Millôr Fernandes: “Só uma regra é definitiva: não há regras definitivas”.
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Victor Hugo: “Há pessoas que observam as regras de honra como se veem as estrelas: de longe”.
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Nietzsche: “A moralidade é a melhor de todas as regras para orientar a humanidade”.
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Nietzsche, de novo: “Nos indivíduos, a loucura é algo raro – mas nos grupos, nos partidos, nos povos, nas épocas, é regra”.
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Mark Twain: “Faça algo todo dia que você não quer fazer, esta é a regra de ouro para adquirir o hábito de fazer suas obrigações sem sofrimento”.
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Mary Lou Cook: “Criatividade é inventar, experimentar, crescer, correr riscos, quebrar regras, cometer erros, e se divertir”.
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Jean Cocteau: “Nada existe de audacioso sem a desobediência de regras”.
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Jean Cocteau, de novo: “As leis morais são as regras de um jogo no qual todos fazem batota, e isto desde que o mundo é mundo”.
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Clarice Lispector: “Viver em sociedade é um desafio porque às vezes ficamos presos a determinadas normas que nos obrigam a seguir regras limitadoras do nosso ser ou do nosso não ser…”.
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Oscar Wilde: “A moral não me ajuda. Sou antagônico nato. Sou uma daquelas pessoas que são feitas para exceções, não para regras”.
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Augusto Cury: “Quem é um manual de regras está apto a lidar com máquinas e não com pessoas”.
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Paul Valéry: “Um homem competente é um homem que se engana segundo as regras”.
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Valéry, de novo: “Se a regra é a desordem, pagarás por instituir a ordem”.
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Denis Diderot: “Ignoro o que sejam princípios, a não ser que se tratem de regras que se prescrevem aos outros para nosso proveito”.
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Friedrich Novalis: “Até mesmo o acaso não é impenetrável, tem as suas próprias regras”.
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Confúcio: “Seja o caráter formado pela poesia, estabelecido pelas regras do procedimento correto e aperfeiçoado pela música”.
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Salvador Dalí: “Deixa-me por um instante submergir na loucura dos artistas. Esquecer as regras que impõem ao homem não transgredir tudo aquilo que nós conhecemos. Não temo a aventura de um mundo surrealista porque o meu espírito não conhece outra verdade que aquela que me eleva às fronteiras do impossível. No dia que deixar de sonhar, manda-me flores brancas”.
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Machado de Assis: “Conhecia as regras do escrever, sem suspeitar as do amar; tinha orgias de latim e era virgem de mulheres”.
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Dalai Lama: “O maior juiz dos seus atos deve ser você mesmo e não a sociedade. Aprenda as regras e quebre algumas”.
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Douglas MacArthur: “Você é lembrado pelas regras que quebra”.
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Pablo Picasso: “Aprenda as regras como um profissional, então poderá quebrá-las como um artista”.
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Rousseau: “Ousarei expor aqui a mais importante, a maior, a mais útil regra de toda a educação. É não ganhar tempo, mas perdê-lo”.
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Goethe: “Os jovens e as mulheres querem a exceção, os velhos querem as regras”.
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Goethe, de novo: “Toda regra destrói o verdadeiro sentimento e a verdadeira expressão da natureza”.
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Simone de Beauvoir: “A arbitrariedade das ordens e das proibições com as quais me confrontava denunciava-lhes a inconsistência”.
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Katherine Mansfield: “Tenha como regra na vida nunca se arrepender e nunca olhar para trás. O arrependimento é um terrível desperdício de energia, você não pode construir sobre ele, e ele é bom apenas para se ficar revolvendo”.
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Rui Barbosa: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade… Tratar com desigualdade iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não a igualdade real”.
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Henry David Thoreau: “Qualquer idiota pode fazer uma regra e qualquer idiota a seguirá”.
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Marie von Ebner-Eschenbach: “Exceções não são sempre a confirmação da regra antiga; elas podem também ser o precursor de uma nova regra”.
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Fernando Pessoa: “Não há normas. Todos os homens são exceção a uma regra que não existe”.
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Max Weber: “Regra é, em primeiro lugar, gestão da vida cotidiana”.
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Martha Medeiros: “Li em algum lugar que há uma regra de decoração que merece ser obedecida: para onde quer que se olhe, deve haver algo que nos faça feliz”.
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Nelson Rodrigues: “Via de regra, cada um de nós morre uma única e escassa vez. Só o ator é reincidente. O ator ou a atriz pode morrer todas as noites e duas vezes aos sábados e domingos”.
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Sigmund Freud: “Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico pode ser salvo”.
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Samuel Butler: “Não conheço nenhuma exceção a esta regra: custa menos comprar o leite do que ter uma vaca”.
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Jane Austen: “O estilo de um homem não deve ser a regra de outro”.
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Tati Bernardi: “A regra do ‘tudo que vai, volta’ não funciona comigo. Se eu for, não volto”.
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Jean-Luc Godard: “Cultura é regra, arte é exceção”.
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Maiakovski: “Eu não forneço nenhuma regra para que uma pessoa se torne poeta e escreva versos. E, em geral, tais regras não existem. Chama-se poeta justamente o homem que cria estas regras poéticas”.
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Rubem Alves: “Esta é a regra fundamental desse computador que vive no corpo humano: só vai para a memória aquilo que é objeto do desejo. A tarefa primordial do professor: seduzir o aluno para que ele deseje e, desejando, aprenda”.
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Marquês de Maricá: “Confiar desconfiando é uma regra muito salutar da prudência humana”.
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Maricá, de novo: “Ordem social é limitação de liberdade; desordem, liberdade ilimitada”.
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Charles Darwin: “Se eu tivesse minha vida para viver de novo, eu teria feito uma regra de ler alguma poesia e ouvir música pelo menos uma vez a cada semana”.
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Claude Debussy: “Obras de arte fazem regras, mas as regras não fazem obras de arte”.
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Federico Fellini: “Essa história de confusão mental é típica dos reacionários, que acham necessário ter ideias claras sobre tudo, interpretar tudo de modo racional, sem precisar duvidar de nada”.
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Barão de Itararé: “A gramática é o inspetor de veículos dos pronomes”.
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Manoel de Barros: “Pois minha imaginação não tem estrada. E eu não gosto mesmo da estrada. Gosto do desvio e do desver”.
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Manoel de Barros, de novo: “Desfazer o normal há de ser uma norma”.
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Kafka: “Os bons vão ao passo certo; os outros, ignorando-os inteiramente, dançam à volta deles a coreografia da hora que passa”.
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Mario Quintana: “Por que prender a vida em conceitos e normas? O belo e o feio… O bom e o mau… A dor e o prazer… Tudo, afinal, são formas e não degraus do ser”.
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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em coautoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2021, Editora Limiar). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente.
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