Gramsci e a relação entre governantes e governados

Luciana Aliaga escreve sobre “Os líderes e as massas”, de Antonio Gramsci, destacando como esses escritos ainda são capazes de fornecer lições valiosas para o presente.

Antonio Gramsci em 1933.

Por Luciana Aliaga

Em 1932, depois de seis anos sob o cárcere fascista, Antonio Gramsci definiu sinteticamente a filosofia da práxis, isto é, o materialismo ativo e renovado, como uma “filosofia de massas”, que seria formada no seio da luta e só poderia ser concebida “de forma polêmica”. Sendo assim, seu caráter de massas não teria como prescindir do conjunto das classes subalternas e do senso comum; só poderia ser desenvolvido a partir da crítica e do bom senso. Essa definição emergiu justamente em meio à polêmica com o líder soviético Nikolai Bukhárin, que se tornara o centro da crítica ao marxismo da Terceira Internacional após a morte de Lênin, cristalizado em dogmas e inacessível aos comuns.

Percebe-se então, retrospectivamente, como a fórmula “filosofia de massas” concentra em si elaborações de um longo período de lutas, desde as ocupações de fábrica, da militância no Partido Socialista Italiano e posteriormente no Partido Comunista da Itália até a chegada à Internacional Comunista e a prisão, em 1926. O período anterior ao cárcere foi, de fato, o laboratório no qual o líder comunista apreendeu teorias, testou táticas, avaliou estratégias, debateu-se com todo tipo de oportunismo e de revisionismo nas fileiras sindicais, parlamentares, socialistas e comunistas.

Os escritos de Gramsci de 1921 a 1926, reunidos em Os líderes e as massas, revelam as entranhas das lutas do movimento operário em diferentes frontes: externamente, no enfrentamento e na resistência contra o poder esmagador do capital, investido da violência fascista nos anos posteriores à guerra até o cárcere. Internamente, no combate, por um lado, às lideranças revisionistas e oportunistas, cujo intuito maior consistia em “administrar” o conflito e de certa forma alimentar-se dele e, por outro lado, ao extremismo esquerdista, cujo comportamento disruptivo ameaçava a própria existência do movimento operário organizado. Nessas diferentes trincheiras, a posição de Gramsci sempre esteve fincada ao lado dos operários e dos camponeses.

Na histórica divisão entre governantes e governados, o comunista sardo nunca teve dúvidas: eram os governados, as massas, que estavam com a razão, ainda que difusa e oculta no senso comum. Nesse sentido, temos em mãos um material fundamental para investigar mais a fundo o pensamento político de Gramsci e conhecer as lições que a história certamente ensina, “mas apenas os prudentes reconhecem”, como ensina o mestre Maquiavel.

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Os líderes e as massas: escritos de 1921 a 1926, nova obra da coleção Escritos Gramscianos, reúne 34 textos redigidos por Antonio Gramsci entre 1921 e 1926, dos quais 29 são publicados pela primeira vez no Brasil. Os artigos apresentam uma fase do amadurecimento intelectual do pensador sardo e dão continuidade a suas ideias sobre a democracia dos conselhos e a nova ordem que deveria se traduzir na transformação das grandes massas populares.

A relação entre os trabalhadores, os líderes e as hierarquias estabelecidas é uma das ideias centrais da obra. Em um dos artigos, escrito por ocasião da morte de Lênin, em 1924, Gramsci reflete sobre o problema essencial da existência ou não de um “líder” – e pensa que, para que o “líder” e o partido não se transformem em uma relação deslocada e superficial, ambos devem primeiro fazer parte da classe, ou pelo menos representar seus interesses e suas aspirações mais vitais.

Os líderes e as massas tem tradução de Carlos Nelson Coutinho e Rita Coitinho, seleção dos textos e apresentação de Gianni Fresu, notas da edição de Luciana Aliaga, texto de orelha de Luciana Aliaga e capa de Maikon Nery.

“Gramsci nunca se considerou um chefe. Era de tal modo próximo dos trabalhadores! Dizia sempre que aprendia com os operários, não que estes aprendiam com ele. Quando terminava o trabalho no jornal, juntava-se a redatores e operários que frequentavam a redação a qualquer hora do dia e da noite: discutia com eles por horas e horas. Pensava que, conversando com os operários, sempre aprenderia algo. Eu acredito que ele soube aplicar o marxismo à contingência da época justamente porque havia esse vínculo estreito entre ele e a classe operária; ligação pessoal e de natureza geral, política.”
Teresa Noce 

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Luciana Aliaga é professora do departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e secretária da International Gramsci Society Brasil (IGS-BR).

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