A técnica da escritora em 13 teses
Em diálogo com Walter Benjamin e seu texto “A técnica do escritor em treze teses”, Bruna Della Torre faz uma provocação feminista.
Por Bruna Della Torre
1. Não esqueça: o feminismo é identitarismo; uma pauta americana que foi superada pelo marxismo ortodoxo, pela velha teoria crítica, pela sociologia conservadora e pelo bolsonarismo.
2. Mantenha à distância as críticas antirracistas e as teorias queer. Além de importadas, essas teorias são pós-modernas. All lives matter.
3. É falta de educação não querer conviver com um assediador, especialmente em espaços acadêmicos. Questões como essas são do âmbito pessoal e não devem ser levadas para outros ambientes. Jamais escreva ou fale sobre elas. O importante é que a reputação de pessoas como ele continue intacta. Seja ainda mais precavida caso o sujeito seja de “esquerda”. Não se pode dividir a luta, nem produzir mal-estar. Não seja uma pessoa geniosa.
4. Lembre-se de que o objeto de pesquisa de seus colegas e professores é deles. Já o seu – como seu corpo – é de domínio público e conhecimento comum. O acesso a ele dispensa permissões e citações.
5. Pouco importa se você cita em alemão, francês, espanhol ou inglês.
6. Leia e releia suas frases. Deixe-as tão bem polidas quanto nos ensinaram por séculos a fazer brilhar o chão da cozinha. Mas não escreva bem demais a ponto de causar ressentimento nos seus pares. Nesse momento, todo cuidado é pouco.
7. Um doutoramento tem pesos diferentes dependendo de quem o possui.
8. Quando alguém repetir uma ideia sua como se fosse dele, ouça com paciência, anote e elogie. De preferência, faça referência a ele em seus textos.
9. Tome a fábula de Kafka como modelo. Os porteiros não te deixarão entrar. Sente-se diante da Lei e aguarde.
10. Ao invés de tomar partido, cale-se. Lembre-se que a dialética, assim como a herança antigamente, passa-se apenas de pai para filho. Não reivindique algo que não foi legado a você. É sempre bom ter em mente que nós atuamos no campo da particularidade independente do que pesquisemos. A teoria está fora da nossa alçada.
11. O problema do feminismo é que ele incorre num policiamento da crítica. Ele quer determinar quem se pode e quem não se pode ler, o que se pode e o que não se pode escrever ou fazer – deseja até mesmo transformar a linguagem. Nesses casos, melhor ater-se ao cânone, à gramática e ao status quo. Estes são bem mais democráticos.
12. Cite de maneira comedida para não incorrer na gafe de apresentar uma referência desconhecida pelos avaliadores. Esse erro pode custar caro, assim como desqualificar posições hegemônicas no campo. Na dúvida, declare o método sem discordar de ninguém. E não deixe de citar os principais nomes de cada área, mesmo que eles não tenham escrito absolutamente nada a respeito do assunto tratado.
13. Tenha o cuidado de só escrever a verdade no âmbito da ficção. O distanciamento do “eu lírico” e da “narradora” vem sempre a calhar em momentos como esse. Descreva ao invés de narrar.
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Bruna Della Torre é pesquisadora do Centro Käte Hamburger para estudos apocalípticos e pós-apocalípticos da Universidade de Heidelberg e pós-doutoranda no Departamento de Sociologia da Unicamp (bolsista Fapesp), onde estuda teoria crítica, indústria cultural e agitação fascista no Brasil. Editora executiva da revista Crítica Marxista, pesquisadora associada ao Laboratório de Estudos de Teoria e Mudança Social (Labemus) e membra da coletiva Marxismo Feminista. Realizou pós-doutorado no Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada, doutorado em Sociologia, ambos com apoio da Capes, e mestrado em Antropologia com apoio da Fapesp, todos na Universidade de São Paulo. Durante o doutorado, foi pesquisadora visitante na universidade Goethe, na Alemanha, com apoio do DAAD, e na universidade Duke, nos Estados Unidos, com apoio da Capes. Durante o pós-doutorado, realizou um estágio de pesquisa na universidade Humboldt e no arquivo Walter Benjamin/Theodor W. Adorno na Akademie der Künste em Berlim com apoio do DAAD. Escreve para o Blog da Boitempo mensalmente.
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