2022, o recomeço do futuro

Um compilado de tudo que rolou por aqui no ano que se encerra. Em 2023, seguiremos acreditando no poder transformador da leitura para que ela nos ajude a moldar um mundo radicalmente democrático e socialmente justo. O futuro recomeçou.

2022 terminou no final de outubro. Os dois meses seguintes formaram uma espécie de 2022doB, um tempo marcado pelo esforço descomunal de nosso povo em dizer chega de fascismo, de desesperança, de estupidez, de negacionismo, de terraplanismo e tantos etecéteras mais. Foi o período mais difícil da história brasileira. Marcado por calamidades políticas, econômicas, sociais, institucionais, sanitárias e ecológicas. Por ataques sucessivos ao mundo do livro e pelo completo desmonte das universidades públicas e todo o setor cultural. Atravessado por uma crise de hegemonia na qual derrotas, tristezas e aprendizados conviveram lado a lado com o renascimento da esperança. Que os novos tempos sejam mais leves.

Por aqui, fizemos a nossa parte: lançamos livros que buscaram compreender os dilemas, as lutas e os horizontes possíveis (às vezes até aqueles considerados impossíveis). A democracia e a ascensão da extrema-direita foram temas que permearam algumas de nossas principais publicações e conteúdos. No início do ano, Christian Dunker analisou as relações entre clínica e crítica em tempos sombrios no seu Lacan e a democracia. Lembramos que o amor e a solidariedade podem vencer o medo nos emocionando com as inúmeras demonstrações de Querido Lula: cartas a um presidente na prisão. Já Valerio Arcary advertiu sobre a necessidade de se deixar de lado o individual ante o coletivo em Ninguém disse que seria fácil, preocupação dividida com Multidões e partido, de Jodi Dean, obra que enfatiza a importância do partido enquanto organização capaz de revigorar a prática política. Feminismo em disputa, de Esther Solano, Beatriz Della Costa e Camila Rocha, destaca por sua vez a importância do diálogo para construir uma agenda comum para todas as brasileiras. Em Crítica do fascismo, Alysson Mascaro reforçou que enquanto houver capitalismo, o fascismo será sempre uma ameaça. Os debates sobre democracia também marcaram o VII Salão do Livro Político, transmitido pela TV Boitempo.

A estreia da Rádio Boitempo, o podcast da editora, também foi dedicada aos desafios da democracia, o tema da temporada. Na TV Boitempo, recebemos especialistas em diversas áreas na série Brasil em disputa, que buscou compreender como chegamos até aqui, apontando ainda o que enfrentaremos adiante. Na série Democracia no divã, comandada por Christian Dunker, recebemos alguns dos principais nomes da psicanálise para debater como o campo clínico contribui para a reflexão histórica sobre a democracia e para a revalorização da palavra em sua ação direta pelos sujeitos.

Este ano também marcou a estreia dos audiolivros da Boitempo, com quatro importantes lançamentos: Feminismo para os 99%: um manifesto, de Cinzia Arruzza, Tithi Batthacharya e Nancy Fraser; Mulheres e caça às bruxas, de Silvia Federici; Manifesto comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, lido por José Paulo Netto e A verdade vencerá, de Luiz Inácio Lula da Silva.

Enquanto principal casa editorial de Karl Marx no Brasil e referência internacional pelas edições de sua obra, brindamos nossos leitores com dois novos volumes da coleção Marx-Engels: A guerra civil dos Estados Unidos, mais completa compilação em português sobre o tema, e a primeira tradução brasileira diretamente do original em alemão do célebre Capítulo VI do Livro I de O capital, juntamente com a pouco conhecida Enquete operária. Do outro lado do Atlântico, Marcello Musto contribuiu com um guia para as novas leituras do filósofo alemão e de seu legado com Repensar Marx e os marxismos. O ano que se encerra marcou ainda a volta de nosso Dia M, o aniversário de Marx, em formato presencial e com muita festa na Nave Coletiva, além de extensa programação online na TV Boitempo.

Como forma de reduzir os efeitos das investidas palacianas à cadeia do livro, organizamos a primeira edição da Ocupação Boitempo, com ações e promoções inéditas em mais de 90 livrarias espalhadas por todo o país, além de uma programação de debates online sobre o mercado editorial, novas tecnologias, bibliodiversidade, livrarias independentes, acesso e distribuição de livros no país e políticas públicas de incentivo à leitura.

Tivemos também efemérides importantes e discussões em torno de seus significados. Patuscada ou revolução estética? Um século depois da ruidosa manifestação de jovens intelectuais, realizada no histórico fevereiro de 1922, a questão permanece e é analisada por Marcia Camargos em nova edição de Semana de 22: entre vaias e aplausos. Já o centenário do Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi comemorado com a publicação das obras completas de Astrojildo Pereira, um de seus fundadores, além da nova edição de sua biografia, escrita por Martin Cezar Feijó. Sinfonia inacabada, de Antonio Carlos Mazzeo, uma alentada exposição da política dos comunistas e da esquerda brasileira, também ganhou nova edição. A TV Boitempo promoveu um curso dedicado ao centenário do Partidão e a Rádio Boitempo também teve episódio especial sobre a efeméride. Por fim, duzentos anos após o grito do Ipiranga, Independência do Brasil: a história que não terminou, organizado por Antonio Carlos Mazzeo e Luiz Bernardo Pericás, sintetiza uma discussão vasta e elucidativa sobre esse processo que até hoje desperta controvérsias e mal-entendidos. O livro deu origem a um curso em parceria com o SESC, a ser disponibilizado na TV Boitempo.

Os desafios do presente foram analisados em diversas obras: Capitalismo pandêmico, de Ricardo Antunes, buscou compreender de que forma a pandemia agravou as já abissais desigualdades sociais no Brasil, na América Latina e no mundo; O solo movediço da globalização, de Thiago Aguiar, observou a desastrosa integração da economia brasileira ao capitalismo global nas primeiras décadas do século XXI através do caso da Vale S.A; Teorema da expropriação capitalista, de Klaus Dörre, abordou como a expansão do modo de produção capitalista trouxe impactos notáveis para as reflexões que envolvem classes sociais, Estado e precarização; O valor da informação, de Marcos Dantas, Denise Moura, Gabriela Raulino e  Larissa Ormay, examinou como o capital se apropria do trabalho social na era do espetáculo e da internet; em O cuidado: teorias e práticas, Helena Hirata apresenta um estudo sobre o cuidado com os idosos, composto de análises realizadas no Brasil, na França e no Japão. Enquanto isso, na TV Boitempo as colunas Café Bolchevique, de Mauro Iasi, e Razão Quente, de Boaventura de Sousa Santos, trouxeram potentes reflexões sobre a conjuntura.

A luta contra as diferentes formas de opressão também marcou presença no ano que chega ao fim. Em Justiça interrompida, Nancy Fraser oferece um quadro teórico abrangente para analisar as diferentes causas e soluções para as injustiças econômicas e culturais. Bem mais que ideias, de Patricia Hill Collins, busca fornecer ferramentas conceituais para a construção teórica da interseccionalidade. Já O sentido da liberdade e outros diálogos difíceis, de Angela Davis, analisa a questão que dá título ao livro e propõe caminhos para extinguir todas as formas de opressão que negam aos sujeitos liberdade política, cultural e sexual. Os três livros foram debatidos em episódios do quadro Conversas camaradas, da Rádio Boitempo. O lançamento de Davis foi pauta ainda de uma entrevista histórica concedida a Mano Brown. Por seu lado, Como a Europa subdesenvolveu a África, obra-prima da economia política escrita por Walter Rodney em 1972 e publicada pela primeira vez em português, analisa como o inabalável “subdesenvolvimento” africano não é um fenômeno natural, mas sim produto da exploração imperial do continente, prática que continua até os dias atuais.

A literatura não poderia deixar de figurar entre os nossos lançamentos, especialmente em um ano tão duro. Em Um dia esta noite acaba, Roberto Elisabetsky entrelaçou a história de uma família com a história recente de nosso país. Eu já morri, de Edyr Augusto, retrata com a contumaz dureza personagens singulares da cidade de Belém. Febre de cavalos, romance de estreia de Leonardo Padura, escrito no início dos anos 1980, prenuncia o imenso talento do autor de O homem que amava os cachorros numa história de aprendizagem sobre o amor e a vida. Da Erótica: muito além do obsceno, de Manuel Maria de Barbosa du Bocage – antologia inédita e caprichada do poeta português, com seleção, organização e apresentação de José Paulo Netto –, transborda erudição e faz um elogio à liberdade do prazer.

Literatura infantil não poderia, claro, ficar de fora. Pela editora Boitatá foram publicadas duas obras de bell hooks, que completaria 70 anos neste ano: A pele que eu tenho e Ranheta Ruge Rosna. Os pequenos leitores também conheceram mais um personagem encantador de Olga de Dios, o Monstro Azul; e A cidade dos animais, de Joan Negrescolor, fábula sobre a natureza, a harmonia entre os humanos e os animais. Para celebrar o Dia Nacional do Livro Infantil e incentivar a leitura, o evento online Diálogos Boitáta promoveu o debate sobre as atuais literaturas infantis em seus diversos aspectos e foi transmitido pela TV Boitempo.

Por fim, o ano foi novamente marcado por lançamentos de alguns de nossos grandes autores: Homens ou máquinas?, de Antonio Gramsci; A questão comunista, de Domenico Losurdo; O que é a filosofia?, de Giorgio Agamben; Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, de Vladímir Lênin; e Descolonizar: abrindo a história do presente, de Boaventura de Sousa Santos.

Publicamos mais de quarenta títulos novos e reimprimimos centenas de livros do catálogo. Nosso blog cresceu, superou 1 milhão de acessos em mais de 250 postagens, e nosso canal do YouTube, a TV Boitempo, atravessou a marca dos 350 mil inscritos, com 115 novos vídeos. Nosso podcast, a Rádio Boitempo, esteve entre os 5% mais compartilhados do mundo, chegando a quase 30 mil reproduções. E nosso clube de assinantes, o Armas da Crítica, completou dois anos oferecendo a mais fina seleção de títulos do pensamento crítico do Brasil e do mundo.

Não somos modestos, sabemos. E nada disso teria sido possível sem vocês. Os livros, os encontros e as trocas nos ajudaram a sobreviver a esses tempos desafiadores. Agradecemos o apoio vital de todos os que nos acompanham – autores, colaboradores, professores, parceiros, livreiros e leitores –, parte essencial da história da Boitempo. É esse trabalho coletivo, que emerge como um conjunto, que move nossa existência.

Para 2023, seguiremos como Lênin “em grupo cerrado por um caminho íngreme e difícil, de mãos firmemente dadas”, acreditando no poder transformador da leitura para que ela nos ajude a moldar um mundo radicalmente democrático e socialmente justo.

Livros publicados em 2022

  1. Homens ou máquinas?: escritos de 1916 a 1920, de Antonio Gramsci
  2. Semana de 22: entre vaias e aplausos, de Marcia Camargos
  3. Lacan e a democracia: clínica e crítica em tempos sombrios, de Christian Dunker
    Um dia esta noite acaba
    , de Roberto Elisabetsky
  4. Justiça interrompida: reflexões críticas sobre a condição “pós-socialista”, de Nancy Fraser
  5. Feminismo para os 99%: um manifesto (audiolivro), de Cinzia Arruzza, Tithi Batthacharya e Nancy Fraser
  6. Mulheres e caça às bruxas (audiolivro), de Silvia Federici
  7. A questão comunista: história e futuro de uma ideia, de Domenico Losurdo
  8. Sinfonia inacabada: a política dos comunistas no Brasil, de Antonio Carlos Mazzeo
  9. O solo movediço da globalização: trabalho e extração mineral na Vale S.A, de Thiago Aguiar
  10. Bem mais que ideias: a interseccionalidade como teoria social crítica, de Patricia Hill Collins
  11. Monstro azul, de Olga de Dios
  12. O que é a filosofia?, de Giorgio Agamben
  13. Machado de Assis, de Astrojildo Pereira
  14. URSS Itália Brasil, de Astrojildo Pereira
  15. Interpretações, de Astrojildo Pereira
  16. Formação do PCB, de Astrojildo Pereira
  17. Crítica impura, de Astrojildo Pereira
  18. O revolucionário cordial: Astrojildo Pereira e as origens de uma política cultural, de Martin Cezar Feijó
  19. A guerra civil dos Estados Unidos, de Karl Marx e Friedrich Engels
  20. Manifesto comunista (audiolivro), de Karl Marx e Friedrich Engels, lido por José Paulo Netto
  21. Margem Esquerda #38: feminismo e crise do capital
  22. Querido Lula: cartas a um presidente na prisão, de Maud Chirio (org.)
  23. A verdade vencerá (audiolivro), de Luiz Inácio Lula da Silva
  24. Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, de Vladímir Lenin
  25. A cidade dos animais, de Joan Negrescolor
  26. Ninguém disse que seria fácil, de Valerio Arcary
  27. Capitalismo pandêmico, de Ricardo Antunes
  28. Teorema da expropriação capitalista, de Klaus Dörre
  29. O valor da informação: de como o capital se apropria do trabalho social na era do espetáculo e da internet, de Marcos Dantas, Denise Moura, Gabriela Raulino e Larissa Ormay
  30. Independência do Brasil: a história que não terminou, de Antonio Carlos Mazzeo e Luiz Bernardo Pericás (org.)
  31. Eu já morri, de Edyr Augusto
  32. Feminismo em disputa: um estudo sobre o imaginário político das mulheres brasileiras, de Esther Solano, Beatriz Della Costa e Camila Rocha
  33. Margem esquerda #39: capitalismo e guerra
  34. O cuidado: teorias e práticas, de Helena Hirata
  35. A pele que eu tenho, de bell hooks
  36. Ranheta Ruge Rosna, de bell hooks
  37. Crítica do fascismo, de Alysson Mascaro
  38. Multidões e partido, de Jodi Dean
  39. Descolonizar: abrindo a história do presente, de Boaventura de Sousa Santos
  40. Febre de cavalos, de Leonardo Padura
  41. Como a Europa subdesenvolveu a África, de Walter Rodney
  42. Da Erótica: muito além do obsceno, de Manuel Maria de Barbosa du Bocage
  43. Repensar Marx e os marxismos: guia para novas leituras, de Marcello Musto
  44. Capítulo VI (inédito), de Karl Marx


Até breve! Boas festas!

Equipe Boitempo

Elaine Ramos, Erica Imolene, Frank de Oliveira, Frederico Indiani, Higor Alves, Isabella Meucci, Ivam Oliveira, Ivana Jinkings, João Cândido Maia, Kim Doria, Livia Campos, Luciana Capelli, Marcos Duarte, Marina Valeriano, Marissol Robles, Maurício Barbosa, Pedro Davoglio, Pedro Ravasio, Raí Alves, Thais Rimkus, Tulio Candiotto e Uva Costriuba.

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