Walter Rodney e a formulação de um conceito emancipatório de desenvolvimento
Matheus Gato escreve sobre "Como a Europa subdesenvolveu a África", de Walter Rodney, destacando a formulação de um conceito original de desenvolvimento e uma interpretação singular dos processos históricos feita pelo autor.
Por Matheus Gato
Walter Rodney tinha menos de trinta anos quando, em 1972, escreveu Como a Europa subdesenvolveu a África e transformou decisivamente a maneira como imaginamos a articulação entre capitalismo e colonialismo e suas consequências para o desenvolvimento humano dos povos negros da África e da diáspora no mundo contemporâneo.
O uso criativo do marxismo aliado a um vasto e notável conhecimento sobre a história do continente africano – bem como o senso revolucionário de urgência, presente em cada página deste livro e fruto de uma época em que parecia possível conectar o processo de descolonização e formação dos Estados independentes africanos com a emergência dos movimentos negros no Caribe e nas Américas – permitiu a Rodney formular um conceito original de desenvolvimento e uma interpretação singular dos processos históricos.
O desafio de pensar a partir da África o problema do “subdesenvolvimento” – tema que ocupou a agenda teórica e política de parte significativa da esquerda no Sul global, bem como a de organismos internacionais nos anos 1960 e 1970 – obrigou o autor a ampliar os marcos temporais de sua investigação para o período anterior à era moderna, a fim demonstrar como o grande continente havia se desenvolvido e contribuído para o florescimento do capitalismo europeu ainda no período pré-colonial. Esse deslocamento lhe permitiu compreender que os processos históricos têm ritmos diferentes e desiguais e não conformam estágios uniformes de evolução da organização social. O mergulho na história serviu também para explicitar a importância do colonialismo e da escravidão moderna para o subdesenvolvimento das sociedades africanas.
A ideia-chave de que o colonialismo operava como um sistema de subdesenvolvimento da África, argumento central deste livro, não se reduzia à acusação da responsabilidade política dos Estados imperiais europeus pelas calamidades desumanas perpetradas naquele continente. A tese implicava um conceito mais amplo de desenvolvimento, que não se limitasse ao mero crescimento econômico – como insistem hoje as seções de economia dos jornais brasileiros –, mas também permitisse interpretar realidades políticas e dimensões culturais. Noutras palavras: a formulação de um conceito emancipatório de desenvolvimento.
Walter Rodney foi assassinado num atentado a bomba em 13 de junho de 1980, aos 38 anos de idade. No Brasil, sua morte foi sentida por aqueles que fizeram de suas ideias um instrumento de combate à ditadura militar e de luta pela democracia: a intelectualidade afro-brasileira, responsável pela recepção do autor no país. Nas palavras de Lélia Gonzalez, em Por um feminismo afro-latino-americano: “Como já disse o grande escritor negro assassinado na Guiana Walter Rodney, o modelo de desenvolvimento econômico estabelecido no Brasil pelos militares foi para subdesenvolver os setores mais pobres deste país e, portanto, os setores negros. Está lá. […] Companheiros, não esqueçamos”. Companheiros, não esqueçamos!
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Como a Europa subdesenvolveu a África, do historiador e líder teórico do pan-africanismo Walter Rodney, detalha o impacto da escravidão e do colonialismo na história da África. Escrita em 1972 e publicada agora pela primeira vez em língua portuguesa, a obra, considerada uma obra-prima da economia política, argumenta que o inabalável “subdesenvolvimento” africano não é um fenômeno natural, e sim um produto da exploração imperial do continente, prática que continua até hoje. Um dos principais argumentos ao longo do livro é o de que a África desenvolveu a Europa na mesma proporção em que a Europa deliberadamente subdesenvolveu o continente africano.
Rodney detalha as formas de exploração econômica de diversos povos e regiões, primeiro como fornecedores de mão de obra escravizada e, depois, como mão de obra assalariada extremamente subvalorizada. Além disso, aborda como se deu a intervenção direta do modo de produção capitalista nas práticas econômicas típicas de cada povo e região, na divisão sexual do trabalho tradicional dos povos africanos e na educação formal durante o colonialismo.
Como a Europa subdesenvolveu a África, de Walter Rodney, tem tradução de Heci Regina Candiani, apresentação de Angela Davis, texto de orelha de Matheus Gato e capa de Antonio Kehl.
“Se os assassinos de Walter Rodney acharam que poderiam interromper o fluxo de suas ideias destruindo seu corpo, nunca estiveram tão errados.”
— Angela Davis
“Esta magistral obra de Walter Rodney é reconhecida mundialmente como um marco nos estudos africanos – sem falar na história do colonialismo e do imperialismo.”
— Gerald Horne
“Este livro é um clássico lendário que galvanizou todos os que lutam por liberdade ao redor do mundo.”
— Cornel West
“Que bom ver novas edições desta obra circulando, trazendo a análise de Rodney para uma nova geração, que luta desde baixo e em cujas mãos, ele nos teria lembrado, está o futuro da humanidade.”
— Lewis R. Gordon
“Lançado em 1972, Como a Europa subdesenvolveu a África foi um verdadeiro tour de force. Como ninguém havia feito antes em um único volume, Rodney fundiu história africana e teoria do subdesenvolvimento, marxismo e nacionalismo negro, paixão intelectual e compromisso político.”
— Michael West
“A análise de Rodney continua tão relevante quanto quando foi publicada pela primeira vez – é um chamado às armas no contexto da luta de classes pela igualdade racial.”
— LA Review of Books
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É daqui a pouco, às 15h, o lançamento de Como a Europa subdesenvolveu a África, de Walter Rodney, com debate entre Douglas Rodrigues Barros, Marjorie Chaves e Matheus Gato, mediação de Messias Martins:
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Matheus Gato é professor do Departamento de Sociologia da Unicamp e coordenador do Bitita: Núcleo de Estudos Carolina de Jesus. É autor de O massacre dos libertos: sobre raça e república no Brasil (2020) e organizador do livro O treze de Maio e outras estórias do pós-abolição (2021).
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