Lula guerreiro de volta ao Recife

Lula, como Prestes, Nelson Mandela, Ho Chi Minh, e todo líder popular, saiu da prisão com o coração mais amplo, onde moram todas as pessoas. A humanidade está contigo, presidente.

FOTO: RICARDO STUCKERT

Por Urariano Mota

Nesta sexta-feira 14 de outubro, Lula guerreiro do povo brasileiro caminha no Recife. É uma vitória já a sua presença entre os pernambucanos.

Em um tempo em que as tragédias pessoais geram votos, como agora em Pernambuco, penso em Lula e em todos nós. No comum da gente, as muitas dores sob as quais passamos, e algumas delas nem passam… As tragédias e traumas pessoais sofridos, nem por isso jamais procuramos atrair olhares piedosos sobre nós. Caímos, choramos, temos um surto de pranto e nos levantamos. Isso é da luta e do luto. Em suas pessoas, os escritores guardam no íntimo até o que não gostariam de guardar. Depois escrevem quando podem, ou não suportam mais esconder a insistente lembrança. Mas os políticos, os melhores políticos, não. Eles recuperam o sofrimento para um novo salto de redenção no mundo coletivo.

Militantes e políticos, que são estímulo de exemplo, suportam e saem da dor em atos para o povo. Luiz Carlos Prestes saiu da perda de sua brava companheira Olga, que havia sido enviada para campo de concentração nazista sob a ditadura de Vargas, e apoiou o ex-ditador, porque o valor mais alto era a volta à democracia. Esse foi um ato que os mesquinhos e seu sinônimo, os sectários, até hoje não entendem. E nestes dias, o gênio político Luiz Inácio Lula da Silva vai além do sofrimento passado. Ele não faz disso a sua bandeira.

Numa rápida pesquisa, se excluímos a difícil infância sem pai, e se pulamos as batalhas épicas, as humilhações pelas quais passou, que são o gênero de experiência de todos pobres, chegamos à sua posse como Presidente da República em janeiro de 2003. Em Brasília, ele falou num dos rasgos de verdade, que são sua característica: “Uma pena que minha mãe morreu. Ela sempre quis que eu tivesse um diploma e nunca imaginou que o primeiro seria o de Presidente da República”. E chorou. Mas esse choro era de agradecimento e luta coletiva.

Tempos depois, Lula sofre um câncer de laringe em 2011. Da sua doença, os fascistas da época comentavam nas “redes sociais”, que só são sociais como ferramenta:

“Nada de novo, pessoal. Eu trabalho com marketing há mil anos e sei o que houve. O que fazer quando a sua imagem está a ponto de detonar (quase dez ministros detonados), com o processo do mensalão em andamento, inflação crescente, o diabo, o que é que se faz? Cria-se um fato novo! O povo precisa ter pena do cara, não é mesmo? Que câncer, que nada! Isso é pura armação de um bandido mentiroso e que não tem saída. Só um câncer arranjado. Matei? O cara é muito malandro, ele não está nada com câncer, é pura jogada dos marqueteiros da petralha. Matei?”. Não matou, claro, mas bem desejou matar o maior líder do povo brasileiro.

Outro acrescentou, no fascismo que já fervilhava e hoje está em vigor no governo do Brasil: “Devagar, pessoal, o ‘universo’ está dando uma boa mão para nós terráqueos e limpando a terra dos esquerdistas. Se não, vejamos: o Kadafi já morreu, o Fidel Castro está agonizando, o Hugo Chaves está agonizando, o Kim Jong-il da Coreia do Norte está agonizando, agora o Lula está com o câncer. Viva o câncer!”

Mais adiante, a canalhice e tentativa de assassinato chegaram a Dona Marisa, então esposa de Lula em 2017, quando ela foi atingida por um AVC e se tornou paciente do Hospital Sírio-Libanês. Ali, houve alguns médicos que desonram o Brasil e a medicina, que divulgaram imagens da tomografia de Dona Marisa nas “redes sociais”! Mais: o neurocirurgião Richam Faissal Ellakkis comentou com a galera do seu bando: “Esses fdp vão embolizar ainda por cima. Tem que romper no procedimento. Daí já abre pupila. E o capeta abraça ela”. Ele era, não sei se ainda é, especialista em neurocirurgia vascular e base de crânio, portanto, falou com absoluta propriedade do crime que gostaria de cometer ou cometeu: matar uma pessoa necessitada de socorro médico.

E culminou com a prisão do maior líder das Américas em 2018. Pela prisão, afastavam o favorito das eleições que levaram o fascismo à presidência. Lula permaneceu preso por 580 dias, de onde saiu renovado no diálogo com o mundo inteiro.

Mas o melhor é isto: Lula, como Prestes, Nelson Mandela, Ho Chi Minh, e todo líder popular, saiu da prisão com o coração mais amplo, onde moram todas as pessoas. Nestes dias, ele falou:

“Eu sei que é o sofrimento, eu quando vejo uma pessoa na rua, eu sei o que essa pessoa está passando. Quando eu vejo uma mulher com criança na calçada pedindo esmola, eu sei o que ela está passando. Então, é essa causa que me move na política”.

A humanidade está contigo, presidente.


A coletânea Querido Lula: cartas a um presidente na prisão, organizada por Maud Chirio, reúne 46 missivas, de um total de 25 mil enviadas a ele durante o cárcere em Curitiba, procurando representar a imensa diversidade contida nas cartas, contemplando autores de diferentes origens sociais e regiões do país, com histórias de vida, tons e abordagens variadas. Diferente de outras obras de estadistas encarcerados, que reúnem parte de sua comunicação com o mundo exterior, as cartas a Lula apresentam a visão daqueles que viram de longe o desenrolar da história. São demonstrações de solidariedade, de amor e esperança ao prisioneiro.

Até o dia 31 de outubro Boitempo disponibiliza download gratuito do ebook de Querido Lula e audiolivro de A verdade vencerá, que acaba de ser lançado, por R$13!

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Urariano Mota  é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. É colunista do Vermelho. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, de O filho renegado de Deus (Bertrand Brasil, 2013), uma narração cruel e terna de certa Maria, vítima da opressão cultural e de classes no Brasil, do Dicionário Amoroso do Recife (Casarão do Verbo, 2014), e de A mais longa duração da juventude (Editora LiteraRUA) que narra o amor, política e sexo dos militantes contra a ditadura.

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